Democracia e corrupção nos discursos dos partidos políticos neste 25 de Abril

Mundo Lusíada
Com Lusa

Pelo segundo ano em pandemia, a sessão solene comemorativa do 47.º aniversário do 25 de Abril no parlamento contou novamente com um número de presenças reduzido por motivos de saúde pública, cabendo ao chefe de Estado a última intervenção da cerimônia.

Neste domingo, o presidente do PSD centrou a sua intervenção na sessão solene do 25 de Abril na Justiça, pedindo “vontade política e ambição” para fazer as reformas necessárias ao país e apontar caminhos a “um regime doente”.

Perante o parlamento, o presidente do PSD começou por fazer um diagnóstico sobre a forma como se chegou aos 47 anos de Abril, considerando não ser de estranhar que “Portugal celebre hoje o nascimento do regime num clima de algum descontentamento e algum descrédito”.

“Se a sociedade muda a grande velocidade, é imperioso que os regimes políticos estejam, também eles, capazes de se adaptar às novas realidades”, referiu.

Rio defendeu que, quando as reformas exigidas pelas mutações sociais não se fazem, “é inevitável o aparecimento de um fosso entre a sua fraca capacidade de resposta e as legitimas aspirações do povo que é suposto servir”.

“Não será, pois, de admirar o crescente divórcio entre os cidadãos e o atual estado do nosso regime que, apesar das virtualidades que em si mesmo encerra, não tem sido capaz de se regenerar e de desenquistar os interesses que o tempo foi instalando”, reiterou.

Para Rio, “tem faltado vontade política e ambição para se realizarem, com a necessária coragem, as reformas que a realidade reclama e a prudência aconselha”.

“Se essas reformas não forem feitas, não será, seguramente, com ‘cordões sanitários’, nem com artigos de opinião radicais, que venceremos os extremismos emergentes”, disse, numa referência implícita ao partido Chega.

PS
O deputado socialista Alexandre Quintanilha afirmou que uma das lições da pandemia da covid-19 foi a de agregar esforços para que exista um mundo mais sustentável, advertindo que ou há ajuda mútua ou a humanidade naufraga.

Esta posição foi assumida pelo cientista e professor universitário na sessão solene, num discurso em que alertou para “a fragilização das democracias”, fenômeno que disse estar a crescer.

“O populismo e a demagogia, fortissimamente financiados, ganham força de forma insidiosa. E os Estados Unidos da América escaparam por pouco”, observou, numa alusão à turbulenta transição de poder de Donald Trump para Joe Biden na presidência dos EUA.

Alexandre Quintanilha sustentou que os desafios do presente “são imensos, são globais, complexos e interdependentes” e “exigem uma sólida união de esforços e de recursos”.

“Ou nos ajudamos mutuamente ou naufragamos todos juntos. É essa também a lição da pandemia. A emergência climática, as desigualdades obscenas, as novas e antigas doenças, a insegurança laboral, a transição demográfica e os conflitos armados não podiam ser mais evidentes”, declarou.

O deputado independente do PS apontou em seguida que se prevê que dois terços das futuras doenças infecciosas sejam transmitidas dos animais ao homem.

“A escravatura atual é diferente e deixou de ser encapotada. As previsões apontam para alterações demográficas profundas com impactos desconhecidos na organização das sociedades. Precisamos de conhecimento, muito mais conhecimento, muito mais partilhado, e em todos os domínios. O digital vai ajudar, mas não chega”, assinalou.

No plano estritamente político, Alexandre Quintanilha frisou que “a multiplicidade e diversidade de visões enriquece o debate democrático” e que “a nobreza da política está precisamente na defesa intransigente da confrontação de ideias”.

“Mas também em conseguir agregar esforços para construir o tal mundo sustentável que todos desejamos. Sempre inspirada na empatia e na solidariedade, e guiada pelo conhecimento e pela coragem. Sim, essa coragem destemida que nos permite renascer todos os dias”, afirmou.

PAN
O deputado do PAN André Silva defendeu que Portugal está “capturado pela corrupção”, responsabilizando o Bloco Central por esta “democracia doente”, num país que “teima em não ter uma lei de criminalização do enriquecimento ilícito”.

André Silva dedicou à corrupção a sua intervenção, sustentando que o “Portugal amordaçado” da ditadura deu lugar ao “Portugal Ressuscitado” do 25 de Abril de 1974, e é hoje um “Portugal capturado”, que “teima em não ter uma lei de criminalização do enriquecimento ilícito”.

Para o porta-voz do PAN, o país está “capturado por interesses instalados que enclausuram a democracia na bolha das opções políticas do Bloco Central e que, tantas vezes, servem apenas algumas pessoas ou grupos, gerando a desilusão e a revolta social que abrem espaço ao oportunismo que vende o ódio, o medo e a institucionalização da discriminação como remédios para curar esta Democracia doente”.

