Entrevista: Responsável pelo RH da TAP defende esforço na valorização das pessoas

O responsável pela área de Recursos Humanos da TAP, Pedro Ramos defende esforço na valorização das pessoas e revela que as organizações começam a enxergar o tema como algo estratégico.

Por Igor Lopes

Pedro Ramos é diretor de Recursos Humanos da TAP Air Portugal, uma das mais emblemáticas empresas portuguesas. Passou também pela Groundforce e pela CARRIS, outras grandes companhias lusitanas. Apesar de ter mais de 20 anos de experiência em Gestão de Topo RH, em várias empresas de grande dimensão, este responsável não esconde a grande motivação em desenvolver, ainda mais, as suas competências profissionais. Somente este ano, Pedro esteve no Brasil diversas vezes para participar em eventos voltados para a área de Recursos Humanos, numa procura constante pela troca de conhecimentos e experiências. Numa dessas oportunidades, lançou um livro sobre liderança, em parceria com Anabela Chastre. Atuante nas redes sociais, Pedro defende que a área de Gestão de Pessoas não é “fechada” ou “claramente definida” e que é preciso distinguir, no âmbito dessa atividade, “carga emocional” de “componente racional”.

Em virtude da sua vivência na área, sempre que atua como palestrante promove grandes reflexões sobre a temática dos recursos humanos e os seus contornos em Portugal, na Europa e no mundo, além de enfatizar metodologias e técnicas de sucesso. Pedro ressalta que, no Brasil, um dos pontos positivos é a facilidade com que as empresas e organizações apostam no poder transformador do “feedback”. Para ele, desenvolvimento e aprendizagem devem ser o lema de quem atua em Gestão de Pessoas. Todo esse esforço tem lhe rendido distinções. A mais recente foi recebida em Lisboa, em agosto deste ano, quando foi homenageado pela Academia de Letras e Artes Paranapuã (ALAP), do Rio de Janeiro, com a medalha Austregésilo de Athayde, que visa, dentre outros pontos, reconhecer o valor de quem trabalha para aproximar ainda mais Brasil e Portugal.

Recentemente, desenvolveu, no Brasil, um processo seletivo para a contratação de pilotos brasileiros, tendo obtido mais de 1.500 contatos de pilotos interessados, com o objetivo de reforçar a equipe da empresa, visando à expansão da malha aérea da TAP a partir de 2019. Mesmo com uma agenda atribulada, Pedro Ramos deu uma entrevista à nossa reportagem. De forma enfática, falou ser necessário valorizar as pessoas, destacou a sua participação nos eventos brasileiros, defendeu a temática de RH na América Latina, sublinhou o desenvolvimento do tema nas organizações brasileiras e portuguesas e disse acreditar que houve uma “profunda mudança nos perfis de competências dos gestores de pessoas” na Europa e no continente americano.

Nos últimos meses, que eventos lhe trouxeram ao Brasil?

Neste ano de 2018, estive presente no Congresso RH Rio 2018 em maio, promovido pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ), no Rio de Janeiro, onde tive o maior gosto de apresentar o meu livro em co-autoria com a Anabela Chastre, que é uma Coach bem conhecida em Portugal e agora, também, no Brasil. O nosso livro intitula-se “Liderança – Para onde vamos a partir daqui?”, da editora Tema Central, em Portugal, representada, no Brasil, pela Qualimark Editora. Esse evento no Rio foi uma experiência extraordinária de partilha de experiências e ideias inovadoras na Gestão das Pessoas e na Liderança dos dois lados do Atlântico.

Em junho, estive em Belo Horizonte, Minas Gerais, no Fórum RH da ABRH-MG, onde tive o maior privilégio de ser Palestrante Internacional com uma comunicação intitulada: “Será no Futuro a Liderança apenas para Super-heróis?”. Foi extraordinária esta oportunidade de estar com centenas de profissionais de Gestão de Pessoas de Minas Gerais e de outros lugares do Brasil e poder falar do futuro da liderança no meu português de Portugal.

Estive também em Florianópolis para o Congresso Catarinense de Gestão de Pessoas, a convite da ABRH-Santa Catarina. Fui também o palestrante internacional e apresentei uma palestra com o título “A Liderança no Futuro ou o Futuro da Liderança?”. Partilhei muitas reflexões sobre os contextos atuais de mudança e transformação em Portugal, na Europa e no Mundo. É todo um mundo em mudança que influencia fortemente os líderes, os liderados, as empresas e as sociedades. Cerca de dois milhares de conferencistas entusiasmados estavam presentes.

Em agosto, estive em São Paulo no maior Congresso de Gestão de RH (Pessoas) da América do Sul e o segundo maior do mundo – o CONARH 2018. No ano passado também estive nesse evento e isso foi muito energizante para mim! O meu livro foi apresentado também nesse congresso.

 Durante as suas palestras no Brasil, que experiências procura retratar?

