Relatório aponta risco de “radicalização” da extrema-direita em Portugal

Da Redação
Com Lusa

Um relatório sobre o extremismo de direita na Europa, esta segunda-feira divulgado, assinala a “normalização” política do partido Chega em 2020 e alerta para a “possibilidade de radicalização das formas de protesto da extrema-direita portuguesa”.

“A infiltração de extrema-direita nos protestos por melhores condições de vida, como é o caso dos pequenos e médios empresários, deverá continuar. E não se pode, neste caso, com o agravamento da crise social e econômica, excluir a possibilidade de radicalização nas formas de protesto da extrema-direita portuguesa”, alerta o relatório “Estado de ódio — o extremismo de direita na Europa”.

A parte portuguesa deste relatório, que retrata a situação em vários países da União Europeia, mas também da Europa de Leste, é da autoria de dois jornalistas que se dedicam ao estudo da extrema-direita, Ricardo Cabral Fernandes e Filipe Teles, que avisam para o risco de a extrema-direita tentar “tirar vantagem da insatisfação, frustração e ressentimento da crise socioeconômica causada pelas medidas para conter a pandemia covid-19”.

A exemplo, defendem, do que já começou a acontecer em 2020, ano em que o país viveu a crise devido à pandemia de covid-19, quando o Chega, por exemplo, organizou uma manifestação contra a pedofilia, o que “abriu a porta à mobilização da extrema-direita”, organizada por movimentos “pela verdade” de negacionistas.

“Os protestos começaram com algumas dezenas de participantes, mas já conseguem juntar algumas centenas de pessoas”, assinala-se no texto.

O relatório visa fazer um retrato sobre área e temas que a direita radical e extrema-direita está a explorar e foi encomendado por três organizações não-governamentais, HOPE not hate, (Esperança, não ódio, anti-racista), do Reino Unido, Expo, da Suécia, e Fundação Amadeu António, da Alemanha.

Em Portugal, são identificados seis grupos ligados à extrema-direita. O Chega é identificado como populista radical de direita, o Ergue-te (ex-PNR) de extrema-direita, os grupos Escudo Indentitário e Associação Portugueses Primeiro são considerados identitários, Hammer Skin neo-nazis e o Movimento Zero, movimento não orgânico nas polícias, é definido como populistas de extrema-direita.

Assinala-se ainda a criação de novos grupos como a Resistência Nacional, “responsável por uma concentração em frente à sede do SOS Racismo”, em que os manifestantes envergaram máscaras e usaram tochas, e o movimento Defender Portugal.

Depois de o Chega eleger um deputado nas legislativas de 2019, o relatório assinala, este ano, que houve uma “normalização” política do partido de André Ventura, assinalando-se o acordo com o PSD e outros partidos de direita para formar Governo na região autónoma dos Açores.

Este acordo, segundo o texto, “foi visto como um primeiro passo para um acordo parlamentar ou de Governo a nível nacional”, contribuindo “mais para legitimar o Chega”.

O documento destaca que o racismo em Portugal foi evidente numa série de atos violentos, como a agressão de uma mulher num autocarro, pela polícia, por o filho não ter bilhete ou ainda pela morte, nas ruas num subúrbio de Lisboa, de um ator, Bruno Candé, por um homem que o mandou “para a senzala”, um termo que remete para o passado do esclavagismo em África.

O Chega, segundo o relatório, fez elevar as “narrativas-chave” de extrema-direita “a níveis nunca vistos na política” portuguesa desde o fim do Estado Novo, dando como exemplo que 15% dos delegados ao último congresso votaram a favor de uma resolução que propunha que fossem retirados os ovários às mulheres que praticassem aborto.

Normalização

O populismo é “um termo que, como não diz nada, serve para esconder tudo”, segundo o histórico dirigente comunista Domingos Abrantes, ao abordar a normalização da extrema-direita nas sociedades atuais.

O conselheiro de Estado e um dos mais velhos ex-presos políticos da PIDE afirma, em entrevista à Lusa, que a extrema-direita tem vindo a ganhar força por ser normalizada muitas das vezes enquanto movimento populista.

“Marcelo Caetano era um populista, antigamente dizíamos que era uma pessoa popularucha”, lembra o histórico antifacista, acrescentado: se antes “o populismo era a demagogia”, hoje “começou a esconder coisas diferentes”, designadamente o perigo do regresso das forças de índole fascista.

Já a ex-comunista Zita Seabra, que passou pelo PSD e que foi mandatária da Iniciativa Liberal nas legislativas de 2019, recusa situar o populismo na extrema-direita.

“O populismo não é de esquerda nem de direita, é populista”, argumenta Zita Seabra, considerando que Ana Gomes, a ex-eurodeputada socialista que ficou em segundo lugar nas últimas presidenciais, é tão populista como o líder do Chega, André Ventura.

Rejeitando comparações entre o novo populismo e o fascismo do século passado, Zita Seabra salienta que “as pessoas que votaram no André Ventura são deserdados da sorte, não vale a pena chamar-lhes fascistas”.

“Quando chegamos a este ponto, deixa de existir direita ou esquerda. O que há são ditadores e vítimas”, acentua.

Passados 46 anos sobre o 25 de Abril, que derrubou o Estado Novo, em 1974, Abrantes e Zita Seabra não dão por garantida a democracia pela qual lutaram.

“Muitos [portugueses] já nasceram depois do 25 de abril, nem têm essa memória. Esse é o grande problema”, refere Domingos Abrantes.

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