Pedidos de ajuda à Rede de Emergência Alimentar voltam a aumentar em setembro

Pessoas esperam pela distribuição de sacos com comida do Banco Alimentar junto à Associação de Imigrantes Mundo Feliz, em Algés, Oeiras, abril de 2020. Diferentes associações e organizações efetuaram mais de 12 mil pedidos de ajuda devido à pandemia da Covid-19 o que abrange cerca de 58 mil pessoas. MÁRIO CRUZ/LUSA

Da Redação
Com Lusa

O número de pedidos de ajuda feitos à Rede de Emergência Alimentar voltou a aumentar em setembro, ultrapassando os 30 por dia, uma tendência que leva a presidente do Banco Alimentar a alertar para o risco de uma ruptura social.

Em entrevista à agência Lusa, por ocasião do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala no dia 17 de outubro, a presidente do Banco Alimentar contra a Fome (BA) adiantou que a Rede de Emergência Alimentar, criada em março para dar resposta aos pedidos de ajuda na sequência da pandemia, voltou a registrar um aumento de procura.

“Desde a última semana de setembro vemos que há outra vez um agravamento no número de pedidos de apoio, seja porque as pessoas voltaram a ficar sem emprego, porque trabalhavam no setor da restauração, hotelaria, mais ligado ao turismo, seja porque a situação de lay-off prolongou-se e muitas pessoas continuam em casa sem poder regressar ao emprego e ter um salário inteiro”, aponta Isabel Jonet.

O número de pedidos de ajuda diário está muito longe dos cerca de 350 que chegavam todos os dias no início do estado de emergência às linhas telefônicas do ‘call-center’ criado propositadamente para atender todas as pessoas que ligavam “desesperadas” porque “de repente ficaram sem qualquer remuneração e foram atiradas para uma situação de pobreza”.

Os dados recolhidos através da Rede de Emergência, criada a 19 de março, mostram que logo a seguir ao fecho da economia, entre final de março e abril, chegavam cerca de 350 pedidos de ajuda por dia, o que representou um acréscimo de cerca de 60 mil pessoas em relação às 380 mil apoiadas pelos 21 Bancos Alimentares de todo o país antes da pandemia, através de 2.600 instituições sociais.

De acordo com Isabel Jonet, esse número depois abranda em julho e agosto, e reduz para uma média de 30 a 35 pedidos de ajuda por dia, “quando abriu um pouco o turismo e voltou a haver oxigênio”, número que em setembro começa novamente a aumentar, com dias a registar 40 ou 45 pedidos.

No mês de outubro, a média tem sido de 31 pedidos de ajuda por dia, mas na última semana, por exemplo, houve dias em que chegaram 55 pedidos no mesmo dia.

“Ontem [terça-feira], por exemplo, foram 49”, acrescenta a presidente do BA.

Isabel Jonet lembrou que a covid-19 “teve um impacto social muito grande porque trouxe para uma situação de pobreza pessoas que normalmente não estavam habituadas a encontrar-se nesta situação”, já que “tinham uma vida equilibrada e ganhavam o suficiente para fazer face às suas despesas, mas de repente ficaram sem qualquer remuneração e foram atiradas para uma situação de pobreza”.

Do total de pessoas que até agora pediu ajuda através da Rede de Emergência Alimentar, 82,6% são mulheres, a maioria (77,5%) com idades entre os 31 e os 65 anos.

Por outro lado, uma análise à situação socioeconômica mostra que 50,48% das pessoas que pedem ajuda estão desempregadas, mas há também quem esteja a trabalhar a tempo inteiro (12,47%) ou faça só uns biscates (10,55%).

Quem pede ajuda tem pessoas a cargo e em 52% dos casos estão em causa famílias com crianças até aos 12 anos.

“Estamos a ver duas coisas: aumentam os pedidos porque muitas pessoas continuam sem trabalhar, mas depois porque o oxigênio que veio com o verão foi-se, o turismo interno acabou-se e algum fôlego que veio com o verão acabou-se”, apontou Isabel Jonet.

A explicação para o aumento no número de pedidos também poderá ser outra e a responsável pensa que muitas destas pessoas estão a tentar antecipar o que poderá acontecer no final do mês de outubro ou de novembro, “que é quando a economia se vai retrair mais”.

“Estas pessoas já estão a acautelar pedindo ajuda porque já calculam que no fim do mês não vão ter emprego”, diz Isabel Jonet, dando como exemplo casos de pessoas que estejam ainda em situação de lay-off, mas que “já sabem que vão ser despedidas”.

Isabel Jonet diz ter ficado surpreendida com a resiliência das famílias, apontando que poderia ter havido uma “revolta total”, e que tudo isso tem de ser um exemplo quando se fala de pessoas que “ficaram com a vida virada do avesso e foram confrontadas com uma realidade que desconheciam em absoluto”.

“Tem de se acautelar que não há ruturas sociais porque quando se prolongam situações sem nenhum farol à vista, as pessoas podem atingir estágios de desespero, sobretudo quando temos famílias com crianças que todos os dias têm de enfrentar grandes dificuldades”, alertou.

Nesse sentido, apontou que o pacote de medidas previsto no Orçamento do Estado para 2021 “é muito bom”, mas visa sobretudo as pessoas com os rendimentos mais baixos, quando há pessoas de classe média cujos rendimentos atuais “não chegam nem para fazer face a metade das despesas habituais”.

“Estas pessoas aguentam durante um tempo, mas não é expectável que possam aceitar passivamente durante muito mais tempo”, alertou, acrescentando que estas pessoas cairão naquilo a que se chama de pobreza conjuntural, por oposição à pobreza estrutural que afeta cerca de 19% da população portuguesa, em especial pessoas com pensões de reforma baixas, com deficiência ou baixas qualificações.

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