Entrevista: Paulo Lourenço deixa Consulado em São Paulo e enaltece experiências no Brasil

Por Igor Lopes

Após seis anos, o consulado-geral de Portugal em São Paulo está mudando de comando. Paulo Lourenço deixou este mês o cargo de cônsul-geral depois de implementar medidas que facilitaram a vida dos utilizadores desse serviço consular. Ativo nas redes sociais, o diplomata divulgou mensagem emocionada de despedida sublinhando que o consulado em São Paulo “não seria o que é sem os seus funcionários e funcionárias” e que “foi um verdadeiro privilégio servir Portugal e a comunidade luso-brasileira em São Paulo, num dos mais modernos e bem equipados serviços públicos”.
Acostumado com o Brasil, e com a sua dimensão, esse responsável garante acreditar na recuperação do orgulho, da política e do povo brasileiro neste processo difícil pelo qual passa o país. Antes de entregar o bastão ao seu sucessor, Paulo Lourenço conversou com o Mundo Lusíada, contou sobre as principais mudanças no consulado, a aposta na comunicação social, ressaltou a sua ligação ao país que lhe acolheu, comentou a atual ligação entre brasileiros e portugueses, e revelou os motivos pelos quais respeita, cada vez mais, a comunidade luso-brasileira.

Quando assumiu funções?

Em abril de 2012.

Desde então, quais foram os seus principais desafios?

Melhorar a qualidade do serviço público prestado pelo Consulado-Geral à comunidade luso-brasileira e aos seus utentes, reforçar a sua proximidade com as pessoas através de uma comunicação mais abrangente e interativa e, por outro lado, elevar a visibilidade de atuação e ambição nos planos político, cultural, social e empresarial nesta jurisdição.

Que momentos mais recorda?

Difícil destacar um entre tantos, considerando o carinho e o apoio com que aqui fomos recebidos desde o primeiro dia. Mas, eu diria, num plano pessoal, o nascimento da minha filha em São Paulo e, num plano mais institucional, a cerimônia de cessão da posse da futura Escola Portuguesa, na presença dos Senhores Presidente da República e Primeiro Ministro de Portugal.

Como avalia a comunidade portuguesa em São Paulo?

Passados mais de seis anos de convívio estreito e permanente, permito-me concluir que é a mais ativa do Brasil. Quer estejamos a falar das numerosas associações da região metropolitana de São Paulo, da coesa e atuante comunidade de Santos, da Casa de Portugal de Campinas ou mesmo até de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, que faz igualmente parte da nossa jurisdição, entre muitas outras, ali encontramos instituições, personalidades e lideranças ativas, orgulhosas e empreendedoras. Além de aliada fiel na defesa e valorização da nossa cultura e presença, a comunidade luso-brasileira de São Paulo é generosa na sua dedicação, qualquer que seja o cônsul em funções ou o partido que esteja no governo. Por outro lado, tal como outras comunidades no Brasil, ela será crescentemente chamada a se adaptar a uma sociedade bem diferente, aproveitando o momento único de redescobrimento que se vive entre Portugal e Brasil para se reinventar. O número crescente de duplos nacionais e o intercâmbio cada vez maior entre os dois países poderão oferecer, a esse respeito, uma janela de oportunidade.

Que experiências em São Paulo pode destacar?

O empenho, o carinho, a amizade e a solidariedade são traços distintivos da nossa comunidade em São Paulo e em Mato Grosso do Sul. Esta é uma comunidade de pessoas e para pessoas, capaz de ser irrepreensivelmente institucional e sinceramente afetiva, tão respeitosa quanto sincera. Foi um privilégio conhecê-la. Levo no coração muitas memórias, das muitas visitas oficiais às numerosas celebrações da comunidade, passando pela recordação grata e inesquecível de personalidades que me marcaram e me são hoje muito queridas. São muitas. Sem querer distinguir ninguém em particular, já tive a ocasião de o fazer na comovente despedida que o Conselho da Comunidade, a Casa de Portugal e a Câmara Portuguesa me fizeram, e à minha mulher, em julho, permitia-me apenas lembrar todos os que fizeram ou fazem parte do Conselho Consultivo.

Que ações da sua gestão gostaria de sublinhar?

