Populismo e condecorações, os discursos dos partidos no 25 de Abril

Mundo Lusíada com Lusa

Em 25 de abril de 1974, um movimento de capitães derrubou a ditadura de 48 anos, de Marcelo Caetano, chefe do Governo e de Américo Tomás, Presidente da República, num golpe que se transformou na “revolução dos cravos”.

Após dois anos de pandemia, a solenidade comemorativa da data voltou a acontecer sem restrições no Parlamento português. Deputados cantaram Grândola Vila Morena na sessão solene comemorativa dos 48 anos da Revolução de 25 de Abril, e os partidos usaram da palavra após o discurso do presidente da República e presidente da Assembleia.

PSD

O presidente do PSD defendeu que a solução para travar o crescimento dos extremismos não é “absurdos cordões sanitários”, mas “ter o rasgo de fazer diferente” e reformar “sem cobardia nem hipocrisia”.

“A solução está em nós próprios. A solução está em enfrentar a realidade sem cobardia nem hipocrisia. Está em reformar, ou diria melhor, em romper com o que há muito está enquistado e ao serviço de interesses setoriais ou de grupo”, defendeu Rui Rio, naquela que deverá ser a sua última intervenção numa sessão solene do 25 de Abril, já que deixará a liderança do PSD no início de julho.

O presidente do PSD defendeu que o discurso no 25 de Abril deve ser um momento de autocrítica e não apenas de “afirmações laudatórias.

“Se é justo responsabilizar a política porque ela não tem tido a coragem de fazer as reformas estruturais que o desenvolvimento do país reclama, a verdade é que a maioria do eleitorado também valoriza muito mais a promessa fácil da benesse imediata do que a realização das reformas que preparam o seu futuro”, apontou.

Para Rui Rio, esta contradição “entre a necessidade dos votos para ganhar as eleições e a necessidade de responder à evolução da sociedade” é hoje mais evidente e mais preocupante.

“Ela é uma das principais razões para o descrédito em que a vida pública tem caído, porque o eleitorado que hoje escolhe o caminho mais fácil, é o povo que amanhã se queixará da ineficácia da governação que escolheu”, disse, considerando que descontentamento é o principal suporte de novas forças extremistas, “que, com a sua tradicional demagogia, procuram saciar os impulsos emotivos de quem está mais fragilizado”.

Na sua intervenção, Rui Rio elencou algumas das reformas, que enquanto liderou o PSD nos últimos quatro anos foi apontando como urgentes: a alteração do sistema eleitoral; a revisão constitucional; a reforma da Justiça; a descentralização; a lei dos partidos políticos e a sua lógica de funcionamento e até uma reforma do Estado que “fomente a qualidade e a produtividade dos serviços públicos e permita a redução dos impostos”.

“Mas também uma atitude política de firme combate à corrupção e fundamentalmente ao tráfico de influências, de real autonomia face à atual lógica de funcionamento da comunicação social, de renuncia à política-espetáculo e de reforço da verdade e da competência, de coragem para se ser mais forte com os fortes do que com os fracos e, principalmente, de genuinidade e coerência entre as palavras e os atos”, defendeu.

Para Rio, estas mudanças ajudarão “à credibilização da vida pública e ao renascer da esperança” trazido pelo 25 de Abril, “que o tempo e os homens têm deixado enfraquecer”.

“Se queremos um Portugal virado para o futuro, que não se atrasa cada vez mais na escala europeia e que não quer continuar a ver os seus jovens a emigrar, então teremos de ter o rasgo de fazer diferente, atuando coerentemente sobre as verdadeiras causas do nosso problema”, defendeu.

PS

O vice-presidente da bancada socialista Pedro Delgado Alves evocou a ação do antigo Presidente da República Jorge Sampaio na resistência à ditadura e como construtor da democracia pluralista e pediu atenção aos cidadãos instrumentalizados pelo populismo.

“Comemorar o 25 de Abril é, em primeiro lugar, honrar a memória dos que resistiram, sofreram e tombaram para que a liberdade fosse possível. No ano em que os dias em democracia superam o número de dias em ditadura, deu-se a coincidência dessa data ocorrer a 24 de março, dia da revolta estudantil que mobilizou a juventude contra quem a privava do seu futuro”, declarou Pedro Delgado Alves no discurso que proferiu na sessão solene.

E a esta primeira referência a Jorge Sampaio seguiu-se uma prolongada salva de palmas por parte dos deputados, com os socialistas a aplaudirem de pé.

