Especialistas portugueses alertam para os riscos de fazer cirurgia de obesidade no exterior

Caso mais grave foi o de um doente que fez uma operação no Brasil.

 

Da Redação com Lusa

A Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO) alerta para os riscos que os doentes correm quando vão ao estrangeiro realizar a cirurgia bariátrica por ser mais barato e voltam para Portugal sem o acompanhamento exigido no pós-operatório.

O presidente da SPEO, José Silva Nunes, disse à agência Lusa que há em Portugal pessoas que angariam doentes para irem a Istambul, na Turquia, realizar a cirurgia para obesidade grave, tratando de toda a logística, nomeadamente das viagens, da estadia e da cirurgia.

“Eu cito a Turquia porque neste momento há esse grupo de pessoas que angariam em Portugal doentes que estão a aguardar uma cirurgia e que lhes propõe custos muito mais reduzidos do que se recorressem ao setor privado”, disse o endocrinologista, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Mundial da Obesidade, que se assinala a 04 de março.

Segundo o especialista, as pessoas como têm “limitações econômicas” e podendo só pagar um terço do valor, acabam por aceder a esta solução, correndo até risco de vida.

“Acredito que essas pessoas têm ali uma consulta com o cirurgião, com o nutricionista, com o médico, mas depois voltam para Portugal e depois seja o que Deus quiser”, disse, revelando que já acompanhou situações graves.

Segundo o diretor do Departamento de Endocrinologia do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, estes doentes têm que ser seguidos por uma equipa multidisciplinar durante pelo menos três anos após a cirurgia.

“Há necessidade de acompanhamento, sobretudo, no pós-operatório e nos meses imediatamente a seguir porque podem ocorrer défices vitamínicos, défices de minerais”, alertou o especialista que faz parte de uma equipe multidisciplinar de tratamento cirúrgico da obesidade.

Silva Nunes disse que deu o exemplo de Istambul, porque tem investido muito nos últimos anos em turismo de saúde, não só de cirurgia da obesidade, mas transplantes capilares, implantes dentários, cirurgias corretivas do nariz.

“No fundo, é quase como um supermercado da saúde para várias soluções cirúrgicas”, comentou.

Mas o caso mais grave foi o de um doente que fez uma operação no Brasil: “Como temos uma comunidade residente brasileira muito significativa, alguns doentes com obesidade, optam por ir fazer a cirurgia ao seu país natal e depois voltam e não têm acompanhamento como seria esperado, porque estão a vários milhares de quilômetros do sítio onde foram intervencionados”.

Segundo Silva Nunes, este doente desenvolveu “uma situação clínica extremamente grave, irreversível, com consequências neurológicas marcadas”, tendo ficado incapacitado para sempre.

Observou que o Serviço Nacional de Saúde tem a obrigação de dar o seguimento a estes doentes após a intervenção, mas disse que “não vão passar à frente dos outros que estão à espera”.

“Ou seja, vão ficar à espera de uma primeira consulta e durante esse período, que é o mais crítico, não têm acompanhamento médico absolutamente nenhum, nem nutricional, nem psicológico, nem cirúrgico”, advertiu.

O presidente da SPEO deixou uma recomendação relativamente ao turismo de saúde: “As pessoas se optarem por essa solução que haja condições para, uma vez que sejam operadas, seja garantido o apoio que é exigível a uma situação pós cirúrgica desta natureza, que pode ter consequências extremamente nefastas e que pode, inclusive, pôr em risco de vida”.

Dados provisórios avançados à agência Lusa pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) referem que, em 2023, foram operadas 1.965 pessoas com obesidade no SNS, menos 12 do que em 2022 e mais 391 comparativamente a 2021.

No SNS

Quase 1.400 doentes aguardavam pela cirurgia para a obesidade no final de 2023, ano em que foram operadas 1.965 pessoas, que esperaram em média 5,5 meses, um valor que tem vindo a baixar, segundo dados oficiais.

Segundo a lei, as cirurgias de prioridade normal devem ser realizadas num prazo máximo de seis meses. Segundo ACSS, o tempo médio de espera para cirurgia tem vindo a diminuir: 10,4 meses em 2021, 6,5 meses em 2022 e 5,5 meses em 2023.

Em 2023, foram operadas 1.965 pessoas com obesidade, menos 12 do que em 2022 e mais 391 comparativamente a 2021, no âmbito do Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade (PTCO).

O presidente da SPEO, José Silva Nunes, afirmou que há uma redução do tempo de espera e não “há um aumento exponencial da procura, porque face ao tempo que as pessoas ainda têm que esperar, acabam muitas delas por recorrer ao setor privado ou social ou então vão fazer turismo de saúde”.

O médico responsável pelo Serviço de Endocrinologia do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, enfatizou que a cirurgia “é um dos pilares do tratamento”, está reservado para “uma pequena porção de pessoas que sofrem desta doença”, os casos mais graves.

Mesmo sendo “uma franja” da população global com obesidade, em termos absolutos “são muitas pessoas” e os centros de referência do Serviço Nacional de Saúde não conseguem dar resposta a todas, disse.

“Quem tem dinheiro” faz a cirurgia fora do SNS, quem tem “fracos recursos socioeconômicos, tem que esperar pela sua vez no Serviço Nacional de Saúde e a resposta não é aquela que seria desejável”, disse, observando que a prevalência da obesidade é maior nas classes desfavorecidas.

Por outro lado, o tempo de espera para uma consulta de obesidade também “é muito prolongado”, pelo menos, um ano, “muito mais daquilo que seria admissível para uma pessoa que vive com uma doença crônica”.

A presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Paula Freitas, considerou, por seu turno, que “há alguma incompreensão em relação à obesidade” e mesmo “estigma e discriminação”.

“Muitas vezes há essa incompreensão não só pelas pessoas que têm a própria doença, mas também pelos próprios profissionais de saúde”, disse a endocrinologista, defendendo “é preciso treinar, formar, mais profissionais de saúde” nesta área.

Em Portugal, 67,6% da população tem excesso de peso ou obesidade, sendo que a prevalência da obesidade é de 28,7%, o que correspondendo a mais de dois milhões de adultos.

Estima-se que, em 2035, 39% da população adulta em Portugal seja obesa, perspetivando-se um crescimento anual da doença de 2,8% entre 2020 e 2035. Ao nível da obesidade infantil, esse crescimento anual será mais elevado (3,5%).

Para Paula Freitas, é necessário arranjar estratégias e soluções para tratar já quem tem a doença instalada.

José Silva Nunes acrescentou que estas pessoas têm que desenvolver diariamente “uma luta inglória contra aquilo que a natureza determina o seu organismo fazer, que é aumentar de peso”.

“Por isso, é que sem uma ajuda farmacológica ou cirúrgica, nos casos em que se aplica, é extremamente difícil só com medidas de alimentação, intervenção alimentar ou de exercício físico conseguir controlar esta doença”, que é crônica, recidivante, multifatorial e com caráter pandêmico, realçou.

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