Falta de resposta da União Europeia gera indignação na Itália

Da Redação
Com Lusa

A “timidez” e as “palavras erradas” da União Europeia sobre a ajuda aos Estados-membros face à emergência sanitária suscitou indignação na Itália, com 72% dos italianos a afirmar numa pesquisa que a Europa ainda “não contribuiu nada”.

O aviso foi deixado nesta segunda-feira, mais uma vez, pelo primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, numa entrevista ao jornal espanhol El Pais: “A UE aproxima-se de um ponto de não retorno em relação à confiança dos seus cidadãos”.

“Há um risco evidente [de esta crise dar alas] aos instintos nacionalistas em Itália, mas também em Espanha e em todo o lado. Serão muito mais fortes se a Europa não estiver à altura”, afirma Conte, depois de repetir que a crise representa “um desafio histórico para Europa”.

Giuseppe Conte, cujo país é o mais afetado da Europa pela pandemia, já tinha manifestado a sua irritação no Conselho Europeu extraordinário de quinta-feira passada, ao rejeitar as “medidas tímidas” previstas para apoiar as economias dos 27 e exigindo uma “solução adequada”, com instrumentos financeiros verdadeiramente “adaptados a uma guerra”, no prazo de 10 dias.

Conte reagia à oposição de quatro Estados-membros à criação de um instrumento europeu comum de emissão de dívida, defendido por ele próprio e oito outros chefes de Governo europeus, entre os quais o primeiro-ministro português, António Costa, para fazer face a “um choque externo, pelo qual nenhum país é responsável, mas cujas consequências negativas são sofridas por todos”.

A indignação voltou a aumentar no fim de semana, depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, ter afirmado que os ‘coronabonds’, como estão a ser designados os eventuais títulos comuns de emissão de dívida comum para fazer face à pandemia, são “apenas uma palavra popular nesta altura” e que são justificadas as reservas dos quatro países que se opõem (Alemanha, Áustria, Finlândia e Holanda).

As palavras de Von der Leyen, numa entrevista à agência alemã DPA, foram “as palavras erradas”, condenou o ministro da Economia italiano, Roberto Gualteri.

Von der Leyen retificou mais tarde que a Comissão não exclui nenhuma opção dentro dos limites do Tratado.

Numa sondagem publicada no domingo em Itália, 72% dos inquiridos afirmam que a UE não deu até ao momento “nenhuma contribuição” para fazer face à crise de covid-19.

Para quatro em cinco italianos (77%), “a relação com a UE continuará a ser conflituosa” e “não beneficiará a Itália”, segundo a mesma sondagem, que concluiu ainda que a percentagem dos que se consideram “europeístas convictos” caiu 15%, de 64% para 49%.

Várias foram as figuras políticas italianas que criticam a postura da UE.

O Presidente da República, Sérgio Mattarella, pediu à UE para tomar “decisões financeiras positivas e decisivas” ultrapassando “sistemas antigos desligados da realidade”.

O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, apelou à solidariedade europeia como condição de sobrevivência da UE e lamentou, em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera: “Penso que alguns países não perceberam a dimensão da catástrofe que nos desafia e não estão cientes da gravidade da situação para as suas próprias economias”.

Já o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, advertiu que “o projeto europeu corre o risco de naufragar”, lamentando que a atual discussão entre Estados-membros, “embora absolutamente legítima, não está adaptada à situação que vivemos”.

O antigo presidente da Comissão Europeia e antigo primeiro-ministro italiano, Romano Prodi, criticou fortemente a Holanda, um dos que se opõem aos ‘coronabonds’, numa entrevista a uma televisão italiana após o Conselho Europeu, acabando a questionar: “Se uma grande crise acontecer, a quem vão vender tulipas?”.

“Ou estamos juntos ou desaparecemos do mapa do mundo”, avisou Prodi.

Várias outras vozes criticaram a falta de medidas europeias mais eficazes, entre as quais a do ex-presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, considerado um dos “pais” da UE, atualmente com 94 anos e há muito retirado da vida política.

“O clima que parece reinar entre os chefes de Estado e de Governo e a falta de solidariedade europeia representam um perigo mortal para a União Europeia”, disse o ex-ministro da Economia francês, que presidiu à Comissão Europeia entre 1985 e 1995, numa rara declaração pública divulgada pelo instituto que fundou com o seu nome.

O novo coronavírus já infetou mais de 727 mil pessoas em todo o mundo, perto de 35 mil das quais morreram.

O continente europeu, com mais de 396 mil infetados e perto de 25 mil mortos, é aquele onde se registra atualmente o maior número de casos, e a Itália é o país do mundo com mais vítimas mortais, com 10.779 mortos em 97.689 casos confirmados até domingo.

Na última semana, o primeiro-ministro de Portugal advertiu que a União Europeia corre o risco de acabar se não enfrentar corretamente os efeitos econômicos e sociais da pandemia.

“A União Europeia ou faz o que tem de fazer ou a União Europeia acabará. Acho que só as pessoas que não têm a menor sensibilidade ou a menor compreensão do que é esta realidade dramática que estamos neste momento a enfrentar – perante dramas como o da Itália ou da Espanha, e em todos os países e na Holanda também – é que é possível dizerem que é preciso ir saber porque é que a Itália e a Espanha não têm condições orçamentais para enfrentar estas situações”, frisou António Costa.

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