O principal juiz deste mandato são os utentes e a comunidade que servimos. A eles competirá fazer essa avaliação. Mas as prioridades que estabeleci foram muito claras desde o início: “afinar” a máquina administrativa num período de grandes restrições orçamentais, procurando sempre evitar os riscos de desumanização de um atendimento mais sofisticado; a qualidade do serviço público prestado foi sempre essencial na organização interna e na relação com as pessoas; por outro lado, sem buscar a todo o tempo excelência na resposta, dificilmente poderíamos ser credíveis ao apresentar um Portugal mais moderno e atraente; depois da máquina estar mais “afinada” e de a levarmos cada vez mais perto das pessoas através das permanências consulares, que foram uma revolução de proximidade para o serviço consular: desde 2013, as permanências consulares já percorreram 80.560 quilômetros, foi feita uma aposta sistémica na comunicação social do Consulado-Geral, que hoje dispõe da maior rede de ferramentas de interação de toda a rede consular: site, Facebook, Twitter, Instagram, Youtube e um aplicativo pioneiro para smartphones. Por fim, reforçar a todos os níveis a presença, protagonismo, visibilidade e alcance de Portugal nesta que é capital econômica e cultural do Brasil e a maior cidade de língua portuguesa do mundo. Destacaria, a este respeito, o ritmo impressionante de visitas oficiais a São Paulo, a criação e afirmação da chancela Experimenta Portugal, hoje já parte do calendário oficial paulista, e a criação da futura Escola Portuguesa.

Muito se fala da mudança da relação entre Portugal e Brasil, por meio da atuação do consulado português em São Paulo. Pode explicar como foi feito esse trabalho de aproximação entre o governo português e a comunidade luso-brasileira na maior cidade do Brasil?

A comunidade portuguesa sempre foi a sentinela de defesa do nosso legado, patrimônio e cultura no Brasil, mesmo num passado muito distante quando a intensidade de relações entre os dois países era menor. O papel do Consulado-Geral em São Paulo foi propor uma leitura mais alargada e contemporânea da sociedade e cultura portuguesas, ao mesmo tempo que, junto com as associações e lideranças associativas, incluindo a importante Câmara Portuguesa de Comércio, se procurava fazer o resgate da nossa presença centenária nesta metrópole desde a sua fundação. Esta aliança, juntamente com o empenho continuado do Estado português, e dos Governos e da Embaixada, permitiu construir uma identidade portuguesa forte, tão assente na tradição quanto na modernidade. Por outro lado, os brasileiros foram redescobrindo Portugal, visitando-o, investindo, morando ou lá colocando os seus filhos para estudar, o que ajudou a desfazer estereótipos mútuos e a criar uma vaga de curiosidade e de interesse sem precedentes.

O consulado em São Paulo teve como foco, além do trabalho diplomático, divulgar a cultura e turismo de Portugal a um público novo. Todos os objetivos foram atingidos?

Não me compete fazer balanços definitivos sobre a atuação do Consulado-Geral, até porque essa estratégia depende da concertação com outras instituições como o Turismo de Portugal, o Instituto Camões, a Embaixada e a própria Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Além disso, os resultados são mais um processo de longo prazo do que uma realização isolada; mas atrevo-me a devo dizer que hoje existe uma convergência clara de atuação destas várias instituições que muito reforçou a mudança e a unidade de percepção a que se refere. Conforme tenho dito muitas vezes, em todo o caso, o investimento assumidamente feito pelo nosso consulado na sua comunicação social e na interação com a sociedade paulista permitiu que se maximizasse a imagem internacional mais favorável de que Portugal começou a usufruir nos últimos três anos.

Que legado deixa no Brasil após a sua gestão?

Deixo esse balanço para quem nos observou, em especial a comunidade luso-brasileira, mas atrevo-me a pensar que estes seis anos não foram desperdiçados. Saio daqui convencido de que Portugal está hoje definitivamente no mapa dos paulistas; persuadido de que dispomos de um verdadeiro sistema português no estado de São Paulo, em que Consulado-Geral, Câmara Portuguesa, Conselho da Comunidade e AICEP formam uma plataforma coerente e mais coesa de defesa dos interesses de Portugal e da luso-brasilidade na mais competitiva das cidades brasileiras e latino-americanas, a que deverá juntar no futuro a importante Escola Portuguesa, a primeira do seu gênero no Brasil; saio ainda com a certeza gratificante de que o Consulado-Geral se distingue pela qualidade e eficiência de serviço, pelo seu dinamismo e sustentabilidade, de que destaco o projeto Consulado Verde, pela sua robusta presença nas redes sociais e no relacionamento com as instituições públicas e privadas e pela resiliência do seu modelo de funcionamento que lhe permitiu, no período em que a maior procura do seus serviços coincidiu com cortes orçamentais e perda de funcionários, exibir os índices mais elevados de produtividade per capita de toda a rede consular, mais atos, mais receitas, mais cidadanias, mais vistos de estudo.

O aumento de pedidos de nacionalidade portuguesa no seu consulado tem a ver, na sua opinião, com a eficácia do serviço que foi transformado em São Paulo e em Santos?

Um fator alimenta o outro. Quanto mais eficaz, maior a demanda. Quanto maior o atraso, maior a tendência das pessoas para procurarem alternativas diretamente nas Conservatórias em Portugal ou através de despachantes.

