Em debate, Primeiro-Ministro diz estar na ‘Geringonça’ com o coração e a cabeça

Da Redação
Com Lusa

No parlamento português, o primeiro-ministro afirmou que a ‘Geringonça’ está “sem duplicidade” no “coração e na cabeça” do Governo, salientando depois que esta solução política começou a ser construída com PCP e PEV, juntando-se depois o Bloco de Esquerda.

Esta referência à história política da atual solução governativa foi transmitida por António Costa no debate sobre o estado da nação na Assembleia da República, após o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, ter perguntado ao primeiro-ministro se a ‘Geringonça’ está também no coração do PS.

Pedro Filipe Soares insurgiu-se contra afirmações proferidas por dirigentes socialistas em que se carateriza como eleitoralismo a adoção de medidas para o aumento das pensões e dos salários, combate à precariedade laboral ou proteção dos direitos dos trabalhadores.

O primeiro-ministro respondeu ao líder parlamentar do Bloco de Esquerda alguns minutos depois: “A Geringonça está não só no nosso coração, como também na nossa cabeça, com a mesma determinação como a começamos a construir com o PCP e PEV, que com satisfação vimos juntar-se o Bloco de Esquerda”.

“Estamos não só com o coração, mas também com humildade e sem duplicidade. É assim que continuaremos até ao fim”, declarou António Costa, recebendo uma prolongada salva de palmas do PS.

Antes desta resposta do primeiro-ministro, a deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua tinha sinalizado a disponibilidade da sua força política para negociar o próximo Orçamento do Estado, apesar de detetar indícios do Governo sobre uma preferência para entendimentos com o PSD de Rui Rio ou com as confederações patronais. “O Bloco de Esquerda nunca faltou a esta maioria parlamentar. Resta saber se o PS vai falhar à esquerda”, advertiu a dirigente bloquista.

Pela parte do PCP, o líder parlamentar, João Oliveira, exigiu ao primeiro-ministro que o seu executivo esclareça “que opções tomará” em breve, criticando o estado dos serviços públicos, em particular os da saúde.

“O Governo vai travar as pressões dos grupos privados da saúde ou continuará a adiar as medidas necessárias?”, questionou o presidente do Grupo Parlamentar do PCP, que aproveitou para atacar a tese do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, segundo a qual, citado pelo próprio João Oliveira, “o principal compromisso do Governo é com as regras da União Europeia”.

Também pelo PCP, Ana Mesquita disse registrar a promessa do primeiro-ministro de que a cultura terá em 2019 o maior orçamento de sempre, mas quis saber se isso significa que atingirá 1% do Produto Interno Bruto.

Pela parte da oposição, a intervenção mais dura com o executivo socialista partiu do deputado do CDS-PP Telmo Correia, considerando que António Costa “continua em espírito de fábula no país das maravilhas”.

Telmo Correia referiu depois que a fábula que se aplica ao atual Governo é a do “velho, o rapaz e o burro”. “Este Governo ora cavalga um, ora cavalga outro. No fim acaba tudo pior do que estava antes, com ‘cada cabeça sua sentença’ e a coisa vai correr mal. E quem pagará a fatura seremos todos nós”, advertiu.

Antes da deputada social-democrata Margarida Mano se insurgir contra a situação dos setores da educação, da ciência e da cultura, o ex-secretário de Estado Emídio Guerreiro confrontou o primeiro-ministro com a situação de ruptura existente na CP (Comboios de Portugal), com António Costa a invocar uma herança de falta de investimento que forçará a empresa pública no plano imediato a recorrer ao aluguel de material circulante até que sejam adquiridas por concurso novas composições.

Emídio Guerreiro, na sua intervenção, acusou também o Governo de ter reduzido o investimento público em cerca de 500 milhões de euros acumulados entre 2016 e 2017. “A falta de investimento nos serviços públicos traduz-se no desconforto atual das bancadas que apoiam este Governo”, afirmou o deputado do PSD, numa alusão ao Bloco de Esquerda, PCP e PEV.

