Reivindicamos aos nossos emigrantes e não reivindicamos o mesmo aos imigrantes em Portugal – Padre

Da Redação com Lusa

Em Fátima, o padre Rui Pedro, pároco em Esch-sur-Alzette, no Luxemburgo, desafiou as paróquias portuguesas a “dar uma olhadela” aos trabalhadores estrangeiros no seu território, considerando que o que se reivindica para os emigrantes deve ser igual para os imigrantes.

“Seria um desafio muito grande neste momento para as paróquias de Portugal dar uma olhadela no seu território aos trabalhadores estrangeiros que existem”, afirmou o sacerdote português, na conferência de imprensa que antecedeu a peregrinação internacional de 12 e 13 agosto ao Santuário de Fátima, que integra a peregrinação nacional do migrante e do refugiado.

O pe. Rui Pedro, que é da região Oeste (dividida entre os distritos de Leiria e Lisboa) e tem visitado algumas paróquias rurais onde há “muitos imigrantes do Nepal, do Bangladesh do Sri Lanka a trabalhar” nos campos, “na apanha da fruta e outras coisas”, considerou que “as paróquias também devem tornar-se sensíveis a esta realidade aqui em Portugal”.

“Às vezes reivindicamos coisas para os nossos emigrantes e não reivindicamos o mesmo ou não cedemos o mesmo aos nossos imigrantes aqui em Portugal”, declarou.

Para o pe. Rui Pedro, “as pessoas não vêm assim, ao deus dará, haverá redes que os trazem”, e assim como os portugueses que vão em trabalho sazonal para o estrangeiro, também augurou para os imigrantes habitação, salários e apoio familiar dignos.

Segundo o sacerdote, estes fluxos migratórios “não têm nada a ver com os anos 90”, pois não “há uma partilha cultural”, sustentando que este é “um desafio grande para a Igreja portuguesa de abertura, não só porque são trabalhadores, mas “o mais importante é que são homens e mulheres que necessitam do apoio da Igreja, também na defesa dos direitos humanos, da habitação, do trabalho”.

Do Luxemburgo, país onde 48% da população é estrangeira e a comunidade portuguesa está bem integrada, referiu tratar-se de “um laboratório muito curioso a nível da comunhão e da interculturalidade”, e que “seduz pelas suas condições de vida e também pelo trabalho que vai havendo”.

“Quem vive no Luxemburgo hoje pode constatar que é um estaleiro a céu aberto”, observou, referindo que “há muitas obras públicas a serem feitas”.

De acordo com o pároco, “emigrar para o Luxemburgo pode ajudar pessoas que aqui a vida não correu bem ou, então, a pandemia tem agravado a situação familiar e não resta que tentar a emigração”, reconhecendo que há portugueses a chegar ao Luxemburgo.

Já a presidente da Obra Católica Portuguesa de Migrações, Eugénia Quaresma, falou de preocupações deste organismo da Conferência Episcopal Portuguesa, como a exploração laboral ou a habitação, preocupações, entre outras, que foram partilhadas por uma delegação do Fórum das Organizações Católicas para a Imigração e Asilo na quarta-feira com o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.

Considerando que há “mais consciência dos direitos humanos”, Eugénia Quaresma sustentou que isso se deve repercutir na intervenção, na ação, na denúncia e proteção.

A peregrinação de agosto ao Santuário de Fátima, considerada como a peregrinação dos emigrantes, começou dia 12 com a recitação do terço, seguindo-se a procissão das velas e a celebração da palavra.

Nesta manhã de sexta-feira, após o terço, aconteceu a missa, e as celebrações terminam com a procissão do adeus.

Mundo justo

O cardeal Jean-Claude Hollerich, que preside à peregrinação internacional aniversária de agosto, pediu um compromisso para um mundo mais justo e fraterno.

“Como cristãos, nós não somos passivos neste mundo. O mundo está-nos confiado pelo Deus criador, nós devemos fazê-lo frutificar. Isso pode tornar-se num compromisso para com a ecologia, o compromisso por um mundo mais justo, por um mundo mais fraterno, em vista de ‘um nós cada vez maior’”, afirmou o cardeal.