O nosso jornal já abordou a questão da projeção de crescimento da comunidade portuguesa em São Paulo, principalmente em Santos. Existe, na sua opinião, outra localidade no Brasil com perspectiva de crescimento a exemplo do que acontece em São Paulo?

A realidade que conheço melhor é a desta jurisdição. E, de fato, a Baixada Santista tem potencial inato para crescer muito nos próximos anos.

As permanências consulares vão continuar em regiões mais remotas?

Competirá ao próximo Cônsul-Geral, em conjunto com a Direção Geral de Assuntos Consulares, definir eventuais mudanças a esse respeito, mas admito que o atual mapa se mantenha no seu essencial, com as variações pontuais que aqui já vínhamos ensaiando. Em 2017, para ter uma ideia, as permanências consulares percorreram mais de 18.210 quilômetros nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Atualmente, são muitos os brasileiros querendo morar em Portugal. Como vê esse momento de ‘fuga’ de muitos cidadãos brasileiros e luso-brasileiros para o seu país?

Não o vejo necessariamente como uma fuga. São muitas as razões e circunstâncias que animam o atual movimento de brasileiros para Portugal, de resto marcado por uma grande diversidade de perfil socioeconômico e por uma multiplicidade de modos de instalação: estadas curtas, estadas maiores, residência fiscal, investimento, acompanhamento dos filhos que ali estudam, e com uma maior incidência de profissionais, de classe média e classe alta. Essa diversificação e qualificação da presença brasileira são em meu entender muito bem-vindas quer para a relação bilateral, quer para a economia e demografia portuguesas.

Sabemos que ficou no Brasil por mais de seis anos e que aqui criou os seus filhos. Qual é a sua relação com o Brasil? Que imagem leva deste país?

Serei sempre um observador apaixonado deste país, de que conservarei sempre gratas memórias e muitos amigos. Aqui nasceu a minha filha, aqui criei os meus dois filhos. Foi uma experiência profissional, pessoal e familiar única e receio que, no futuro, tenha a tentação de comparar tudo o que vier a fazer com estes anos felizes que aqui passamos. Poucos povos são tão alegres, hospitaleiros, acolhedores e joviais. Como muitos sabem, continuo a acreditar no Brasil e nos brasileiros, sem partitura o digo, lembrando que este país é continental e que as boas notícias não fazem a capa dos jornais quanto as más notícias. O Brasil é um país muito complexo, cuja leitura não é compatível com avaliações fáceis, precipitadas ou remotas. E como dizia Antônio Carlos Jobim, não é de fato para principiantes. Nós, portugueses, temos uma obrigação histórica de o entendermos melhor. Acredito aliás que esta relação entre os dois países está numa fase excelente, tendência que me parece poder vir a acentuar-se nos próximos anos por várias razões.

Qual será o seu futuro profissional?

O meu futuro profissional a Deus pertence… e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Nas redes sociais, é um cônsul atuante. Ao contrário do que fazem outros diplomatas, o senhor consegue mostrar-se disponível e registra momentos em família. Acredita que as mídias sociais podem e devem ser utilizadas pelos gestores e políticos para promoverem também as ações que podem beneficiar a população? Como enxerga a importância das novas tecnologias no processo diplomático?

Acredito que hoje não podemos ignorar o seu poder e os seus riscos. Nesse sentido, quer os decisores políticos, quer os diplomatas devem fazer uso inteligente e ativo das redes, com as condicionantes naturais que a natureza institucional das suas funções exige. O Ministérios dos Negócios Estrangeiros português tem vindo a fazer a este respeito uma aposta muito grande. Conforme já notei, este é provavelmente o Consulado-Geral mais ativo nas redes sociais em São Paulo e no Brasil. Além das vantagens funcionais da sua utilização, há uma questão de responsabilidade social e política no uso das redes sociais que é a de combater a desinformação e as fake news que por ali também proliferam. Isso é uma obrigação de todos, incluindo políticos e diplomatas. A única forma duradoura de contrariar as fake news é com mais literacia midiática, com mais educação e com mais sentido de cidadania.

Também nas redes sociais anunciou o lançamento do seu mais novo livro de poesia, na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Fale um pouco sobre a obra e sobre a sua veia literária.

Desde muito jovem que escrevo ficção e poesia, sendo este o meu terceiro livro de prosa poética e o primeiro publicado no Brasil. Dedico-o aliás a São Paulo. Escrever, a par de trabalhar, é uma necessidade quase fisiológica, sem a qual não me sentiria completo. Tive a felicidade de que este livro fosse ilustrado por um artista que muito admiro, o Fernando Lemos. Às vezes tenho a sensação que o escrevi apenas para que ele o pudesse ilustrar.

Por fim, quem será o novo cônsul português em São Paulo?

Será o Dr. Paulo Nascimento, atual embaixador de Portugal no Senegal. O Consulado-Geral em São Paulo ficará em muito boas mãos.

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