Pilar del Río pede foco no humanismo face à invasão da inteligência artificial

Pilar del Rio, presidente da Fundação José Saramago, na apresentação da moeda comemorativa do Centenário de José Saramago na Fundação José Saramago, em Lisboa, 23 de fevereiro de 2022. A moeda, elaborada pela Casa da Moeda, tem um valor facial de 7,5 euros, JOÃO RELVAS/LUSA

A presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Río, defendeu nesta sexta-feira, em Coimbra, um foco no humanismo diante da “invasão da inteligência artificial”, que nem tudo é feito para uma pergunta com resposta.

“O humanismo que nos trouxe até aqui, o aprofundar do estudo da filosofia e da literatura para saber quem somos são fórmulas de empoderamento diante da emergência e da invasão da inteligência artificial”, afirmou Pilar del Río, que falava na Conversa inaugural da Feira do Livro de Coimbra, onde faz parte da equipa curatorial.

A presidente da Fundação José Saramago respondia a uma pergunta do vice-reitor da Universidade de Coimbra Delfim Leão, que abordava o avanço da inteligência artificial e perguntava sobre se, perante esses novos modelos, a literatura ajuda a dar respostas ou a formular as perguntas certas.

Para Pilar del Río, a literatura ajuda a pensar e a fazer perguntas, mas não sabe se serão “as perguntas certas”.

Recordando a confusão em que entrou a civilização após a invenção da imprensa, a antiga jornalista sublinhou que essa mesma confusão é hoje “anedótica” diante da perplexidade que se vive perante a inteligência artificial.

“Estamos um pouco assustados”, notou, considerando que o recurso ao humanismo, à literatura e à filosofia poderá ajudar a viver diante desse novo mundo, até porque “nem tudo está feito para se fazer uma pergunta e receber uma resposta”.

“Temos de ser seres humanos. Temos de saber fazer perguntas, sejam ou não certas”, afirmou.

Também a professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), Ana Paula Arnaut, outra das curadoras, vincou que a literatura poderá dar respostas, mas a boa literatura “deixa muito mais interrogações”.

Para a docente, o tempo que se vive é marcado “pela hipervelocidade” e pela obsessão pelas redes sociais, que acredita não ser um espaço de convívio e que leva as pessoas ao isolamento.

“Ao contrário, a literatura, tal como a vejo, é um convívio múltiplo, com o autor e com as personagens”, disse.

Num mundo “com tanta guerra, com presidentes a desvairarem”, Ana Paula Arnaut entende que a literatura tem um papel, mesmo que não se encontra à vista desarmada, mas que entra “nos poros” dos leitores.

Na ótica da docente, um bom romance também pode ser um aviso à navegação, apontando para o “Ensaio sobre a Cegueira” que alerta para o que pode acontecer se, como dizia José Saramago, “o homem continuar a ser o lobo do homem”.

“Nós temos de ler, imaginar o que pode vir a acontecer, ler bem os avisos à navegação, se não um dia destes não há humanidade”, vincou.

Numa conversa em que também se falou de Coimbra e do seu papel na literatura, a professora da FLUC considerou que esta sempre “foi uma cidade central à cultura e sempre foi uma cidade subversiva, inovadora”.

Lembrando a chamada “Questão Coimbrã”, uma “guerra literária” entre António Feliciano de Castilho e Antero de Quental, a docente considerou que esse conflito contribuiu para “uma literatura que já não era decorativa, mas empenhada, que continua com o neorrealismo e que está muito presente na literatura que se faz hoje em dia, com um vinco ideológico diferente do neorrealismo”.

Já o presidente da Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA), José Manuel Diogo, que também faz parte da equipa curatorial, Coimbra tem “um prestígio e uma reverência”, maior até do que aquilo que a cidade merece.

“Temos muito que fazer”, sustentou.

A Feira do Livro de Coimbra começou hoje e estende-se até 29 de junho.

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