O grande desafio da luta contra o terrorismo

Por Carlos Fino

TragediaFranca

Fluctuat nec mergitur – A locução latina do brasão de Paris pode bem servir de orientação para o que se impõe agora fazer depois da tragédia da passada sexta-feira, quando uma série de ataques terroristas coordenados ceifaram a vida a pelo menos 132 pessoas e deixaram centenas de outras feridas, 100 das quais em estado crítico – o  maior derramamento de sangue ocorrido na capital francesa desde a última guerra mundial.

Estes atentados foram o momento “Torres Gémeas” da França e percebe-se a indignação sem limites que suscitaram e a vontade de retaliar. Quer o presidente  François Hollande, quer o primeiro ministro Manuel Valls insistiram que o país “está em guerra contra o terrorismo” e não se deixará intimidar.

Foi reintroduzido o controlo de fronteiras e no contexto do estado de emergência entretanto declarado, as organizações policiais passaram a ter mais poderes para realizar buscas, restringir movimentos, efetuar detenções e interrogatórios.

São medidas necessárias e compreensíveis. O perigo é que, invocando a “guerra contra o terrorismo” e a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos com o Patriotic Act, se possa ir longe demais, acabando por restringir seriamente as liberdades que são o distintivo da civilização ocidental e em nome das quais se trava o combate. Medidas excepcionais como as que se tomaram, por exemplo, em Guantánamo – onde durante anos foram mantidos num limbo jurídico à margem de toda a legalidade muitos prisioneiros sem culpa formada – não têm justificativa à luz dos princípios do Estado de Direito.

Explorando a onda de indignação suscitada pelos crimes terroristas e visando ganhos imediatos nas eleições locais do próximo mês, forças políticas mais conservadoras como o Front National, de Marine Le Pen,  já pedem mais: regresso definitivo das fronteiras, detenção preventiva de suspeitos e restrições drásticas à imigração.

Noutros países do velho continente, como a Polónia e a Eslovénia, por exemplo, também de imediato se ergueram vozes pedindo medidas restritivas contra os imigrantes e pondo até em causa o que nesta área já foi aprovado pela União Europeia.

A investigação policial já realizada indica, porém, que embora de origem árabe, os envolvidos na matança não vieram de fora – são jovens cidadãos franceses, pessoas que a República francesa, apesar da sua política de assimilação, por alguma razão não conseguiu integrar  e se tornaram por isso vulneráveis à propaganda jihadista. E vulneráveis a ponto de se tornarem numa espécie de quinta coluna do Estado Islâmico, não hesitando matar a sangue frio dezenas dos seus compatriotas e estando também disponíveis para morrer, como mostra o facto de irem equipados com cintos de explosivos. Uma realidade que impõe séria reflexão e medidas corretivas.

Alguma coisa terá de ser revista também na frente externa. Designadamente, o fomento de grupos radicais para serem utilizados como arma política ao sabor das conveniências – grupos que, como aconteceu no Afeganistão, acabam muitas vezes por sair fora de controlo; a complacência com que são tolerados regimes como o da Arábia Saudita que apoiam correntes islamistas radicais e ainda a facilidade com que se derrubam governos que na realidade poderiam ser aliados contra o extremismo islâmico, como aconteceu no Iraque e na Líbia e esteve a ponto de suceder também na Síria.

O reforço da luta contra o terrorismo, através, por exemplo, de uma troca mais ágil de informações entre os serviços de segurança, é uma necessidade evidente. Mas medidas como essa têm que ser temperadas com a necessária clarividência.  É nos momentos de maior gravidade que se impõe mais cabeça fria. Sob pena de se insistir em políticas que gerem mais rejeição interna e, no plano externo, migrações em massa que acabam, como estamos agora a assistir, por suscitar na Europa um reflexo condicionado de regresso às fronteiras nacionais, com o perigo de ressuscitar os  velhos demónios que já por duas vezes mergulharam o continente  no abismo da guerra.

Fluctuat nec mergitur – lema de resiliência, significando literalmente “abalada pela ondas, mas sem nunca afundar”, a divisa parisiense indica-nos também o caminho : resistir aos embates, preservando o essencial, não permitir que os acontecimentos mudem a alma da cidade e, por extensão, da própria França – o seu espírito livre. Reforçar a segurança, preservar a liberdade – este é o grande desafio da luta contra o terrorismo.

 

Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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