Repressão não resolve problema nacional em Espanha, por Carlos Fino

Por Carlos Fino

A situação na Catalunha acaba de conhecer hoje um desenvolvimento dramático com a decisão de um tribunal espanhol de manter em prisão preventiva oito membros do governo catalão destituído por Madrid. A Espanha também já emitiu mandado de captura contra o presidente Puigdemont, que se encontra em Bruxelas.

Contra toda a esperança de que ainda pudesse haver um raio de clarividência que permitisse alguma forma de entendimento, o governo de Rajoy mostra assim que optou decididamente pela repressão, contra o diálogo, na senda da pior tradição autoritária do Estado espanhol.

Escuda-se, para isso, no estrito cumprimento da lei e da Constituição, imaginando talvez que desta forma pode liquidar pelo exemplo quaisquer veleidades nacionalistas, tanto na Catalunha como noutras regiões.

Se é disso que se trata, engana-se rotundamente. Ao recusar dialogar e optar por medidas repressivas, Madrid só faz é reavivar a memória dos piores momentos – entre eles, o fuzilamento por Franco dos líderes catalães durante a guerra civil – aumentando assim o ressentimento anti-espanhol, tanto na Catalunha como noutras regiões.

A conduta dos líderes catalães, ao avançarem com medidas conducentes à independência sem terem para isso um claro mandato, é também altamente criticável. Em boa parte eles são também responsáveis pelo impasse a que se chegou, com dois irredentismos em choque que só fazem é reforçarem-se mutuamente – ao nacionalismo exacerbado de uns, contrapõe-se o unionismo a todo o custo de outros.

Mas a questão central permanece e não vai desaparecer com julgamentos, prisões e repressão – o problema é político e só pode ser resolvido sem traumas pelo entendimento e pelo diálogo.

Por mais que isso custe aos radicais do unionismo em Madrid, aos que acham que a Espanha é una e isso não se discute, o Estado espanhol terá um dia de reconhecer que existem várias nacionalidades no seu território e essa realidade exige uma reforma constitucional que a traduza em termos institucionais de forma mais plena do que as simples autonomias actuais.

Em troca, os nacionalismos teriam então de abdicar da separação, aceitando integrar um mesmo Estado federado. Insistir na independência a todo o custo, sem o apoio de uma maioria clara e livremente expressa, não só não se sustenta como pode ser até uma aventura perigosa, em última análise prejudicial à causa nacional.

Por outro lado, impedir que as pessoas votem nessa questão central – ser ou não ser independente – também não faz sentido. Afinal, o direito dos povos à autodeterminação está consagrado nos grandes textos do direito internacional, incluindo os Tratados da União Europeia.

Mais uma razão para a UE não lavar as mãos e contribuir de forma activa para uma solução negociada.

De qualquer maneira, uma coisa é certa- a questão nacional em Espanha, e em particular na Catalunha – não irá desaparecer. Como, na senda de Benedict Anderson, ensinam os estudiosos destas questões, a globalização não elimina essas “comunidades imaginadas”, pelo contrário, como temos visto um pouco por todo o lado, a globalização pode até fortalecer as identidades locais que cada vez maisreivindicam o direito de se expressar livremente.

Por isso, a melhor solução será a de abrir espaço para o diálogo, admitindo uma revisão constitucional para acomodar a livre manifestação das nações que integram a Espanha e não excluimdo sequer um redesenho do Estado espanhol em termos federais. O reconhecimento das identidades nacionais seria o preço a pagar pela manutenção da unidade em liberdade.

Na Catalunha, como noutras regiões, sem diálogo não há saída. A repressão não resolve o problema nacional em Espanha.

 

Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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