Para o antigo líder da JS, Jorge Sampaio, que morreu em 10 de setembro passado, “demonstrou nesse 24 de março de 1962, que já era um homem livre antes da liberdade raiar, nunca se vergando perante a opressão e a injustiça, não tendo medo de arriscar quando o que se arriscava era a vida e o futuro”.

“Desde esses dias com os colegas na Alameda da Universidade, perante a arbitrariedade dos tribunais plenários que enfrentou, e na sua vida de incansável construtor da democracia, como tribuno nesta Assembleia, como autarca no poder local, ou na Presidência da República, Jorge Sampaio junta-se aos eternos que tanta falta nos fazem para recordar que o respeito, a cordialidade e a convivialidade são essenciais à democracia”, afirmou.

Através de Jorge Sampaio, o dirigente da bancada socialista prestou depois homenagem aos republicanos, anarquistas, comunistas, socialistas, monárquicos, liberais e democratas de outras extrações que “mantiveram acesa a chama da esperança de um Portugal livre, desamordaçado enfim, como Mário Soares exigiu e ajudou a concretizar”.

Neste contexto, Pedro Delgado Alves defendeu que honrar o 25 de Abril “é, também, não esquecer que as contradições e tensões que se enfrentaram” em 1974 e em 1975 “e arriscaram fraturar o país durante o processo revolucionário”, mas que “foram superadas pelos decisores de então, ninguém excluindo, todos conquistando para a democracia, sarando as feridas e privilegiando aquilo que nos une e que a todos orgulha”.

“Não erremos hoje, fora de tempo, onde Soares, Sá Carneiro, Cunhal, Freitas do Amaral, Melo Antunes e Ramalho Eanes não falharam”, frisou.

No seu discurso, o deputado socialista e professor universitário comparou o Portugal antes da revolução de Abril e o país de hoje.

“Uma menina que nasça em abril de 2022, não se confrontará com um regime que lhe diz que não pode ser juíza ou diplomata, que a sujeita ao marido como chefe de família, que não a protege da violência e que lhe determina um papel social do qual não poderá escapar; uma menina que nasça em abril de 2022, não terá de desafiar uma taxa de mortalidade infantil que envergonha o seu país, e poderá encarar o futuro com uma esperança de vida de 81 anos, sabendo que terá o SNS do seu lado para enfrentar o que surgir pela frente”, disse.

Pedro Delgado Alves concluiu, depois, que foi “graças ao 25 de Abril que se pôde concretizar o desejo do país de aderir ao projeto democrático europeu e de vencer o atraso a que esteve condenado”.

“Sozinhos, de costas voltadas entre nós e de forma individualista, não teríamos percorrido tantas décadas em tão poucos anos.  Sozinhos, fechados nas nossas fronteiras de costas voltadas para a nossa Diáspora e para as comunidades de imigrantes que connosco partilham o seu destino, não nos teríamos enriquecido da mesma forma. Sozinhos e de costas voltadas para a Europa ou para quem partilha a nossa língua, não teríamos alcançado o respeito da comunidade internacional e das democracias do mundo”, sustentou.

A seguir, deixou uma advertência: “Em dias de ameaças populistas e de recurso à simplificação do que é complexo para instigar ressentimentos entre os cidadãos, a qualidade das instituições democráticas nunca foi tão importante, o respeito pelo outro nunca foi tão fundamental, a preservação do Estado social nunca foi tão decisiva para nos imunizar contra esses riscos”.

“Muitos dos inconformados com o que ainda falta fazer, desiludidos com os sonhos ainda por realizar ou descontentes com a qualidade da democracia não são inimigos de Abril, mas correm o risco de ser manipulados ou instrumentalizados por aqueles que o são”, acentuou.

Para Pedro Delgado Alves, “a este desafio dentro de portas, acresce ainda a cada vez maior urgente necessidade de solidariedade para com aquelas que mundo fora precisam de nós na defesa conjunta de uma ordem internacional baseada em regras comuns, onde se abandona a lei do mais forte”.

“Não há qualquer espírito de Abril na força bruta para resolver diferendos, nem no desrespeitar da soberania e da integridade dos povos vizinhos”, acrescentou, aqui numa referência à intervenção militar russa na Ucrânia.

IL

A Iniciativa Liberal defendeu que “falta a Portugal o inconformismo de Abril para romper a estagnação” e usou a guerra na Ucrânia para evidenciar que “a democracia é difícil de conquistar mas fácil de perder”.

