Parlamento autoriza mais estrangeiros nas embarcações de pesca

Atividade de pescadores indonésios a trabalhar em embarcações de pesca portuguesas, no Porto de Pesca de Peniche, 22 de agosto de 2024. A língua indonésia ‘bahasa’ é cada vez mais comum nos portos de pesca portugueses, misturando sotaques e experiências de um setor que resiste graças à mão-de-obra estrangeira. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

O parlamento português aprovou neste dia 24 a proposta do Governo de alterar os requisitos do pessoal marítimo no setor das pescas, permitindo o aumento do número de tripulantes estrangeiros, por falta de mão-de-obra nacional disponível.

A proposta “autoriza o Governo a alterar os requisitos de acesso à profissão da atividade profissional dos marítimos e as regras quanto à nacionalidade dos tripulantes a bordo dos navios ou embarcações” e teve os votos favoráveis das bancadas do PSD, PS e IL. 

O Livre, o Chega, o BE e o deputado não inscrito Miguel Arruda abstiveram-se, enquanto o PCP e o PAN votaram contra. 

A líder da bancada do PCP comunicou que iria apresentar uma declaração de voto posteriormente, no seguimento daquilo que já havia anunciado, no debate na quarta-feira, o deputado comunista António Filipe. 

Na ocasião, o deputado criticou a opção de alargar o tempo de presença na mesma categoria profissional dos marítimos, prometendo votar contra esse aspeto da proposta de lei, caso esse ponto fosse separado na discussão da especialidade, o que não veio a suceder.

Se os armadores “pagassem bons salários, tinham trabalhadores nacionais e estrangeiros interessados”, disse, recordando que esta medida contraria as restrições impostas aos imigrantes.

“Não vemos os imigrantes como uma ameaça”, mas o que “se pretende é alimentar um setor económico à custa de mão-de-obra barata”, afirmou.

Falando em nome do Governo na quarta-feira, o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, explicou que as “pescas são um setor estratégico para Portugal”, mas, para tal, é necessário que “as embarcações tenham gente para operar”.

Caso contrário, este ano, “entre 10 e 15 por cento das embarcações podem ter de parar por não terem tripulações mínimas de segurança”, o que iria corresponder a perda de 35 a 40 milhões de euros de receitas, explicou o governante, considerando que a proposta “vai ao encontro das reivindicações das associações do setor”.

A atual lei permite que as embarcações operem com um máximo de 40% de tripulantes não nacionais, da União Europeia, do Espaço Económico Europeu (EEE) ou de um país de língua oficial portuguesa.

O novo diploma mantém esse limite, mas alarga as exceções, após acordos com as autoridades dos países de origem dos imigrantes, facilitando também o reconhecimento das certificações, outro dos problemas atuais.

A proposta do Governo inclui a medida contestada pelo PCP de alargar de três para cinco anos o período em que cada tripulante fica na mesma categoria.

Atualmente, os tripulantes que não conseguissem transitar de categoria teriam de ser despedidos, segundo o executivo.

Para o ministro, esta é a única solução para o setor das pescas: “Se não alterarmos a lei, ou os barcos vão para o mar e não cumprem a lei ou ficam em terra (…) e ficamos sem as quotas [de pescas autorizadas pela UE] que temos disponíveis”.

Desculpas

Seis associações de pescadores do Norte exigiram, hoje, um “pedido de desculpa” dos deputados da Assembleia da República António Filipe (PCP) e José Soeiro (BE), por declarações que consideraram “profundamente graves” sobre a mão-de-obra estrangeira no setor.

“As declarações dos deputados António Filipe e José Soeiro são profundamente graves. Revelam total desconhecimento do setor e desconsideram o esforço de centenas de armadores que lutam diariamente para manter as suas empresas em funcionamento (…). Exigimos um pedido de desculpa e que se retratem publicamente perante os pescadores que ofenderam”, pode ler-se num comunicado assinado pelas associações

Em causa estão as declarações dos parlamentares, quarta-feira, no plenário, durante o debate da proposta do governo para alterar os requisitos de acesso à profissão da atividade profissional dos marítimos e as regras quanto à nacionalidade dos tripulantes a bordo dos navios ou embarcações, que foi hoje aprovada

Durante a discussão da proposta, António Filipe, do PCP, disse que se os armadores “pagassem bons salários, tinham trabalhadores nacionais e estrangeiros interessados”, recordando que esta medida contraria as restrições impostas aos imigrantes.

Na mesma sessão, José Soeiro, do Bloco de Esquerda, disse, citado pelo Jornal de Notícias, que “foi completamente irresponsável acabar com as manifestações de interesse”, que permitia a regularização dos pescadores estrangeiros.

“Agora é preciso que, além de regular, estes marítimos tenham condições e sejam pagos de forma digna”, acrescentou o bloquista.

Os armadores, que hoje se reuniram na sede da Associação Pró Maior Segurança do Homens do Mar, na Póvoa de Varzim, distrito do Porto, consideraram que as declarações dos referidos deputados “demonstram a impreparação de quem deveria representar a nação no debate sobre este tema”.

“Estes trabalhadores custam aos armadores muito mais do que o salário médio nacional. Ainda assim, escolhemos pagar esse preço para garantir tripulações completas e a continuidade da pesca. Ao contrário do que alguns afirmam, esta não é uma solução fácil, nem impede a contratação de trabalhadores nacionais. A verdade é que não há portugueses interessados em trabalhar na pesca”, afirmam as associações em comunicado.

No texto, assinado em nome da VIANAPESCA, da APROPESCA, da Associação de Armadores de Pesca do Norte (AAPN,) da Associação dos Produtores de Pesca do Litoral Norte (APPLN), e da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar, refere-se que estas instituições “não aceitarão receber deputados do PCP nem do BE, enquanto não receberem o pedido de desculpas”.

Recorde-se que grande parte da frota de pesca do Norte tem recorrido, desde 2015, à contratação de pescadores indonésios para manter as embarcações em atividade, devido à escassez de mão trabalhadores portugueses.

“Infelizmente, os nossos filhos já não querem seguir esta vida, nem os milhares de cidadãos da União Europeia mostram interesse por esta profissão. Encontramos nos trabalhadores indonésios, homens com vontade de se fazerem ao mar nas nossas embarcações, e por isso, estamos-lhes profundamente gratos”, aponta o comunicado das associações.

No mesmo texto é vincado que estes trabalhadores indonésios têm “condições dignas” de trabalho, enumerando o “pagamento das viagens de ida e volta, alojamento e alimentação e uma remuneração nunca inferior ao salário mínimo nacional”.

“São profissionais que fazem os seus descontos e contribuem para a sustentabilidade do setor (…) convidamos [os deputados] a sair do conforto dos gabinetes e a visitar os portos do Norte para ver de perto a realidade dos nossos pescadores e compreenderem os desafios que enfrentamos”, acrescenta o comunicado.

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