Caso gêmeas: Tribunal ordena ao parlamento que mude nome da comissão

A mãe das gêmeas tratadas com o medicamento Zolgensma, Daniela Luzado Martins, na audição perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito, na Assembleia da República, em Lisboa, 21 de junho de 2024. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) ordenou nesta quinta-feira à Assembleia da República que deixe de utilizar a designação “Comissão Parlamentar de Inquérito – Gêmeas tratadas com o medicamento Zolgensma”, após intimação da mãe das crianças.

Na decisão, a que a Lusa teve acesso, o parlamento é obrigado a “deixar de utilizar pública, formal, informal e comunicacionalmente a designação ‘Comissão Parlamentar de Inquérito” – Gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma’”.

O STA sustenta a prova de “uma violação arbitrária dos direitos ao bom nome e à reserva da vida privada” das crianças.

“Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em julgar procedente a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias por se julgar provada a violação dos direitos fundamentais ao bom nome, à reserva da vida privada e à autodeterminação pessoal” das gémeas, lê-se na decisão.

Em causa está o “direito ao anonimato” das crianças para não serem identificadas no âmbito do tratamento que lhes foi administrado no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“Este direito à reserva da intimidade da vida privada, ligado ao direito ao anonimato é uma dimensão essencial do direito ao desenvolvimento” das meninas “e à sua autodeterminação livre de ingerências arbitrárias do Estado Português, através, neste caso, da atividade do Parlamento (…), algo que se impõe proteger sobretudo por estarem em causa duas menores”, escrevem os juízes do STA.

O Supremo refere que, “no mínimo, conclui-se que há um desleixo arbitrário do dever de cuidado, no caso, um cuidado acrescido por se tratar do direito à não identificação de duas menores”.

“Isso não significa que o parlamento não possa (e deva) corrigir na Internet todas as referências que indevida e ilicitamente fez à designação imprópria da Comissão Parlamentar de Inquérito, substituindo-a por (…) ‘Comissão Parlamentar de Inquérito para verificação da legalidade e da conduta dos responsáveis políticos alegadamente envolvidos na prestação de cuidados de saúde a duas crianças tratadas com o medicamento Zolgensma’”, refere, sugerindo o STA que passe a figurar essa designação em todas as comunicações formais e informais e no site do Parlamento.

Em outubro do ano passado, a mãe das crianças, Daniela Martins, junto do seu advogado, Wilson Bicalho, apresentou duas ações judiciais no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, nas quais pedia que o nome da comissão fosse alterado e que o parlamento ignorasse e apagasse a documentação obtida pelo deputado do PSD António Rodrigues sobre o seguro de saúde no Brasil.

Cerca de um mês depois, antes do início dos trabalhos, em reunião de mesa e coordenadores, os deputados abordaram as queixas da mãe das crianças apresentadas no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que “foram respondidas pelos serviços jurídicos da Assembleia da República”.

Origem dos pacientes

Também esta semana, o ex-diretor clínico do Hospital Santa Maria disse na comissão de inquérito ao caso que a origem dos utentes “não é determinante” para as decisões clínicas e recusou ter acelerado o processo das crianças.

Questionado na comissão parlamentar sobre luso-brasileiras tratadas em Lisboa em 2020 sobre a referência do gabinete do ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales no processo, Luís Pinheiro disse que é habitual ser mencionada a origem dos doentes nos processos clínicos.

“Havia essa sinalização que tinha origem na secretaria de Estado da Saúde. A origem das doentes não é determinante para a decisão clínica”, referiu o médico.

Sobre a possível interferência do email do gabinete de Lacerda Sales, que lhe foi encaminhado em 20 de novembro de 2019 pela diretora do Departamento de Pediatria do Hospital Santa Maria, Ana Isabel Lopes, para acelerar o acesso à consulta e ao medicamento, Luís Pinheiro afirmou que “não houve nenhuma aceleração”.

“Não motivou nenhuma aceleração. Não incorporei esse email naquilo que foi o meu processo de decisão relativamente à resposta ao serviço. Não houve nenhuma aceleração, infelizmente, porque foi um processo complexo, inclusive, com alguns compassos de espera, após a decisão da consulta”, salientou.

O clínico sustentou que, após a indicação clínica para o tratamento, estas crianças estiveram mais tempo à espera da administração dos medicamentos do que outras.

“Não houve nenhuma aceleração do processo de autorização. O caminho que fizemos foi um caminho difícil e moroso”, sublinhou.

Luís Pinheiro rejeitou também tratar-se de um caso de turismo de saúde.

“Demarco-me completamente de alguma interpretação que possamos achar que o caso destas duas crianças corresponde a turismo de saúde, porque isso não seria aplicável a cidadãos portugueses”, vincou.

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