Governo se esforça por fazer Estádio numa cidade em que falta moradia

Há dias comentávamos a respeito da Copa do Mundo no Brasil, mais especificamente do esforço realizado pelo governador do Estado de São Paulo e do prefeito municipal da capital em parceria com o Sr. Ricardo Teixeira, cartola que está há décadas como presidente da CBF e também representante da FIFA, para facilitarem as verbas destinadas à construção do estádio do Corinthians para a competição futebolística internacional na sede local. Uma movimentação milionária de dinheiro público dirigido a um empreendimento particular que, para complicar ainda mais, não apresenta efetiva necessidade, uma vez que a urbe tem ao menos 4 estádios, incluindo um da municipalidade e a construção de um quinto acontece porque o dirigente da CBF não tem um bom relacionamento com o presidente do São Paulo FC, proprietário do Morumbi, palco tradicional das grandes decisões no Estado. Algumas pessoas retrucaram que o Morumbi também é privado e o problema seria o mesmo. Mas, considerando que ele já está lá e tem uma dimensão considerável em termos de capacidade, restaria reforma e adaptações a serem feitas, não uma construção a partir do zero, sendo assim um custo bem menor, cuja verba restante poderia ser empregada em outros aspectos necessários, afinal, o que não falta nesta cidade são carências.
É de todo modo, um seriíssimo problema ético. Teriam os cartolas da FIFA tamanha força frente ao prefeito de Londres, de Paris, de Nova York ou Tóquio? Ou o que vemos é reflexo das carências de países em desenvolvimento como a África do Sul, a Rússia, o Catar ou o Brasil, saídos de ditaduras/ crises sociais e buscando a emergência no cenário global? Aliás, para apoiar a candidatura do país árabe, o francês Zidane em entrevista ao jornal L’Equipe afirmou ter cobrado ‘muito dinheiro’. Além disso, a Articulação Popular Nacional pela garantia de Direitos Humanos no contexto dos Megaeventos, afirma que a previsão de R$24 bilhões de recursos públicos para as obras das 12 cidades sedes revela um valor 10 vezes superior ao orçamento do Ministério dos Esportes para este ano, apontando que não temos políticas de inclusão através do esporte, mas nesses eventos o Estado investe sem dor na consciência.
Exatamente pela multiplicidade de carências voltamos a essa questão polêmica dos empenhos dos dirigentes. Foquemos, por exemplo, o caso da habitação. Em 26 de julho a União dos Movimentos de Moradia de São Paulo foi mais uma vez às ruas para pressionar a prefeitura por uma política municipal de habitação que dê conta dos graves problemas de moradia. Reclama a retomada dos projetos de mutirão com autogestão que foram paralisados na gestão Serra/Kassab e a agilidade na aprovação dos projetos habitação de interesse social. Perguntam como pode ser possível que a Secretaria de Habitação da maior cidade do país demore de 2 a 3 anos para aprovar os projetos de habitação com interesse social não havendo segundo o movimento qualquer obstáculo para aprovar os empreendimentos quando estes são para as classes mais abastadas, os condomínios de luxo nas áreas mais ricas da cidade.
Pedem, em primeiro lugar, que os empreendimentos de interesse social sejam contemplados com a atenção dos gestores e aprovados em no máximo 90 dias, com estipulação de prazos na Sehab. Em segundo lugar, a partir de então, mais celeridade nos licenciamentos e nos procedimentos de habite-se. Lembram que o programa Renova Centro está com dificuldades de sair do papel. Portanto, é urgente a elaboração de um programa que atenda às famílias encortiçadas moradoras das áreas centrais visando facilitar com menos burocracia as desapropriações dos prédios vazios e retomar o Projeto Vila dos Idosos. Além disso, a verba do Programa de Parceria Social precisa ter reajustes.
Segundo José de Jesus Filho, advogado e Assessor Jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, de 2003 a 2006 foi prevista em São Paulo a construção de 216.730 unidades habitacionais. (Fonte: LOA’s). Porém, o Governo entregou 79.073, deixando de construir 137.657 moradias, 63,52% menos do que a meta estabelecida. (Fonte: sítio da CDHU na internet). Entre 2007 e 2009 foi prevista a construção de 105.385 unidades habitacionais. (Fonte: LOA’s). Porém, o Governo construiu apenas 57.053, deixando de construir 48.332 moradias, 45,86% menos do que a meta estabelecida. (Fonte: sítio da CDHU).
Outro dado sobre o mesmo assunto. Matéria publicada pela Rolling Stone Brasil em maio diz que a maior metrópole do país, São Paulo, tem hoje cerca de 800 mil famílias morando em favelas ou assentamentos precários. O número corresponde à quase um terço da população da capital. Enquanto no biênio 2008/2009 o número de ocorrências de incêndios em favelas era inferior a 80, em 2010, de janeiro a setembro, a cifra pulou para 95. Em 2011, o corpo de bombeiros já registrava 99 casos em maio. E muitos acontecem em áreas que passam por litígio ou urbanização. Uma moradora que perdeu a casa em uma dessas ocasiões foi clara: “Foi criminoso, temos certeza”. A afirmação vem embasada na demora dos bombeiros, que levaram mais de uma hora para chegar ao local e ainda foram com pouca água para combater o fogo. E essas regiões coincidem com as áreas de maior valor no mercado imobiliário. De acordo com relatora especial da Organização das Nações Unidas, Raquel Rolnik, a política habitacional utilizada pela prefeitura é produtora de precarização. Grandes eventos como a Copa do Mundo e obras de infraestrutura, na linha do Rodoanel, são responsáveis por remoções e despejos realizados sem nenhum respeito quando, muitas vezes, as famílias acabam em bairros piores, a muitos quilometros de suas moradias originais, quando o correto é que a condição nova seja sempre melhor, avaliou.
A cidade não precisa de mais um novo estádio de futebol. Usam a paixão cega da massa pelo esporte para efetivar o ato. Nossos problemas são muitos e essa grande verba, mais o empenho dos administradores, prefeito e governador, poderiam ser canalizados para outros aspectos, realmente urgentes, de interesse popular. Uma São Paulo mais humanizada e justa seria sim um verdadeiro gol de placa.
São Paulo, 27 de Julho de 2011