A Gestão de Pessoas é, definitivamente, uma paixão. Mas, a esta carga emocional, cada vez mais é importante associar uma forte componente racional e é isso mesmo que procuro trazer para os eventos brasileiros e para as minhas palestras. Um bom gestor de pessoas é alguém que consegue, em simultâneo, desafiar, desinstalar, mobilizar, obter sinergias, mas, também, valorizar, reconhecer e confiar naqueles que são o bem mais precioso das empresas – as Pessoas –, por forma a que se consigam atingir resultados. Gosto de Pessoas, de trabalhar com Pessoas, mas nunca perco de vista o foco nos objetivos e nos resultados. Sou, por natureza, “muito irrequieto”, comunicativo, talvez até excessivamente interativo. Gosto de arregaçar as mangas e ir ao “terreno” falar com as Pessoas e viver os seus momentos mais significativos. Assim, procuro estar próximo, presencialmente ou de forma digital, por forma a potenciar um maior link entre as nossas Pessoas e as nossas organizações internas, na procura das melhores soluções para podermos prestar, todos, cada um à sua medida e no seu contexto específico, um serviço de excelência aos nossos clientes. Não sei se sou, desta forma, um bom Gestor de Pessoas, mas, também, não estou a pensar ser um paradigma disso, até porque, Gestores de Pessoas nas nossas empresas são muitos mais do que os responsáveis pelas áreas de GRH. A Gestão de Pessoas não é uma área fechada, claramente definida, é um enorme processo interno nas organizações e, sobretudo, uma fórmula de aproveitamento do principal ativo das organizações. E tem sido muito enriquecedor fazer estas partilhas.

O que procura no Brasil em termos de conhecimentos na área de Recursos Humanos, tendo em vista a sua participação nesses encontros na América Latina?

O Brasil tem excelentes profissionais de Gestão de Pessoas. Existe uma formação de base neste âmbito e muitos processos de treinamento muito eficazes nestes temas. Ou seja, eu, no Brasil, tenho encontrado “gente que gosta de gente” (lema da ABRH!), mas que, para além de gostar de pessoas e de trabalhar e administrar pessoas, sabe e conhece as melhores práticas internacionais neste âmbito. As pessoas no Brasil são muito interessadas e interessantes, colocam muitas questões pragmáticas e não têm receio de dar feedbacks. Isso é ótimo! Existe, por outro lado, uma grande publicação de títulos, livros, revistas, etc. dedicadas a estes temas e isso é uma fonte importantíssima de partilha de conhecimento. A minha participação nestes eventos é, por isso, um processo nos dois sentidos. Trago alguns conhecimentos, mas, sobretudo, experiência no contexto europeu, e recebo imensas partilhas de metodologias e técnicas de sucesso comprovadas deste lado do Atlântico. É uma relação claramente win-win.

Como esses eventos auxiliam no desenvolvimento da área de RH?

Auxiliam muitíssimo! É impossível estarmos “sozinhos no mundo” a fazer gestão de pessoas nas nossas empresas. Temos de saber o que existe, o que já foi inventado (mas, sobretudo, testado), que práticas funcionam, o que outros já produziram e que nos podem ajudar nos nossos casos concretos. E, depois, é muito inspirador ouvir histórias – de sucesso ou de insucesso –, mas que têm um objetivo muito concreto: o nosso desenvolvimento e aprendizagem.

Visualiza diferenças na prática de RH no Brasil e em Portugal? Que tendências acredita que serão mais evidentes no cenário mundial na área de gestão de pessoas?

Existem, de fato, algumas diferenças. Mas diria que as diferenças não são tanto em nível dos conteúdos, mas em nível dos estilos de gestão e administração das Pessoas nas Empresas. Outra diferença tem a ver, obviamente, com os contextos sociais e organizacionais, dado que não nos podemos esquecer que as empresas são partes das próprias sociedades. Sobre as tendências da Gestão de Pessoas nos contextos mundiais gostava de referir o seguinte: há vários anos que tenho acompanhado a gestão de topo RH em várias empresas e atingimos, seguramente, o momento mais profissionalizado da gestão de recursos humanos e das relações laborais nas nossas empresas. Por outro lado, este “mundo empresarial” deixou definitivamente de estar restrito apenas a um país como Portugal ou Brasil. A entrada de diferentes acionistas oriundos das mais variadas geografias, que introduziram novas formas de gerir as empresas, associado à globalização dos mercados e os vários novos posicionamentos face aos clientes, aos fornecedores, e a uma série de outros stakholders, esteve na origem desta nova profissionalização dos processos de gestão das pessoas e da gestão das relações de trabalho nas nossas empresas. A gestão de recursos humanos nas nossas empresas está cada vez mais estratégica e muito menos operativa ou instrumental. Não posso dizer que a Gestão de Recursos Humanos (GRH) está já ao nível da definição da estratégia das empresas, mas já está muito mais nessa discussão, sobretudo muito impulsionada pela nova visão da gestão de que os resultados só se obtêm através de um fortíssimo alinhamento entre as pessoas e o negócio.

