Parlamento aprova novo regime jurídico para estrangeiros em Portugal

Mundo Lusíada com Lusa

A Assembleia da República aprovou neste dia 21, em votação final global, o novo regime jurídico para estrangeiros em Portugal, com votos a favor do PS, PCP, BE e Livre, abstenções do PSD, IL e PAN, e ausência do Chega.

Os deputados do partido liderado por André Ventura abandonaram o hemiciclo pouco depois do início do debate, depois de uma troca de palavras tensa com o presidente do parlamento, Augusto Santos Silva.

Na proposta do Governo que altera o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português, entre outros aspectos, determina-se que a concessão de vistos de residência e de estada temporária a cidadãos nacionais de um Estado em que esteja em vigor o Acordo Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) não depende de parecer prévio do SEF, “sem prejuízo de a concessão de vistos ser comunicada ao SEF, para efeitos do exercício das suas competências em matéria de segurança interna”.

Uma mudança que o executivo diz resultar do acordo de mobilidade subscrito por todos os Estados-membros da CPLP na última cimeira de chefes de Estado da organização em julho do ano passado, em Luanda.

Com esse diploma, o Governo pretende ainda estabelecer “procedimentos que permitam atrair uma imigração regulada e integrada para o desenvolvimento do país, mudar a forma como a administração pública se relaciona com os imigrantes e garantir condições de integração dos imigrantes.

Para o efeito, o Governo quer avançar com a criação de um título de duração limitada que permita a entrada legal de imigrantes em Portugal com o objetivo de procura de trabalho, simplificar procedimentos e abrir a possibilidade de os vistos de estada temporária ou de residência “terem também como finalidade a prestação de trabalho remoto, bem como o acompanhamento dos familiares habilitados com os respectivos títulos”.

“A presente proposta de lei elimina a existência de um contingente global de oportunidades de emprego a fixar pelo Conselho de Ministros, para efeitos de concessão de visto para obtenção de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada”, acrescenta-se na exposição de motivos do diploma.

Para a Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, “Portugal é um país de imigração. Um país que recebe, todos os anos, milhares de novos imigrantes que aqui procuram oportunidades de vida que valorizam. Portugal é um país que quer receber os imigrantes como quer que sejam recebidos, noutros países, os seus emigrantes. Portugal é um país de imigração que precisa de imigrantes, que precisa e que beneficia do contributo dos imigrantes para a sua demografia, para a sua economia, para a sua cultura” disse, defendendo que “a integração dos imigrantes começa na maneira como chegam cá”.

Críticas

A oposição criticou a “pressa” do processo legislativo sobre o regime jurídico dos estrangeiros, com o Governo a saudar o “consenso generalizado” na Assembleia da República.

“Em 2019, o contributo dos estrangeiros para a Segurança Social foi de 820 milhões de euros. Se estivesse na câmara e não fugindo cobardemente às suas responsabilidades, perguntava ao deputado André Ventura onde iria buscar estes 800 milhões de euros se escorraçarem essas pessoas que ajudam a construir o país”, afirmou o vice-presidente da bancada do PS Pedro Delgado Alves.

O socialista fez questão de agradecer ao presidente da Assembleia da República e, na mesma linha, também a ministra Adjunta dos Assuntos Parlamentares saudou Santos Silva pela forma como “mais uma vez prestigiou a democracia”.

“Podemos estar em desacordo, mas devemos ser serenos na nossa argumentação e nunca por nunca abandonar a casa da democracia, é aqui que ela se consolida. Este diploma é a expressão do respeito pela dignidade humana”, defendeu Ana Catarina Mendes.

Pelo PSD, a deputada Sara Madruga da Costa lamentou a “forma apressada” como Governo discutiu este diploma, “sem ouvir os principais intervenientes no processo”.

“Reconhecemos que existem aspectos importantes no diploma, como os vistos para cidadãos da CPLP ou a simplificação de procedimentos, mas há outros que nos merecem muitas dúvidas, como os vistos de trabalho e o acompanhamento de menores”, apontou, dizendo que “não se pode legislar à pressa com base em calendários políticos”.

O PSD quis saber quem vai efetuar a fiscalização do diploma e pediu garantias de que “não se escancaram as portas de entrada” no país e “não se contribui para tráfico ilegal de seres humanos”.

Também a deputada da IL Patrícia Gilvaz censurou o “processo legislativo apressado”, embora dizendo que o partido é favorável a iniciativas que “favoreçam a migração regulada e promovam o desenvolvimento do país”.

