Hoje em dia, “há alguma diabolização da imigração” ou de “crítica a determinados grupos de imigrantes”
O especialista em mobilidade humana Jorge Malheiros considera que o alargamento do prazo para atribuição da nacionalidade portuguesa, proposto pelo atual Governo, é precipitado e responde à pressão da extrema-direita.
Na terça-feira, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, defendeu o alargamento do prazo de residência em Portugal para atribuição de nacionalidade portuguesa, que é atualmente de cinco anos.
Após a publicação do relatório intercalar da recuperação de processos pendentes na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que estima em 1,6 milhões o número de estrangeiros residentes em Portugal em 2024, muito acima dos anteriores dados estatísticos, o governante afirmou que Portugal deve alargar o prazo porque um período curto tem um efeito de chamada nos imigrantes.
Contudo, como o Governo está em gestão até às eleições legislativas, o ministro admitiu que qualquer decisão só pode avançar com um executivo em plenas funções.
“Acho que é precipitado”, afirmou à agência Lusa Jorge Malheiros, considerando que “é mais importante avaliar a política, avaliar as suas consequências e só depois tomar medidas”.
Para o investigador, a proposta de alargamento do prazo que o governante fez insere-se num “quadro de pressão que é gerado pelas iniciativas e propostas mais anti-imigrante que vêm de um quadro político da extrema-direita portuguesa e europeia”.
Hoje em dia, “há alguma diabolização da imigração” ou de “crítica a determinados grupos de imigrantes de forma muito significativa” e o “Governo acaba por ir a reboque desse discurso”, assumindo medidas “às vezes precipitadas”, afirmou Jorge Malheiros.
“Creio que o que fizemos de bom ao reduzir os prazos de acesso à cidadania portuguesa não pode ser revertido de uma forma rápida e sem um pensamento estratégico mais profundo”, defendeu, considerando que “a questão da nacionalidade tem pouco efeito de chamada” nos imigrantes económicos que procuram Portugal.
Para o investigador, o Governo ignora “deliberadamente outros fatores que são fundamentais no processo migratório” e procura simplificar demais a questão, antes de fazer “avaliações mais sérias do que se está a passar”.
O número estimado de 1,6 milhões de estrangeiros que foi anunciado na terça-feira “não é uma surpresa”, considerou também o docente do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.
Para Jorge Malheiros, o aumento resulta da “maior dinâmica da economia portuguesa e ultrapassagem da crise” nos últimos dez anos, a que se somou a “incapacidade de suprir as necessidades económicas com recurso a mão-de-obra nacional”.
“Tudo isto levaria inevitavelmente ao crescimento” do número de estrangeiros, explicou.
O relatório referente a 2023 apontava para pouco mais de um milhão de estrangeiros em Portugal, mas os dados agora divulgados fazem correções estatísticas aos anos anteriores, tendo em conta a regularização dos processo de manifestação de interesse, um recurso jurídico, entretanto extinto, que permitia a normalização de quem chegasse com visto de turismo.
O geógrafo admite que a figura das manifestações de interesse permitiu a chegada a Portugal de pessoas que tentaram regularizar-se noutros países europeus, mas mantém a discordância em relação ao fim abrupto desse mecanismo.
Por outro lado, o aumento de estrangeiros coloca “vários desafios à sociedade portuguesa”, em particular no que respeita ao mercado de arrendamento e de compra de habitação.
Para o investigador, o aumento dos preços não está relacionado com o número de estrangeiros, mas é necessário suprir as necessidades desta população que veio para Portugal para trabalhar e que, a prazo e no contexto do reagrupamento familiar, irá necessitar de outro tipo de habitações.
“Há aqui um problema claro de défice de habitação, que é para todos, mas que atinge muito esta população”, afirmou o geógrafo, que defende também uma qualificação dos serviços públicos e uma maior aposta no ensino da língua.
“Os imigrantes são trabalhadores, mas antes disso são pessoas” e “têm aspirações legítimas” de integração que passa pelo reagrupamento familiar, acrescentou ainda.