‘Geringonça’ esgotada

Já o PSD afirmou que a atual solução de Governo “está esgotada” e classificou a maioria que apoia o executivo como “demagógica e ilusionista”, recusando que a ‘geringonça’ esteja no coração dos portugueses, como tem afirmado Costa.

“Porque estamos em tempo de balanço, só podemos concluir que quem conduz hoje o país é uma maioria que tem tanto de demagógica como de ilusionista, cujo único projeto comum é o desejo de manter as aparências de estabilidade, pois só essa estabilidade lhe garante a manutenção do poder”, acusou o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão.

Para Negrão, a atual solução “nada mais tem para oferecer aos portugueses”, considerando que são cada vez mais evidentes “as grosseiras contradições desta coligação de esquerda, que não hesita em sacrificar o bem-estar comum ao mais elementar instinto de sobrevivência política de cada uma das partes que compõe esta geringonça”.

“Por isso, não se iluda, senhor primeiro-ministro: ao contrário do que diz, esta geringonça não está no coração dos portugueses. E sabe porquê? Porque os portugueses não se deixam levar por conversa fiada, por quem diz uma coisa e faz outra, por quem não honra a sua palavra”, acusou, numa passagem muito aplaudida pela sua bancada, que no final se levantou para aplaudir Negrão.

Na sua intervenção, Negrão defendeu que os atuais resultados econômicos positivos foram alcançados, em alguns casos, “apesar do Governo”, sublinhando que beneficiou de uma conjuntura externa favorável e da ‘herança’ deixada pelo anterior executivo PSD/CDS-PP e lamentando que não tenha aproveitado melhor devido à matriz desta solução governativa.

“Nunca foi fazer, mas sim desfazer. A natureza desta maioria de esquerda é a do escorpião, não resiste a fazer mal quando pode e promete fazer bem”, acusou, apontando como fatos negativos o crescimento português entre os mais baixos da União Europeia, o desemprego jovem e o aumento da carga fiscal indireta.

Negrão sustentou que “a realidade não esconde que esta é uma solução governativa esgotada”, apontando o descontentamento em classes como as dos professores, dos profissionais de saúde ou o descontentamento dos utentes do Serviço Nacional de Saúde e das populações afetadas pelos incêndios do ano passado. “Se isto não é um governo esgotado, então o que é?”, questionou, repetidas vezes.

Dedicando uma parte significativa da sua intervenção de mais de 20 minutos com casos de relatos e denúncias do mau funcionamento no SNS, Negrão acusou o Governo de “desamparar e abandonar os portugueses”, depois de ter deixado o setor em situação de “pré-bancarrota” em 2011. “Os portugueses estão cansados de um governo que foge às responsabilidades, que não assume as trapalhadas e que vai de férias quando as respostas não lhe agradam”, criticou.

O líder parlamentar do PSD fez questão de falar no tema da corrupção, “um câncer da democracia”, considerando que ignorá-lo seria “uma forma infantil e até indigna” de pretender que o problema não existe, embora reconhecendo que “nos últimos tempos têm sido dados passos importantes”.

“Devemo-lo muito a uma imprensa livre que denuncia e dá visibilidade a muitos casos que de outro modo permaneceriam ocultos a coberto das sombras. Mas devemo-lo sobretudo à ação de um Ministério Público autônomo e atuante, relativamente ao qual devemos estar atentos por forma a contribuir para o aperfeiçoamento, reforço e apoio, em cada momento, do trabalho que leva a cabo. Doa a quem doer!”, afirmou.

Negrão explicou qual seria a alternativa do PSD: “Não criamos falsas expectativas aos portugueses, nem prometemos o que sabemos que não podemos cumprir. Também não defendemos que o Estado seja um fim em si mesmo, cada vez mais voraz, que é preciso alimentar”, apontou, elegendo “o valor das pessoas acima de todas as coisas” como DNA do partido.

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