Pelo PCP, Alma Rivera considerou igualmente desejável que a apreciação da proposta de lei tivesse sido feita com “mais tempo e mais debate”, mas congratulou-se com o fim das quotas para estrangeiros, a facilitação do reagrupamento familiar e que os menores estrangeiros passem a ter direito a abono de família.

“Sempre afirmamos que a imigração é um bem e a ilegalidade a que muitos imigrantes têm sido condenados é má”, vincou.

O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, salientou “o contributo líquido para a economia” dos cidadãos estrangeiros que vivem em Portugal, lamentando que o discurso xenófobo “também grasse na Assembleia da República”.

“Esta lei poderia ter sido melhor, os pareceres chegaram tarde, esperamos que o Governo tenha capacidade na regulamentação em suprir algumas das dificuldades”, disse, salientando a importância da fiscalização no terreno.

Pelo PAN, Inês Sousa Real elogiou a criação do visto para procura de trabalho e a simplificação de procedimentos, “e não fazer depender do visto prévio do SEF os vistos de residência temporária a cidadãos nacionais de um estado que esteja em vigor o acordo da CPLP”, salientando que “Portugal tem um grave problema de falta de mão-de-obra”.

Rui Tavares, do Livre, que também tem três projetos sobre a matéria, defendeu que a lei de estrangeiros deve reger-se por três princípios fundamentais: “o que é justo para as pessoas, o que é bom para a coesão nacional, o que respeita o direito internacional”.

“E ao fazê-lo, não estamos a fazer um favor a ninguém, estamos a cumprir com um direito, o mesmo que queremos que seja respeitado no caso dos nossos emigrantes portugueses no estrangeiro”, sublinhou.

No encerramento, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares saudou o “consenso generalizado” registrado no parlamento e considerou que o Governo ouviu a sociedade e os pareceres foram “tidos em conta”.

“A fiscalização será feita pelas entidades competentes, em particular nos migrantes sazonais deve continuar a ser feita pela Autoridade para as Condições do Trabalho”, afirmou, em resposta às dúvidas de algumas bancadas.

A ministra salientou que Portugal continuará, com este diploma, “a estar destacado nas melhores práticas de integração e acolhimento de migrantes em Portugal”.

Discussão

André Ventura acusou o Governo de querer que os imigrantes “venham de qualquer maneira” para o país e atirou: “Só há uns que nunca têm prioridade no discurso do Governo, os portugueses que trabalharam toda a vida, que pagam impostos e estão a sustentar o país”.

O líder deste partido chegou mesmo a dizer que os imigrantes que chegam a Portugal não são iguais aos portugueses que emigram para outros países, intervenção que gerou muitos protestos por parte de vários deputados no hemiciclo e levou à intervenção do presidente da Assembleia, Augusto Santos Silva.

“Devo dizer que como presidente da Assembleia da República de Portugal considero que Portugal deve muito, mas mesmo muito aos muitos milhares de imigrantes que aqui trabalham, que aqui vivem e que aqui contribuem para a nossa Segurança Social, para a nossa coesão social, para a nossa vida coletiva, para a nossa cidadania e para a nossa dignidade como um país aberto inclusivo e respeitador dos outros”, declarou, tendo sido aplaudido por deputados de várias bancadas, à exceção do Chega.

André Ventura ripostou, considerando que o presidente do parlamento deveria “abster-se de fazer comentários” sobre as intervenções dos deputados e acusando-o de representar o PS nas suas funções. Nesta intervenção ouviu críticas de outras bancadas, tendo o presidente do parlamento intervindo para pedir aos deputados que ouvissem André Ventura.

Augusto Santos Silva – que foi várias vezes aplaudido por deputados de várias bancadas nas suas intervenções – respondeu que não representa o PS nas suas funções, mas sim “o chão democrático comum desta Assembleia, tal como a Constituição o determina e o regimento o impõe”.

“A minha função mais básica é de assegurar o prestígio da Assembleia da República e sempre que o prestígio da Assembleia da República esteja em causa pode vossa excelência ter a certeza que eu intervirei”, disse, tendo a meio desta intervenção a bancada do Chega abandonado o hemiciclo.

O deputado do Chega Diogo Pacheco de Amorim saiu apenas uns momentos mais tarde, uma vez que entrou atrasado no hemiciclo e só depois se deu conta da saída do seu grupo parlamentar, o que gerou alguns risos de deputados.

O líder da bancada do PS, Eurico Brilhante Dias, pediu a palavra para vincar que se em março deste ano, os socialistas já tinham a convicção de que Santos Silva era “o melhor para desempenhar essas funções”, atualmente “essa convicção reforçou-se”.

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