Fundação para cegos: Diversidade é um fato, inclusão é nossa escolha

Por Ingrid Morais

 

Francisco Henrique Chimenti Della Manna é um engenheiro civil e incorporador que atua no terceiro setor desde 2008, quando fundou uma ONG que ajudava pessoas em situação de rua. Mas foi em um jantar com a turma do Colégio São Luís que encontrou seu lugar na Diversidade e Inclusão. É que nessa ocasião reviu um grande colega de classe, Cristiano Nowill, filho da Dorina Nowill, que o convidou para atuar na Fundação Dorina Nowill para Cegos como Conselheiro. Passou três anos no Conselho até que, em 2019, foi eleito e, posteriormente, reeleito Presidente, mandato que se encerra este ano.

Mundo Lusíada: De acordo com o último IBGE (2010) existem mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual no Brasil, sendo 500 mil cegas e cerca de 6 milhões com baixa visão. Contribuir para que essas pessoas tenham a autonomia necessária para entrar no mercado de trabalho sempre foi um dos focos da Fundação Dorina, com um serviço pioneiro de profissionalização e inclusão que vai desde um banco de currículos até workshops e cursos em empresas. O que mais a Fundação vem realizando?

Francisco Della Manna: Falando pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, a pessoa que perde a visão (cega ou com baixa visão), entra em estado de luto e de desespero e, normalmente, sem orientação devida pode ficar por um longo tempo em casa por não conhecer serviços de reabilitação visual. E tanto estes perfis quanto o daquelas com deficiência visual congênita, devem receber a habilitação e reabilitação o quanto antes para assegurar um desenvolvimento adequado à sua idade.

Quando chegam à Fundação Dorina, seja por indicação de alguém ou porque ouviu falar da entidade por algum meio, é recebida e acolhida pelo serviço social que analisa suas necessidades individuais e inicia seus atendimentos. Sendo elas jovens, adultas ou idosas, as pessoas são inseridas, essencialmente, em um grupo com as mesmas condições que as suas para fomentar seu fortalecimento e propiciar o passo seguinte em seu processo de reabilitação.

Neste início de trabalho são identificadas suas principais demandas para o dia-a-dia, de acordo com sua rotina, como atividades domésticas, de autocuidado, resgate da autoestima, autonomia e independência. Em paralelo, a Fundação também tem a preocupação com a família, pois, assim como a pessoa com deficiência visual, a família sente-se perdida. Nesse sentido, apoiamos no fortalecimento de vínculos, papel protetivo e orientações necessárias para que a convivência seja mantida de forma consciente à condição visual de cada pessoa.

Falamos sobre todos estes aspectos para que a pessoa tenha a autonomia de estar preparada para ingressar ou retomar suas atividades no mundo do trabalho. Todos nossos cursos, palestras e trabalhos são para multiplicar a inclusão das pessoas com deficiência visual em atividades laborais diversas e de acordo com seu projeto de vida. São anos de um legado de perseverança, trabalho, conhecimento e dedicação, que chancelam toda a nossa credibilidade.

ML: A Lei de Cotas é suficiente ou poderíamos ter mais mecanismos de inclusão?

FDM: A Lei de Cotas é muito importante, contudo as empresas precisam estar preparadas para processos seletivos por competência técnica e a sociedade preparada para a diversidade e inclusão, garantindo acessibilidade e diminuindo barreiras. Pensando em mobilidade,no exterior, quase todos os semáforos são equipados com um dispositivo que emite um sinal sonoro, dessa forma a pessoa com deficiência visual pode atravessar a rua com autonomia. No entanto, o semáforo localizado na rua da Fundação Dorina, por exemplo, tem acessibilidade e é impressionante, pois, por vezes, o alto-falante é tapado com uma fita, para que o som seja diminuído durante à noite.

Nossa exposição para a sociedade ainda é muito baixa. E quem pode ajudar nisso são os governos Federal, Estadual e Municipal. Em termos gerais, as Fundações, seja no Brasil ou no mundo, existem, justamente, para atuar junto aos Governos e buscar agilizar questões e necessidades que são cruciais para as pessoas que representam. Fazemos muito por nossa conta, mas, para seguirmos com os avanços que são necessários, buscamos uma atuação, cada vez mais, forte para cobrar e atuar junto ao poder público. Porque sabemos que as demandas dos governos são muitas e que eles incentivam os serviços do terceiro setor por meio de projetos e parcerias que, de alguma forma, aliviam o sistema público.

ML: Quais os projetos da Fundação Dorina na área cultural?

FDM: Entre os projetos, destaco o LEGO Braille Bricks, uma metodologia que ensina o Braille a crianças com deficiência visual com o intuito de alfabetizá-las de forma lúdica. Em meados de 2014 conversamos com a agência de publicidade Lew Lara/TBWA sobre a possibilidade de um brinquedo para as crianças cegas interagirem com as videntes.

A agência criou e doou para a Fundação Dorina Nowill o primeiro modelo do Braille Bricks, que consistia em peças semelhantes às do brinquedo LEGO®, mas com o alfabeto Braille na sua parte superior. Por meio de uma de nossas conselheiras na época, Anne Catherine Olesen, cujo pai é dinamarquês e tinha conhecimento junto à Fundação Lego, chegamos até a entidade, que naquele momento era presidida pelo neto do fundador da empresa, e ele adorou e encampou o projeto inteiro.

Em visita recente ao Brasil, a LEGO informou que enviará mais seis mil kits ao país, que deverão chegar no início do próximo ano e, como os outros já recebidos, serão distribuídos por todo o Brasil junto às escolas públicas. Vejo as crianças brincarem na Fundação e é sempre muito comovente.

ML: De que forma a Fundação trabalha a inovação?

FDM: A Fundação Dorina está sempre em busca das melhores tecnologias para as pessoas com deficiência visual, atualizamos nossa biblioteca virtual a Dorinateca, hoje mais moderna e acessível. Nosso estúdio para gravação de audiobooks conta com a mais moderna tecnologia, além de sala especial para gravação de aulas com teleprompter.

Já a Linha Braille, é um conversor instantâneo de textos e dados de computadores, dispositivos móveis ou de uma memória interna para uma linha de texto em alto relevo, que utiliza o Sistema Braille e facilita o cotidiano de estudos e trabalho. Tudo isso para transformar a vida das pessoas com mais acessibilidade e possibilidades.

Muitas pessoas que ficam cegas, muitas vezes, nunca ouviram falar da Fundação e já existimos há 78 anos como referência em habilitação e reabilitação. São necessários parceiros, divulgação constante, educação continuada e incentivo aos serviços de ponta como saúde, assistência social, educação e previdência para que as pessoas tenham acesso a reabilitação.

 

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