Consegue avaliar em que nível de evolução está a área de RH na Europa e na América Latina?

O mundo da Gestão de Pessoas e RH mudou muito. Mudou, desde logo, a forma como a própria área de gestão de pessoas passou a ser encarada nas empresas. De mera área que sabia recrutar, treinar, administrar processos administrativos e, quanto muito, gerir o processo da avaliação de desempenho que, nem sempre, tinha verdadeira ligação à performance da própria empresa, passámos para um novo enquadramento de fato. Deixou de fazer sentido a própria designação “Gestão de Recursos Humanos”, dada a alteração de foco e de processos, passando a fazer mais sentido a expressão “Gestão das Pessoas”, dado que, cada vez mais, são analisadas, medidas, monitoradas e geridas as pessoas nas empresas na sua relação e intervenção diretamente com o negócio. Assim, em termos práticos, houve, tanto na Europa quanto na América Latina, nestes últimos tempos, uma profunda mudança nos perfis de competências dos gestores de pessoas. Deu-se uma clara alteração de perfis, dos mais hard, onde se tinha de saber tudo sobre os instrumentos de recrutamento, seleção, avaliação, formação e gestão administrativa, como verdadeiro perfil de requisitos necessários, para uma nova conciliação entre competências hard do tipo “hr analitycs” ou um conjunto de conhecimentos tecnológicos e de âmbito financeiro, por exemplo, relacionados com um novo pacote de competências soft, cada vez mais críticas como a comunicação em diferentes plataformas, negociação, persuasão, visão estratégica, capacidade de mobilizar. Este não era nada o perfil necessário quando, há uns anos, estava nesta profissão.

E, depois, há toda uma necessidade, partilhada entre a Europa e a América Latina, que é a necessidade de, permanentemente, nos conseguirmos reinventar em termos da forma como recebemos e gerimos as várias gerações nas empresas, bem como conseguimos resolver a equação Pessoas & Negócios, que está a ser fortemente condicionada pelos contextos das nossas novas Sociedades 4.0, trazidas pela quarta revolução industrial em curso.

Por fim, fale um pouco sobre a sua experiência profissional…

Sou um profissional com mais de 22 anos de experiência em Gestão de Topo RH, em várias empresas de grande dimensão. Iniciei a minha atividade profissional na área do Desenvolvimento de Pessoas e Formação no início da última década do século passado, mas, rapidamente, passei a assumir uma maior responsabilidade pela Gestão Integrada das Pessoas nas empresas onde tenho passado. Assim, para além da Groundforce, onde fui Diretor de Recursos Humanos e Administrador Executivo nestes últimos anos, a minha carreira de responsável de topo de RH passou também pela CARRIS, pela OGMA, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, entre outras empresas. Em todos estes projetos desenvolvidos existe uma “marca comum”: estive envolvido em processo de Gestão da Mudança e Transformação. Neste momento, sou Diretor de Recursos Humanos do Grupo TAP Air Portugal, desde setembro do ano passado, para mais um desafio de mudança e transformação. Para além disso, sou docente convidado na Coimbra Business School no Mestrado de Gestão de Recursos Humanos.

Julgo que o que me pode distinguir de outros profissionais “deste ofício” é o fato de ter sido sempre um profissional sem nunca ter perdido de vista um aprofundado crescimento, materializado numa aposta na minha formação acadêmica, associado ao fato de, sempre que possível, estar presente na Academia enquanto professor e em diversos eventos enquanto orador e facilitador nestas áreas de Gestão de Pessoas e Liderança. Esta grande atividade tem facilitado bastante tanto o meu processo de crescimento profissional quanto a forte relação das empresas com o seu mundo exterior, no que toca às suas práticas e processos de gestão das pessoas.

Em termos académicos, sou um “colecionador de títulos académicos”. Tenho todos: um bacharelato,  uma licenciatura em Ciências da Educação, um mestrado em Sociologia do Emprego e um doutoramento. Sou Ph.D em Economia de Empresa pela Universidad Rey Juan Carlos, em Madrid. Mas, nesta questão dos títulos acadêmicos, gosto de colocar a questão da seguinte forma: nunca deixei de ser aluno! E isso tem sido essencial para mim em duas vertentes principais: (1) esta aposta na formação permanente foi sobretudo uma necessidade de ir buscar competências “hard” para poder responder de forma eficaz aos desafios que tenho tido em mãos, ou seja, para, de forma muito pragmática, responder às minhas necessidades técnicas; e (2) é neste percurso enquanto aluno que me tenho disciplinado e organizado enquanto profissional. A formação acadêmica ajuda-me a manter-me organizado, impondo-me a mim próprio rigor, eficácia, disciplina e muita resiliência. Sou também professor universitário nas áreas de Gestão, Liderança e de Gestão de Recursos Humanos, sendo orador e formador convidado em vários eventos e seminários nacionais e internacionais nas áreas de GRH e Liderança.

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