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

14 Comments

  1. Em pleno acordo com a esclarecida opinião do professor José Amaral, também coloco em pauta as questões seguintes: quem ganha, afinal, com a Copa do Mundo e com as Olímpiadas? Para quem são, em verdade, tais eventos?
    Em óbvia resposta, cuja a qual a palavra “povo” não se encaixa, ganham os grandes capitalistas, empresários, empreendedores, governos, mafiosos, cartolas entre tantos outros etcéteras e etcéteras.
    À plebe, desprovida de educação, que como encantada não nota o crime a qual se submete, resta a sensação de anestesia, resta experimentar uma receita sonífera e hipodérmica – como se já não bastasse tantas doses desse mesmo veneno no dia a dia – que serve de remédio para as dores e desgostos que a “vida” lhe causa, a qual, inclusive, devem aceitar prontamente já que “Deus quis assim”.

  2. Para manter a reflexão, alguns links de matérias relacionadas:

    Estádio do ‘povão’ não permite entrada de torcedores com bermudas…
    http://esporte.ig.com.br/futebol/torcedores-sao-barrados-no-estadio-de-itaquera-por-usar-bermuda/n1597301837429.html

    Os moradores não estão preocupados em acompanhar os jogos e priorizaram interesses pessoais.Torcedores que residem perto do futuro estádio torcem pela valorização dos imóveis próximos ao local. Alguns deles já fazem investimento para lucrar com a Copa do Mundo.

    http://esporte.ig.com.br/futebol/moradores-ignoram-abertura-e-torcem-por-valorizacao-dos-imoveis/n1597301932548.html

    Sócrates: “Eu não sou crítico do estádio do Corinthians. Eu sou crítico ao dinheiro público usado para isso”.“Tudo que será investido ficará enterrado em estádios, a maior parte deles subutilizados” (Altas Horas, Tv Globo)

  3. O trágico é que o ‘Zé Povinho’ entende o assunto como uma mera discussão futebolística…
    E se não fosse a Copa, Itaquera então continuaria esquecida?
    Como disse Bóris Kasoy, Jornal da Band: Caiu pedaço da Ponte dos Remédios, mas não venha a Prefeitura falar que não tem verba porque para fazer estádio de futebol não está faltando grana… 11/2011
    Outras interessantes:
    “Ricardo Teixeira nomeia Andrés Sanchez diretor de seleções da CBF e presidente do Corinthians surge como nome mais forte para assumir o comando da entidade em 2015.” Nov.2011 O Globo
    http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/11/26/mr-teixeira-e-globo-dao-o-brasileirinho-ao-corinthians/
    “Só Teixeira seria capaz de construir o estádio em Itaquera”
    http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/06/15/so-teixeira-seria-capaz-de-construir-o-estadio-do-corinthians/
    Rodigo Viana no Jornal da Record sobre o estádio em Itaquera – Vídeo Youtube

    Augusto Nunes na Veja – O Golpe do Itaquerão
    http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/o-golpe-do-itaquerao-podem-chamar-a-isencao-fiscal-de-desperdicio-oportunista-do-dinheiro-dos-outros-que-ela-atende/
    A coisa é feia…

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