Tribunal condena 3 inspetores do SEF no processo da morte do passageiro ucraniano

Da Redação
Com Lusa

No dia 10, o tribunal que condenou três inspetores do SEF no processo da morte do passageiro ucraniano Ihor Homeniuk conclui que “a culpa dos arguidos é muito elevada” e que estes o agrediram e algemaram, causando-lhe a morte.

Segundo o acórdão, os inspetores Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa, perante o estado de Ihor Homeniuk, “sabiam” e “tinham que saber, que não poderiam agir como o fizeram”, ou seja, “não poderiam bater naquela pessoa, algemá-la, deixá-la assim, prostrada, e abandoná-la à sua sorte, aos cuidados de outros, cuidados esses que, até ao momento, não tinham resolvido a questão”.

Assim, o coletivo de juízes, presidido por Rui Coelho, concluiu que a culpa dos arguidos “é muito elevada”, embora neste patamar se distinga o grau de culpa entre os inspetores Luis Silva e Duarte Laja, que tinham mais anos de exercício de funções no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do que o arguido e inspetor Bruno Sousa.

“São manifestas as diferenças de responsabilidade operacional entre eles, porquanto o mais novo dos inspetores [Bruno Sousa], com tantos anos de diferença, não lidaria de igual com os colegas. Ou seja, logo implícito que lhe cumpriria fazer aquilo que os mais antigos decidissem. Nessa medida, tanto mais que estava em minoria, não lhe cumpria decidir o que fazer, mas acompanhá-los à medida do desenrolar dos acontecimentos. Por tudo isso, a culpa de Bruno Sousa é menor do que a dos outros dois arguidos”, lê-se no acórdão.

Duarte Laja e Luís Silva foram ambos condenados a nove anos de prisão, enquanto Bruno Sousa foi punido com sete anos de cadeia, todos pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, agravada pelo resultado (morte). O trio de inspetores estava acusado pelo Ministério Público de homicídio qualificado, crime punível até 25 anos de prisão.

Na ponderação da pena, o coletivo de juízes teve em conta o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução, o qual “importou um sofrimento prolongado e agonizante”, bem como “as repercussões, graves, pelo impacto social da conduta”.

Na determinação da medida da pena aplicada aos arguidos, o tribunal relevou ainda “a intensidade do dolo (direto), as condições pessoais de cada arguido, as suas habilitações literárias e situação econômica, assim como a sua conduta anterior e posterior ao facto ilícito cometido contra Ihor Homeniuk.

O tribunal absolveu Duarte Laja e Luís Silva do crime de posse de arma ilegal (bastão extensível), mas, tendo em consideração as repercussões desta condenação sobre o vínculo profissional dos arguidos, o tribunal decidiu que não poderão voltar “a utilizar os bastões extensíveis” e nessa medida determinou “a sua perda a favor do Estado e entrega dos mesmos ao Departamento de Armas e Explosivos da PSP, a fim de lhe ser dado destino que for tido por mais conveniente”.

No acórdão, o tribunal considerou que a morte de Ihor Homeniuk foi “consequência direta da conduta dos arguidos”, pois estes praticaram os factos que “causaram as lesões que culminaram naquele resultado (morte).

“E tinham o dever de agir de forma diferente, mais diligente, de não provocar a situação que culminou com a perda da vida. Mas não o fizeram, assumindo assim as consequências por tal interferência desmedida”, lê-se no acórdão que tem 70 páginas.

Segundo o acórdão, da prova resulta que, em 20 de março de 2020, os acusados, após abandonarem as instalações do Centro de Instalação Temporária (CIT), “retornaram aos seus postos, onde desempenhavam funções na primeira e segunda linhas (unidade de apoio) de intervenção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no aeroporto de Lisboa.

“Sabiam, pelos seus procedimentos habituais, que não lhes caberia fazer o seguimento de Ihor Homeniuk. Tanto assim foi que cuidaram deixar as chaves das algemas na recepção daquele centro, para que outros, mais tarde, as usassem ao libertar a vítima. Pelo meio, pediram, em tom de ordem decorrente da prevalência que os inspetores do SEF tinham sobre os vigilantes, para não ser registado aquele seu acesso ao CIT”, onde, de acordo com a prova produzida em julgamento, agrediram Ihor Homeniuk, deixando-o algemado com as mãos atrás das costas.

Segundo o tribunal, os arguidos “não esperavam que algum vigilante tirasse as algemas porque não tinham autoridade para tanto” e também “não esperavam que outros colegas ali se deslocassem para remover as algemas, porque o objetivo da sua intervenção era, exatamente, tornar desnecessário que outros ali tivessem que se deslocar por causa de Ihor Homeniuk”.

Na audiência de hoje, o juiz Rui Coelho determinou ainda a extração de certidão do acórdão e o seu envio para o Ministério Público para efeitos “de investigação do comportamento dos vigilantes do turno da noite pela forma com trataram Ihor Homeniuk (atado de pés e mãos com fita adesiva), dos vigilantes do turno de dia pela forma como nada fizeram para auxiliar um homem em sofrimento, dos inspetores do SEF que presenciaram a intervenção dos arguidos e até foram ver o estado em que Ihor ficou depois, e nada fizeram para o assistir nas horas que se seguiram”.

Extraiu também certidão para que o MP investigue “a atuação dos inspetores do SEF com funções de coordenação e chefia que deram a ordem aos arguidos, foram informados do cumprimento dessa ordem, e não cuidaram de garantir que a Ihor Homeniuk era prestada a devida assistência, que lhe eram retiradas as algemas, que era devidamente tratado, até à hora do seu embarque”, de regresso à Ucrânia, via Instambul.

O advogado da família de Ihor Homeniuk, José Gaspar Schwalbach, declarou que as condenações vão servir de exemplo para os elementos dos órgãos de polícia criminal e garantiu que este “julgamento não termina aqui”. O causídico defende que os arguidos deviam ter sido condenados por homicídio qualificado.

No final da sessão, e à saída do tribunal, os advogados de defesa – Ricardo Sá Fernandes (Bruno Sousa), Maria Manuel Candal (Luís Silva) e Ricardo Serrano Vieira (Duarte Laja) manifestaram a intenção de recorrer em matéria de fato e de direito para o Tribunal da Relação de Lisboa, reiterando que os acusados foram “bodes expiatórios” e deviam ter sido absolvidos.

Defendendo que a morte de Ihor Homeniuk “foi o resultado da ação de muitas pessoas que não estavam aqui a ser julgadas”, o advogado de Bruno Sousa – condenado a sete anos de prisão – assumiu ainda a sensação de que foi feita “alguma justiça” pelo reconhecimento por parte do juiz Rui Coelho de que não existiu homicídio por parte dos arguidos.

“O fato de se ter reconhecido que estes homens não torturaram e assassinaram o cidadão ucraniano é uma reposição da justiça, porque recordo-me que durante muitos meses ouvi em uníssono na sociedade portuguesa a versão de que estes homens tinham batido até à morte no senhor Homeniuk”, observou, assegurando: “Espero que em recurso venhamos a obter outros avanços. Vamos acreditar que num tribunal superior vamos conseguir a justiça completa que ambicionamos.”.

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