Para Jean-Claude Hollerich, “os grandes compromissos serão válidos se mostrarem os seus frutos de paz, justiça e defesa do bem comum na vida concreta do dia a dia”.

Antes, o também presidente da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia usou a simbologia da água, para sublinhar que todos precisam dela para viver, e que para os cristãos lembra o batismo.

Sobre os emigrantes, refugiados e peregrinos de Fátima, reconheceu na homilia da celebração que cada um tem as suas “pequenas cruzes”.

“Por vezes, é o trabalho que já não nos satisfaz, é a dureza de um mundo onde somos sempre considerados como estrangeiros. Por vezes, pode ser o caso de ter um parente doente, idoso ou que está a morrer, em Portugal, e nós não podemos ir, nem estar presente”, disse o arcebispo.

O cardeal salientou que “por vezes é a incompreensão” dos “filhos que ignoram as suas origens e os valores cristãos da cultura e história de Portugal”, valores que foram guia e bússola por terras estrangeiras da emigração.

“Por vezes, é a doença que bate à porta das nossas casas e das nossas famílias”, prosseguiu, explicando que nestes casos há “necessidade da água da consolidação”.

Depois, o cardeal jesuíta referiu-se ao caráter de Maria, semelhante ao de muitas mulheres portuguesas, cabo-verdianas e brasileiras que conhece no Luxemburgo.

“Como Maria, são mulheres fortes. Como Maria une a Igreja primitiva, assim as mulheres portuguesas mantêm a sua família unida. Elas fazem-no pelo seu trabalho. (…) Por vezes, como Maria, elas têm o coração amargurado e triste, mas não o mostram para não espalharem desolação e preocupação. Querem garantir a união, desejam caminhar ‘rumo a um nós cada vez maior’”, afirmou, numa expressão que é o título da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, que se assinala em 26 de setembro, e o da peregrinação nacional do migrante e do refugiado.

Na mensagem, citada pelo arcebispo luxemburguês, Francisco apela a todos para “caminharem juntos ‘rumo a um nós cada vez maior’, a recomporem a família humana”, para construírem em conjunto um “futuro de justiça e paz, tendo o cuidado de ninguém ficar excluído”.

Jean-Claude Hollerich acrescentou que “a fraternidade universal” começa nas famílias, “quer em Portugal, quer nos países da Europa e do mundo onde a procura de uma vida melhor vos levou”, pedindo orações para que, dos lamentos e das feridas, “possa brotar a água da vida”.

Já na quinta-feira, Jean-Claude Hollerich classificou como inadmissível as grandes concentrações de refugiados nas fronteiras exteriores do bloco comunitário e criticou que a prática seja diferente do discurso.

“Fechamos os olhos, deixamos fazer, pagamos para que as pessoas não entrem na União Europeia e, ao mesmo tempo, falamos de valores europeus”, declarou, para acrescentar: “Penso que, como europeus, deveríamos ter um momento onde poderíamos dizer, abertamente e honestamente, que temos vergonha deste discurso que é tão diferente da política real em relação aos refugiados”.

Segundo o cardeal, “mesmo os acordos internacionais não são cumpridos”, salientando que a UE “faz regressar todas as pessoas às fronteiras exteriores da União Europeia” sem se importar de “ver quem tem direito de asilo à luz da Convenção de Genebra”.

Considerando isto “muito grave”, o cardeal questionou: “Como é que um discurso e uma prática são totalmente diferentes?” “Eu penso que, como Igreja na União Europeia, devemos ser um pouco a consciência da Europa”, sustentou, referindo-se, depois, às notícias diárias do Mediterrâneo com números de pessoas que morreram.

Para o arcebispo do Luxemburgo, “as pessoas que estão nas embarcações perdem a fé na Europa”.

“Falamos da nossa humanidade, se não reagirmos com humanidade, perderemos a nossa própria humanidade” e a construção europeia sem humanidade não terá futuro, advertiu.

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