Ao som de música brasileira, carnaval português satiriza a política

Foram esperadas 350 mil pessoas no carnaval de Torres Vedras. Por causa da crise, a cidade faz o carnaval com o orçamento mais baixo nos últimos quatro anos (cerca de R$ 950 mil).

 

Populares observam um carro alegórico com a figura de vários políticos portugueses durante o desfile de Carnaval em Torres Vedras, 12 fevereiro 2013. JOSÉ SENA GOULÃO / LUSA
Populares observam um carro alegórico com a figura de vários políticos portugueses durante o desfile de Carnaval em Torres Vedras, 12 fevereiro 2013. JOSÉ SENA GOULÃO / LUSA

Da Redação
Com agencias

Os portugueses aproveitaram o carnaval para criticar o governo e a condução da política econômica do país. Em Torres Vedras – cidade que tem o principal carnaval lusitano, distante cerca de 50 quilômetros de Lisboa – pessoas fantasiadas, carros alegóricos e esculturas expressavam mensagens contra os principais dirigentes e a recessão que atinge Portugal (hoje com mais de 16% de taxa de desemprego).

Além dos políticos, são comuns personagens das novelas e programas de TV (havia passistas vestidas como a boneca Emília, do Sítio do Picapau Amarelo). Além disso, a música brasileira (samba, axé e até sertanejo) era hegemônica nos alto-falantes do centro da cidade e nas bandas dos corsos que desfilavam, algumas até com gaita de fole.

Entre as mais tocadas, estão sucessos brasileiros antigos e novos, como Mamãe Eu Quero, Ilariê e Ai Se Eu Te Pego, além de músicas baianas cantadas por Daniela Mercury, Margareth Menezes e Ivete Sangalo.

“A lógica é tocar qualquer música desde que seja quente, dançável e latina. Dentre as músicas com essas características, a que aparece mais é a brasileira”, disse António Esteveira, administrador da Promotores, a empresa municipal responsável pela organização do carnaval.

Poucos políticos foram poupados: um grande boneco de plástico mostra o presidente Aníbal Cavaco Silva como pedinte de rua; um passista desfila com carrinho de lixo “não reciclável” com imagens dos ministros das Finanças (Vitor Gaspar) e dos Negócios Estrangeiros (Paulo Portas).

Outro carro alegórico transita com bonecos do ex-primeiro-ministro José Sócrates (hoje na oposição) e do atual ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, portando diplomas nas mãos após saírem de uma “maravilhosa máquina de reciclagem” – alusão à supostas fraudes nos cursos que fizeram na universidade.

Até uma chanceler Angela Merkel em trajes sumários circulou com pose sádica montada em um dragão – a Alemanha é vista pelos portugueses como a principal avalista na União Europeia da política de ajustamento econômico que cortou gastos com a seguridade social e a saúde (redução de pensões e do seguro-desemprego), e elevou o pagamento dos usuários do sistema nacional de saúde pública pelos serviços prestados.

“O tom crítico é constante. Nós nunca deixamos de fazer essa crítica. Todos os pormenores que acontecem na vida social e política do país são passíveis de serem criticados no carnaval”, explica António Esteveira.

Segundo ele, o carnaval da cidade nasceu com o objetivo de fazer sátira política. “O carnaval se implanta no início da República [1910] por causa de uma elite torrense que tinha gosto em ridicularizar a Casa Real”, salienta Esteveira.

Além da forte crítica aos políticos, chama a atenção no carnaval de Torres Vedras a quantidade de matrafonas (homens vestidos de mulheres) circulando pelas ruas. Conforme Esteveira, a atitude tem raiz histórica: como a presença das mulheres não era tolerada na transgressão típica do carnaval, para se formar casais na festa, era necessário juntar dois homens. “Esses iam aos baús das tias das avós, das primas, para ver as roupas já usadas, rotas e tal e vestiam-se com aquilo”, explicou.

Neste ano, um grupo de matrafonas desfilava em frente ao carro Bataclã do Oeste – referência ao bordel do romance Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado, que recentemente foi retransmitida por uma emissora de TV portuguesa.

Foram esperadas 350 mil pessoas no carnaval de Torres Vedras. Por causa da crise, a cidade faz o carnaval com o orçamento mais baixo nos últimos quatro anos (cerca de R$ 950 mil).

Além de Torres Vedras, há carnaval nas cidades de Loulé (que reivindica ser o mais antigo), em  Loures, Sines, Mealhada, Figueira e na Ilha da Madeira (alguns com desfile de escola de samba). Em Lisboa, na sexta-feira dia 8, alguns ativistas fantasiados para o carnaval foram à porta do escritório do Fundo Monetário Internacional reclamar dos cortes orçamentários das políticas sociais.

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