Em Portugal, Supremo mantém luso-brasileiro Raul Schmidt em liberdade

Justiça portuguesa declara que prazo para extradição de acusado da Lava Jato se esgotou.

Da Redação
Com Agencias

O Supremo Tribunal de Justiça emitiu esta quinta-feira um despacho a aclarar que Raul Schmidt, o único acusado com nacionalidade portuguesa do processo Lava Jato, não pode ser extraditado pois o prazo já se esgotou.

Na passada sexta-feira, um desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa mandou prender o único suspeito com nacionalidade portuguesa da Lava Jato, tendo em vista a extradição para o Brasil.

Caso a detenção se tivesse verificado, Raul Schmidt não teria tido hipótese de contestar a decisão que veio pôr em causa o acórdão anterior do próprio Supremo Tribunal de Justiça.

Em 3 de maio o Supremo decidiu libertar Raul Schmidt, então detido no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária em Lisboa, por se ter esgotado o prazo para a entrega ao Brasil, segundo avançou a RTP.

Agora, num acórdão muito crítico do Tribunal da Relação, o Supremo diz que a libertação de Raul Schmidt transitou em julgado, e não pode ser posta em causa por mais nenhum tribunal.

No âmbito da Operação Lava Jato, Schmidt está sob investigação no Brasil por suspeitas de pagamento de propinas a Renato de Souza Duque, Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada, antigos gestores da Petrobras, a petrolífera no centro do processo que incide sobre um alegado esquema de corrupção em larga escala.

A imprensa brasileira tem apontado Raul Schmidt como intermediário de empresas internacionais para obter contratos de exploração de plataformas da Petrobras, além de agente financeiro no alegado pagamento de subornos.

Na última semana, a secretária de Cooperação Internacional do Ministério Público do Brasil, Cristina Romanó, esteve em Lisboa para tratar da extradição do empresário. Ela se reuniu com a procuradora-geral de Portugal, Joana Marques Vidal, e procuradores lusitanos para viabilizar a entrega de Schmidt às autoridades brasileiras para que ele possa responder, no Brasil, aos processos decorrentes das investigações.

Na altura, a representante do MPF salientou a importância de que Lisboa não se torne um refúgio para investigados da Lava Jato brasileira sem vínculos efetivos prévios com Portugal.

Até ontem, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia rejeitado o habeas corpus solicitado pela defesa do empresário para impedir a extradição para o Brasil. A imprensa brasileira divulgava que cabia a Interpol localizar o empresário em Portugal para que o país o disponibilize às autoridades brasileiras para a extradição.

A defesa porém declarava que o caso abre um precedente ao pedir “a extradição de um português nato”. “Raul é português nato. Esse processo já teria terminado se o Brasil tivesse agido antes e perdeu o prazo. O tribunal português agiu em consequência lógica: arquivamento. Quem ganha com isso é a democracia. Raul está bem, mais feliz do que eu”, comentou o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay) ao Consultor Jurídico.

A votação

A defesa de Schmidt recorreu ao STJ com a argumentação de que, por ser português nato, Raul Schmidt não poderia ser enviado ao Brasil porque não há acordo entre os dois países no caso de extradição de cidadãos natos. Os advogados alegaram que o Ministério da Justiça tem mantido o processo de extradição com base em uma falsa promessa de reciprocidade, com o objetivo de extraditar um português de origem.

Segundo o MPF brasileiro, ao votar, o ministro Relator, Sérgio Kukina, rebateu os pontos levantados e considerou que a atuação das autoridades brasileiras no processo de extradição está de acordo com as leis. Destacou, ainda, que no início do processo de extradição, assim como quando ocorreu o trânsito em julgado do caso, Raul Schmidt era português naturalizado. Segundo o relator, o fato de o empresário ter adquirido nova condição relativa à nacionalidade – ter se tornado cidadão português nato –, em janeiro deste ano, não impede a extradição.

