Conselho da Europa critica “discurso anti-migrante nas discussões políticas” em Portugal

Manifestação "Menos Imigração e Mais Habitação", organizada pelo grupo 1143 (extrema-direita), Porto, 6 de abril de 2024. FERNANDO VELUDO/LUSA

O discurso de ódio em Portugal registrou um “aumento acentuado”, segundo a Comissão Europeia contra o Racismo e Intolerância, órgão do Conselho da Europa, que alerta para um crescimento online e critica o “discurso anti-migrante nas discussões políticas”.

Esta é uma das preocupações registradas no relatório divulgado hoje pela Comissão Europeia contra o Racismo e Intolerância (ECRI), depois de um trabalho de monitorização da situação do racismo e da intolerância em Portugal.

Os investigadores dizem estar preocupados com “o aumento do discurso de ódio online” e com um discurso inflamatório e que divide as pessoas que é utilizado por alguns políticos.

“Embora não existam dados oficiais e desagregados sobre incidentes de discurso de ódio em Portugal, vários relatórios credíveis de organizações da sociedade civil e outras instituições independentes apontam para um aumento acentuado do discurso de ódio no país, que parece visar predominantemente migrantes, ciganos, LGBTI e pessoas negras”, refere a ECRI, que tem divulgado a cada cinco anos um relatório sobre o que se passa em Portugal.

 No documento, os peritos dizem ter falado com interlocutores em Portugal que referiram haver uma espécie de “`banalização´ do discurso de ódio, muitas vezes sob o pretexto da liberdade de expressão”.

A ECRI também diz estar preocupada com o aumento da xenofobia e do discurso de ódio contra os migrantes, que continua a ser mais dirigido aos não europeus.

“O discurso anti-migrante é predominante nas discussões políticas, nomeadamente através da disseminação de desinformação que associa os migrantes à criminalidade ou a um fardo para o sistema de segurança social português”, afirmam os especialistas.

Mas voltam a sublinhar que “as narrativas políticas negativas e hostis” em torno do tema da migração assim como os comentários xenófobos, em particular por parte de políticos, “estão em contradição com a contribuição significativa dos migrantes para a sociedade portuguesa”.

Neste que é o sexto relatório da ECRI, os peritos olham para o que foi feito nos últimos anos e reconhecem que houve melhorias em várias áreas, como a aprovação, em 2021, do primeiro Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação (PNCRD), que inclui ações para combater precisamente o discurso de ódio e os crimes de ódio.

Também o Código Penal foi alterado no ano passado para reforçar o crime de incitamento à discriminação, ódio e violência, uma mudança aplaudida pelos peritos independentes.

No entanto, dizem, continuam a existir relatos de violência motivada pelo ódio, por vezes envolvendo grupos neonazis num país onde as “lacunas significativas” na legislação e na ação das entidades policiais e judiciais fazem com que muitas queixas não tenham quaisquer consequência para os agressores.

O relatório refere também que continua a haver relatos de abuso racista, que incluem discriminação racial por parte da própria polícia.

Perante este cenário, os peritos recomendam às autoridades portuguesas a implementação de medidas que melhorem as relações e a confiança entre a polícia e os grupos que preocupam a ECRI, incluindo migrantes, negros, LGBTI e ciganos.

O relatório analisa também a situação dos emigrantes irregulares, lembrando que devem pagar pelos cuidados, exceto quando se trate de situações de urgência médica, riscos para saúde pública, saúde materno-infantil, saúde reprodutiva, vacinação e situações de exclusão social ou grave carência econômica comprovada pela Segurança Social.

No entanto, os peritos ouviram “diversos relatos sobre dificuldades práticas no acesso à saúde”, como funcionários que negaram indevidamente o atendimento ou histórias de xenofobia.

A ECRI pede por isso melhor formação dos profissionais sobre os direitos dos migrantes irregulares e avaliações regulares para identificar e prevenir comportamentos xenófobos no setor.

Crimes

Os crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência aumentaram mais de 200% nos últimos cinco anos, segundo as Estatísticas da Justiça, havendo registo de 421 casos em 2024, o ano com mais ocorrências.

De acordo com as Estatísticas da Justiça, da responsabilidade da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), que congrega os dados de todas as polícias, o crime por discriminação e incitamento ao ódio e à violência tem vindo a aumentar de ano para ano desde 2000, primeiro ano com registo de casos nas estatísticas oficiais.

Nesse ano houve três casos registados, em 2005 já eram dez, em 2010 houve 15 e em 2015 contabilizaram-se 19.

A partir daí, o aumento é constante, com registo de 25 crimes em 2016, 48 em 2017, 63 em 2018 e 82 em 2019.

Em 2020 as estatísticas contabilizam 132 crimes por discriminação e incitamento ao ódio e à violência, número que aumenta para 150 em 2021. Em 2022 foram registadas 270 ocorrências, 344 em 2023 e em 2024 o número chega a 421, o valor mais elevado desde que é feita esta contabilização.

Os números indicam que entre 2020 e 2024 houve um aumento de 219% neste tipo de crime registado pelas autoridades policiais portuguesas.

Hoje assinala-se o Dia Internacional de Combate ao Discurso de Ódio, instituído pelas Nações Unidas para alertar para os perigos do discurso de ódio e promover medidas de combate.

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