“Falta a Portugal o inconformismo de Abril para romper a estagnação. Abril confiou-nos esta difícil missão: a de continuar a querer saber – da política, de Portugal, da Europa e do Mundo. A de continuar a querer saber do futuro”, disse o deputado Bernardo Blanco.

“Como Abril nos demonstrou e a Guerra na Ucrânia nos confirma, a democracia é difícil de conquistar, mas fácil de perder”, vincou. Para o jovem liberal, o 25 de Abril foi o “dia despertador”.

“O 25 de Abril, um legado maior que todos nós cujo único dono é o povo português, é o dia despertador. É o espírito que nos acorda do longo sono de ontem em busvca de um melhor amanhã. Portugueses, vamos voltar a querer saber, Vamos com o inconformismo de Abril romper a estagnação”, declarou.

Chega

Já o presidente do Chega, André Ventura, considerou, na sessão comemorativa da Revolução dos Cravos, que “tanto falhou Abril” e pediu ao Presidente da República para não condecorar “aqueles que torturaram, mataram e expropriaram”.

“Hoje devíamos olhar para os portugueses e dizer desculpem porque falhamos. Falhamos na justiça que construímos, falhámos no império que se dissolveu e que deixou outros países à sua mercê e famílias à sua sorte, nos jovens que querem emigrar como nunca no país que lhes tinha prometido ser o país da prosperidade, falhamos aos pensionistas e reformados que têm o pior poder de compra da União Europeia”, afirmou.

André Ventura dirigiu-se ao Presidente da República, a quem pediu que “não condecore aqueles que torturaram, mataram e expropriaram em Portugal”, defendendo que “quem cometeu atos terroristas, quem patrocinou e promoveu nacionalizações e expropriações não pode ser um herói, tem de ser considerado aquilo que é, um bandido”.

“E nós devemos tratar os bandidos como bandidos, que é isso que são”, criticou o deputado do Chega.

PCP

O PCP insurgiu-se contra a “imposição do pensamento único” e a “hostilização de quem livremente emite uma opinião divergente”, rejeitando o que considera serem “tentativas de intimidação” do partido com a finalidade de silenciar a sua intervenção.

“A tentativa de imposição do pensamento único, o levantamento de novas censuras, a hostilização de quem livremente emite uma opinião divergente daquela que é ditada pela ideologia dominante são perigosos elementos de ataque ao regime democrático e, por isso, têm como alvo os seus mais firmes defensores, os comunistas e outros democratas, visando silenciar a sua intervenção”, disse a líder parlamentar comunista, Paula Santos.

A deputada assinalou que o 25 de Abril “é patrimônio do povo português, mas nem todos forma obreiros na sua construção”.

“Cabe a todos os democratas defendê-lo. Da parte do PCP (…), contra tentativas de intimidação reafirmamos o compromisso de hoje e de sempre contra o fascismo e a guerra, pela paz, a liberdade”, sublinhou a membro do Comité Central do PCP.

Paula Santos criticou o “descarado aproveitamento da guerra e das sanções como pretexto para maior acumulação” de lucros por parte dos grupos econômicos, cuja culpa imputou ao Governo de António Costa e à direita: “Recusam essa resposta e insistem em impor aos trabalhadores e ao povo que paguem a fatura da guerra e das sanções”.

Em quase cinco décadas desde o 25 de Abril de 1974, prosseguiu a líder da bancada comunista, “houve sempre quem não se conformasse com as conquistas de Abril tenha procurado limitar e reduzir o seu alcance”, tentativas que na opinião da deputada traduzem um “verdadeiro ajuste de contas” através de retrocessos nas conquistas da revolução.

“Ouvem-se hoje por aí velhas ideias, mascaradas de modernas, com o objetivo de subverter o regime democrático e de liquidar a Constituição submetendo-a aos dogmas liberais, em benefício dos grupos econômicos e do seu domínio, atacando direitos e impondo mais exploração e empobrecimento aos trabalhadores e ao povo. O que se impõe é concretizar os direitos que a Constituição inscreve e que constituem o rumo necessário para um Portugal com futuro”, argumentou Paula Santos.

A deputado considerou também que “há quem procure branquear o que foi o fascismo”, descrevendo-o como “corrupção como política de Estado por via da fusão do político com o poder econômico, sustentando nos monopólios e nos latifúndios, o saque dos recursos nacionais a favor daqueles interesses”, enquanto a população era “a pobreza e a miséria, a negação de liberdades, o analfabetismo, a falta de cuidados de saúde, colonialismo, o racismo, a guerra, a discriminação das mulheres”.

“Não deixamos que se esqueça para que nunca mais volte”, concluiu.

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