Papoilas entre as Muralhas de Évora

Foto Jean Carlos Vieira Santos

“Papoilas que o vento agita/Não me canso de vos ver/Há lá coisa mais bonita/Que ser simples sem saber […] Ceifeiras do Ribatejo/Com saias de rubra chita/Lembra-me, quando vos vejo/Papoilas que o vento agita […]” (Zé Maria)

Por Jean Carlos Vieira Santos

Não me canso de ouvir “Papoilas que o vento agita”. Afinal, há uma coisa mais bonita do que estar em uma tasca, na cidade entre muralhas, no Alentejo, onde vozes entoavam essa canção? E há algo bendito de fato: ser simples sem saber e não ter sentimento para tamanha beleza, com um convite a toda gente… No Restaurante Bota Alta, uma das casas de fado mais conhecidas de Évora, me apaixonei por essa canção.

Nesse espaço de boa gastronomia, na Rua de Serpa Pinto, a voz da fadista e seu charme poético não têm espelho para a ver, mas invadem a rua e a vida do lugar para nos lembrar do aconchego na arte de cantar que consegue romper o frio suave da noite e não sentir a falta de agasalhos grossos, onde o silêncio é coberto por pensamentos que sabem que esse é o melhor da noite na qual a música passa contando histórias. Há lá coisa mais bonita?

É como se essa melodia tivesse alma entre paredes, ao transmitir sensações que dialogam com as belezas da composição cantada e com o lugar. Tal música, per se, contribui imensamente para fazer a viagem entre o trigo e as papoilas, entre a cozinha tradicional alentejana e a noite na taberna, como algo inesquecível, a exemplo do vinho Olaria de Reguengos de Monsaraz, da arte e do torno de João Mértola (Mestre Pintassilgo) de Redondo. A viagem pede para permanecer um pouco mais naquele instante, oportunidade inexplicável diante da intérprete, guitarra e viola.

Evidentemente, essa música viva é capaz de gerar paixões em morenas, lindas moçoilas, e em todos nós. A constatação da inegável força da canção não se faz necessária, como visto em “Vivem para o campo viver”, momento no qual rememoramos os encontros e as alianças fortalecidas pelos laços com a tradição alentejana e as vozes de Silvia Tito Rebocho, Inês Villa-Lobos e Esperança Barrocas, do Restaurante Bota Alta.

Enquanto me preparava para o desafio de redigir estas linhas em uma sala de estar, com tempo de reflexão e lembrança, verdade e sentimento de que não dependeu apenas de mim, mas desse tema original. Assim, ciente de que tudo contou para criar o ambiente por meio deste texto, fica a saudade suave a pairar no ar, daquelas que convidam a escrever e revisitar.

Referência

ZÉ MARIA. Papoilas. Portal do Fado. Disponível em: https://www.portaldofado.net/component/option,com_letras/Itemid,446/task,detail/id,7328/lang,pt/. Consulta realizada em 27 de Jan. de 2025.

Por Jean Carlos Vieira Santos

Professor e Pesquisador da Universidade Estadual de Goiás (UEG/TECCER-PPGEO). Pós-doutorado em Turismo pela Universidade do Algarve (UALg/Portugal) e Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (IGUFU/MG).

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