DGArtes: Há projetos de internacionalização que já aconteceram mas nem contrato assinaram

Da Redação com Lusa

Alguns projetos artísticos abrangidos este ano pelos apoios da Direção-Geral das Artes (DGArtes) já foram estreados sem que o financiamento tivesse sido sequer contratualizado, com os artistas a terem de recorrer a dinheiro de amigos e família.

O artista plástico David Leal candidatou-se ao concurso de internacionalização para conseguir apoio para participar na exposição “Confessions”, num centro de arte na Irlanda, tendo a sua candidatura sido uma das 80 selecionadas para receber apoio. Pediu 3.100 euros, mas irá receber apenas parte (cerca de 2.400).

À data de hoje “não há ainda contrato assinado”, embora a exposição já tenha acontecido, contou à Lusa.

Como não vai receber o valor total que pediu, teve de “reajustar os custos”. Enviou novo orçamento há mais de um mês, tendo a DGArtes indicado que o apoio chegaria no final de agosto, “mas não aconteceu”.

A exposição, que esteve patente entre 29 de julho e 03 de setembro, foi divulgada no site da DGArtes, com a nota de que conta “com o apoio” daquela entidade.

A verdade é que, para conseguir mostrar o seu trabalho na Irlanda, David Leal teve de “pedir dinheiro emprestado a colegas que também participaram na exposição”.

Já o artista visual Bruno José Silva acabou por ter de recorrer à família e aos amigos, para poder levar as suas obras para Barcelona, onde inaugurou em 15 de setembro a mostra “Limit of Disappearence”.

Também Bruno José Silva não tem ainda sequer o apoio contratualizado: “Tive que investir, pedindo dinheiro emprestado a família e amigos. A exposição termina daqui a um mês e terei que arranjar mais dinheiro para trazer as peças para Portugal, se até lá não tiver recebido o valor do apoio”.

O artista vai receber o total do apoio pedido, cerca de 3.700 euros, dos quais já adiantou 2.700.

“Percebo que a DGArtes tenha falta de profissionais, mas se calhar tem que se olhar para os projetos que acontecem logo e dar prioridade”, defendeu.

O artista alertou para o facto de o orçamento que apresentou na candidatura, cujo prazo de submissão terminou em fevereiro, não corresponder ao orçamento real, tendo em conta que os preços das viagens e de alojamento acabaram por aumentar à medida que se aproximava a data de inauguração da exposição.

Bruno José Silva, tal como David Leal, não tem fundo de maneio para investir, tendo ambos acabado por recorrer a outras pessoas para conseguirem realizar os projetos. Mas há quem acabe por ter de cancelar os projetos.

Essa hipótese está em cima da mesa no caso da Plataforma285, cujo projeto é apoiado com metade do valor pedido.

“Dependendo de quanto demora a resposta e de quando custam os voos teremos que decidir se vamos ou não a Moçambique, na última semana de outubro, a um festival de teatro para a infância e juventude”, disse à Lusa o diretor artístico da Plataforma285, Raimundo Cosme.

Com a candidatura submetida em fevereiro, Raimundo Cosme lembra que o orçamento apresentado “diz respeito ao preço das viagens na altura”, cujo valor foi aumentando.

A DGArtes solicitou um reacerto do orçamento, que foi logo enviado e para o qual a companhia ainda não obteve resposta. “Estamos parados com esse projeto. Precisamos de uma resposta definitiva da DGArtes sobre o orçamento”, disse Raimundo Cosme.

O diretor artístico da Plataforma 285 faz questão de salientar que “os técnicos da DGArtes são extraordinários e incensáveis”, mas são poucos para a quantidade de processos que têm em mãos.

O diálogo com o diretor do festival moçambicano foi iniciado há mais de um ano. E a incerteza em relação à participação da Plataforma 285 “é esgotante”. “Em vez de estabilidade, estamos numa instabilidade inacreditável. Vamos em nome de Portugal, mas somos obrigados a adiantar dinheiro em nome do Estado”, lamentou.

O diretor artístico da companhia questiona “quantos projetos terão deixado de existir ou foram cancelados” devido aos atrasos e ao subfinanciamento dos concursos de apoio às artes.

“O ministro da Cultura não resolve este programa de apoio e anuncia mais dinheiro para o seguinte. Cada vez que algo corre mal num programa, não resolvem e passam para o próximo”, disse, em referência ao anúncio de um reforço de verbas para os próximos concursos de apoio a projetos, que este ano deixaram centenas de fora, considerados elegíveis para receber apoio, devido à falta de verbas.

O Programa de Apoio a Projetos da DGArtes para 2023, de Internacionalização, deveria ter aberto as candidaturas em outubro do ano passado, mas, à semelhança dos de Criação e Programação, tal acabou por acontecer apenas em 29 de dezembro.

As candidaturas encerraram em fevereiro deste ano, e os resultados provisórios foram divulgados em 23 de maio.

Terminados os prazos de contestação, os resultados finais foram homologados em 02 de agosto.

Os projetos selecionados para apoio devem ser executados entre 01 de maio de 2023 e 30 de outubro de 2024, de acordo com o aviso de abertura do concurso.

No caso dos projetos “Válvula”, de António Jorge Gonçalves, e “Bochizami”, de Flávia Gusmão, os atrasos não colocam em causa as apresentações no Brasil e Cabo Verde, respetivamente.

Embora também nestes dois casos o apoio ainda não tenha sido contratualizado, a Culturproject – Gestão de Projetos Culturais consegue “fazer a gestão de tesouraria ou recorrer ao fundo de maneio e ir aplicando”.

“Eu consigo, mas sei que há no setor muitas estruturas com incapacidade financeira de adiantar dinheiro. Eu consigo ser mecenas de mim próprio, financiar-me a mim próprio, mas o tecido cultural é muito frágil”, disse à Lusa Nuno Pratas, da Culturproject.

No caso de “Bochizami”, que será apresentado em novembro em Cabo Verde e que vai receber o total do apoio solicitado, 10.800 euros, Nuno Pratas já teve de comprar sete viagens, antes que os preços aumentassem ainda mais.

Entretanto terá também de reservar o alojamento, dinheiro que também terá de adiantar. “Para ter bons preços tenho que fechar antes de receber dinheiro que não sei quando chegará”, referiu.

Nuno Pratas salienta que “o Estado reconhece o interesse cultural e de serviço público dos projetos e que, sem o apoio do Estado, estes não podem ser executados”. “Se não aparece o dinheiro, o que é que as pessoas fazem?”, questiona.

O Ministério da Cultura apresenta uma “fotografia bonita: foram apoiados x projetos”, mas do vídeo, “como isto foi feito e o que sofreu pelo caminho, não fala”.

“Há pessoas que para representar o Estado português lá fora têm que pedir dinheiro aos pais”, lamentou.

A Lusa questionou a DGArtes sobre os atrasos nos concursos do Programa de Apoio a Projetos, nomeadamente de Internacionalização, deste ano, tendo fonte oficial respondido que, “no que se refere aos Programas de Apoio a Projetos nos domínios da programação, internacionalização e na forma de procedimento simplificado, estão contratualizados a grande maioria dos apoios”.

A DGArtes salientou que “o processo de formalização dos contratos está dependente da apresentação de informação e de documentos por parte das entidades”.

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