Da Redação com Lusa
Na aldeia da Lapa, Pedrógão Grande, a Rua dos Emigrantes é hoje a de imigrantes, trabalhadores ou reformados, numa multiplicidade de nacionalidades que se repete noutros locais deste concelho e em Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.
“É muito internacional”, afirmou à agência Lusa Jochen Bangert, alemão na casa dos 50 anos, ou José, por ser mais fácil de pronunciar para os portugueses, junto à casa que ergueu das ruínas naquela rua, na freguesia da Graça.
Foi através de um anúncio numa revista alemã que o designer de conteúdos para a Internet encontrou, há cerca de 20 anos, o lugar onde viria a reconstruir a sua morada.
“O coração sempre disse que era aqui”, declarou Jochen Bangert, explicando que aqui é onde vive quase todo o ano, há quase cinco.
Desfiando as qualidades do lugar, também morada de outros estrangeiros de diversas proveniências, da Europa, como ele, mas também de África, da Ásia ou da América, o alemão não resistiu a comentar a burocracia nacional: “Às vezes, os caminhos são muito complicados, outras vezes é sempre a andar, rápido e fácil”.
Num anexo da habitação, um azulejo na parede com a inscrição “Se bebes para esquecer paga antes de beber” indicia que o cidadão alemão se tem aportuguesado.
“Muito típico, não é?”, perguntou, ao mesmo tempo que mostrou a sua portuguesa “FAMEL”, a moto que um amigo recuperou.
A poucos metros, mora o casal Chris e Diana Mitchell, ele britânico de 46 anos, ela colombiana de 41.
“Vi no Google Maps”, afirmou Chris Mitchell, quando questionado sobre a escolha da Lapa, acrescentando a proximidade com a água (rio Zêzere).
Construtor civil, o britânico, que recuperou a casa onde o casal mora e prepara-se para fazer o mesmo a um imóvel em ruínas, não regateia elogios à “comunidade simpática”, para acrescentar que o mais difícil no país “é o SEF [Serviço de Estrangeiros Portugueses], agora AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo]”.
O presidente da Junta de Freguesia da Graça, Custódio Rosa, explicou que na Lapa apenas reside uma portuguesa, numa aldeia que “nem uma dúzia de casas tem”.
“Em quase todas as nossas aldeias [33, distribuídas por 30 quilómetros quadrados], há estrangeiros, de várias nacionalidades, mais trabalhadores remotos e reformados”, que estão a repovoar aos poucos, adiantou.
Custódio Rosa lamentou, contudo, que o recenseamento não faça parte das opções dos estrangeiros, pois as transferências financeiras para as autarquias são tanto maiores quanto maior for a população.
Segundo o autarca, a freguesia tinha 614 eleitores em 2022. “Estrangeiros recenseados três ou quatro”, referiu, para assinalar que as reivindicações, como “estradas alcatroadas ou luz ao pé de casa, são iguais às dos portugueses”.
No concelho de Pedrógão Grande, residiam 662 estrangeiros em 2022, cerca de um quinto da população, que era nos Censos de 2021 de 3.390 pessoas, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Quer neste município, quer em Castanheira de Pera ou Figueiró dos Vinhos, o número de estrangeiros tem aumentado. A maior parte tem origem no Reino Unido e Irlanda do Norte, ainda segundo o INE.
Os norte-americanos Bill Mauro, de 60 anos, e Marcus Laurence, de 53, não estão entre as nacionalidades preponderantes nos concelhos do norte do distrito de Leiria, mas aqui assentaram arraiais após dois anos a viverem em Lisboa “num apartamento de 55 metros quadrados” ainda a pandemia de covid-19 era uma realidade.
Outros países europeus estiveram na equação do casal de reformados da Pensilvânia, mas ganhou Portugal.
Clima, segurança, sistema de saúde, custo de vida e país respeitador de uniões entre pessoas do mesmo sexo foram as razões.
Apesar de ter gostado muito de Lisboa, o casal sentiu na capital a ausência da tranquilidade.
Formulada nova equação, eis que surge Salgueiro da Lomba, na freguesia da Aguda, Figueiró dos Vinhos.
“Queríamos viver numa zona parecida com a Pensilvânia, com rios, montanhas. Muito importante para nós era ter cuidados de saúde perto”, prosseguiram. O concelho é servido pelos hospitais de Coimbra.
Outro fator era a acessibilidade a Lisboa e ao Porto, e o Centro do país passou a ser a solução, mesmo com o café a distar três quilómetros ou o supermercado 12, porque a preferência são os mercados municipais.
“É perfeito para nós”, asseguraram.
Os amigos dizem-lhes que “moram no cu de Judas”, mas o casal, já fluente na língua portuguesa, contrapõe com a tranquilidade e a natureza, que descobrem em moto 4, pelas Aldeias do Xisto, por exemplo.
Da vizinhança, onde se contam portugueses e outros estrangeiros, destacam as relações, cimentadas também nas trocas. O casal levou um bolo de banana a uma vizinha, a vizinha trouxe-lhe um naperão.
Ainda em Figueiró dos Vinhos, mas na Arega, Joanna e Aran Patinkin, de 60 a 70 anos respetivamente, devolveram vida a um imóvel em ruínas, onde, no seu interior, cresciam arvores e até viviam cabras, que ganhou o nome de Quinta do Passal e alojamento local.
“Portugal é um ponto central. Está a seis horas dos Estados Unidos e a cinco de Telavive [Israel]”, onde se dividem os filhos de cada um, referiu a britânica Joanna Patinkin.
A primeira vez que vieram a Portugal foi em 2019, quando Aran, israelista-americano, foi fazer um documentário a Castelo Branco.
Quando se decidiram ficar, numa incursão por Oleiros compraram três propriedades em ruínas, “mas era muito complicado para reconstruir” devido a medidas restritivas decorrentes dos incêndios.
“Não entendíamos a língua, nem as restrições. E as leis estão sempre a mudar”, disse Joanna.
O casal decidiu depois que nova compra seria mais perto de um aglomerado urbano, para estar mais protegida.
“Procurámos, procurámos e procurámos, e, finalmente, encontrámos”, adiantou. Mas não foi amor à primeira vista. Só à terceira ou quarta vez, quando abriram uma janela do imóvel e se depararam com a paisagem, é que se confirmou.
Seguiu-se a reconstrução, destacando o papel da agora presidente da Junta, Cristina Furtado, do seu marido, construtor, e de toda uma equipa que, “com generosidade, paciência e paixão”, fizeram nascer a Quinta do Passal, sem esquecer toda a aldeia, onde as “pessoas foram tão generosas”.
À Lusa, Cristina Furtado lembrou que outros familiares ajudaram nesta empreitada, localizada ao lado da Igreja Paroquial, que hoje dá emprego a várias pessoas e visibilidade à própria aldeia.
Joanna Patinkin salientou que tiveram “muita sorte neste ‘casamento’”, num “lugar lindo”, onde destacam a paisagem, o silêncio e as pessoas.
Na Arega, o casal de judeus é tudo menos estrangeiro. “Não nos sentimos estrangeiros. Sentimo-nos bem”.
As comemorações do Dia de Portugal centram-se este ano em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, concelhos fustigados pelos incêndios de junho de 2017, de que resultaram 66 mortos e 253 feridos, além da destruição de casas, empresas e floresta.