A decisão seguiu o entendimento do Ministério Público Federal (MPF). Em sustentação oral durante o julgamento, o subprocurador-geral da República Nicolao Dino ressaltou que não houve informação falsa prestada pelo Estado brasileiro. Ele citou documentos trocados entre autoridades portuguesas e brasileiras em que o Brasil informa ser possível a extradição de brasileiros naturalizados em caso de crime comum praticado antes da naturalização, nos termos do artigo 5, inciso 51 da Constituição Federal. Nas correspondências trocadas, mencionou o subprocurador-geral, o governo brasileiro sempre deixou claro que a Constituição brasileira veda a extradição de brasileiros natos. Nicolao Dino frisou que a decisão pela extradição de Raul Schmidt já transitou em julgado em todas as instâncias da Justiça portuguesa, tendo o Tribunal de Relação de Lisboa determinado a entrega do empresário na última sexta-feira. “Isso foi feito com base nas informações precisas repassadas pelas autoridades brasileiras”, ressaltou Dino.

A sustentação de Nicolao Dino levou em conta também o parecer apresentado pelo MPF da lavra do subprocurador-geral da República Wagner Natal Batista e ainda memoriais do iníco deste mês, formulados pelo subprocurador-geral da república, Francisco de Assis Sanseverino. No documento, ele defende a extradição: “Pode-se afirmar, sem qualquer dúvida, que se mantém a possibilidade de Portugal proceder, imediatamente, a entrega do réu Raul Schmidt ao Brasil, processo de extradição transitado em julgado relativamente a crimes cometidos antes da sua naturalização como cidadão português”. Oito ministros acompanharam o voto do relator, favorável à negativa do HC, e apenas um foi contrário. Os ministros também ressaltaram que caberia à Justiça portuguesa decidir sobre os efeitos da conquista de título de cidadão português.

O caso

Além de atuar como operador financeiro, Raul Schmidt também aparece como preposto de empresas internacionais na obtenção de contratos de exploração de plataformas da Petrobras. Sua ocupação profissional era para facilitar os desvios de três ex-diretores da empresa de petróleo brasileira (Duque, Zelada e Cerveró) e há a suspeita que recebeu de propina por seus serviços mais de US$ 200 milhões (US$ 30 milhões na intermediação de um só contrato). É, provavelmente, o fugitivo com maior patrimônio desviado dos cofres públicos brasileiros. Ele foi preso em Portugal, em março de 2016, na primeira fase internacional da Operação Lava Jato. O empresário estava foragido desde julho de 2015. Morou em Londres, onde mantinha uma galeria de arte, mas, após o início da Lava Jato, mudou-se para Portugal, por ter dupla cidadania.

O pedido de extradição do brasileiro foi julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mas Raul Schmidt recorreu ao STJ de Portugal, que confirmou integralmente, em setembro de 2017, a extradição. O brasileiro ajuizou reclamação junto ao STJ português, que novamente indeferiu o pedido. Na tentativa de evitar a extradição, recorreu ao Tribunal Constitucional de Portugal (TCP) que, por decisão sumária, de novembro de 2017, não conheceu o recurso. Um mês depois, a defesa recorreu novamente ao TCP, que confirmou a extradição. Em 9 de janeiro deste ano, o mesmo tribunal indeferiu nova reclamação de Schmidt e confirmou o trânsito em julgado do processo de extradição para o Brasil.

A decisão do TCP, no entanto, não foi executada porque o Tribunal da Relação de Lisboa suspendeu a emissão do “mandado de desligamento” – documento imprescindível para a entrega às autoridades brasileiras – até a finalização do “recurso de revisão” (espécie de ação rescisória), julgada em abril pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.

Em abril deste ano, Raul Schmidt recorreu ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) para suspender a extradição, alegando que as unidades prisionais brasileiras não cumpriam os padrões mínimos exigidos pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Para rebater esse recurso, a procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, enviou às autoridades portuguesas ofício reafirmando o compromisso do Estado brasileiro de garantir e respeitar os direitos fundamentais de Raul Schmidt, argumento que foi aceito pelo tribunal europeu.

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