Na sua última intervenção numa sessão solene da Revolução dos Cravos, o deputado, que anunciou a renúncia ao mandato no final desta sessão legislativa, argumentou que Portugal está “capturado pela corrupção e pela falta de transparência, com instituições que vivem bem com o fato de apenas 1,3% das queixas sobre crimes de corrupção darem origem a condenações” e que “vive bem em perder anualmente mais de 18 mil milhões de euros para a corrupção”.

“Repare-se, só durante o tempo desta curta intervenção, a corrupção leva-nos 205 mil euros. Podemos agradecer a quem pouco ou nada tem feito para mudar esta realidade: ao Bloco Central”, ou seja, ao PS e PSD, vincou.

André Silva dedicou a quase totalidade do seu discurso a traçar um retrato do país que “tem a pior pontuação da década no índice de percepção da corrupção, e que é reiteradamente instado por organizações internacionais a adotar as respectivas medidas de combate, é o mesmo país que convive bem com a existência de políticos dirigentes do futebol e com tantas outras situações de conflitos de interesses de detentores de cargos públicos”.

BE
O BE defendeu que o 25 de Abril ficará por cumprir cabalmente enquanto não se encarar “de frente a corrupção”, avisando que a revolta resultante deste fenômeno “é explorada por muitos para fazer crescer o seu negócio político”.

A deputada Beatriz Gomes Dias foi a escolha dos bloquistas para o discurso na sessão solene, pelo segundo ano consecutivo em formato reduzido devido à pandemia.

“Abril também não se cumprirá cabalmente enquanto não encararmos de frente a corrupção. A corrupção é o cimento da injustiça econômica e da desigualdade. Ela mina a democracia, corrói a justiça e ameaça a coesão social”, avisou.

A já anunciada candidata do BE à Câmara de Lisboa nas próximas eleições autárquicas enfatizou que “a corrupção depreda recursos e faz prevalecer as escolhas erradas sobre as escolhas certas”, defendendo que ninguém pode “aceitar pagar” preço destas escolhas erradas.

“A revolta que daí resulta é explorada por muitos para fazer crescer o seu negócio político”, acusou.

No entanto, para a deputada bloquista não podem restar dúvidas que “denúncia da corrupção não pode ser o ‘cavalo de Troia’ de agendas políticas autoritárias de descredibilização das instituições da democracia”, que vêm muitas vezes da parte de “quem mais explicações tem a dar sobre os seus métodos e transparência diante das regras da lei”.

“A falta de vergonha chega ao ponto de termos um advogado que vem de um escritório de planejamento fiscal, a subir a esta tribuna para clamar contra a fuga ao fisco”, atirou, numa crítica implícita ao deputado do Chega, André Ventura.

PCP
O PCP evocou os seis milhões de portugueses que já nasceram depois do 25 de Abril de 1974 e pediu a indignação dos portugueses contra as injustiças, as desigualdades ou a corrupção.

“Quando hoje nos indignamos, nos levantamos contra a injustiça, a desigualdade, a corrupção é porque podemos fazê-lo”, afirmou a deputada comunista Alma Rivera, ao discursar na sessão solene dos 47 anos do 25 de Abril, depois de lembrar as conquistas permitidas pela “Revolução dos Cravos”, a começar pela liberdade.

Depois de citar esses milhões de portugueses – “as mais jovens gerações já são bisnetas dos antifascistas que deram a vida pela libertação” – a parlamentar do PCP fez a defesa das “conquistas de Abril”.

“Todos quantos não viveram Abril de 1974 são chamados a continuá-lo e a defender os direitos com ele conquistados”, afirmou.

“Travamos a batalha pela defesa dos valores mais humanos e mais essenciais, de liberdade e democracia, de igualdade e solidariedade. E não calamos que a pobreza e a miséria, a precariedade e o desemprego são inimigos dos valores de Abril”, disse.

E acrescentou que “a desesperança é o contrário do caminho de Abril”, que “a impunidade da corrupção, dos crimes econômicos e financeiros, dos buracos da banca, da utilização indevida do erário público são afrontas à democracia”, que “o seu maior inimigo é a subjugação do poder político pelo poder econômico e a sua fusão num só”.

IL
A Iniciativa Liberal considerou que “cada vez mais portugueses estão descrentes na democracia e desconfiam da liberdade”, sentindo que o “sistema lhes está a falhar”, acusando a “esquerda sectária” de se achar dona do 25 de Abril.

O deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, afirmou, mais do que uma vez, que os liberais estarão esta tarde na Avenida da Liberdade para celebrar esta data, depois de uma semana de polêmica com a comissão promotora do desfile.

“Queremos celebrar uma data da qual ninguém se pode apropriar. A esquerda sectária, do alto da sua arrogância moral e intelectual, acha que é dona do 25 de Abril. E a direita ambígua permite-o por falta de comparência. A iniciativa Liberal diz presente”, enfatizou, referindo-se ao desfile próprio que os liberais vão manter.

Na perspectiva dos liberais, “cada vez mais portugueses estão descrentes na democracia e desconfiam da liberdade” e “têm razão”, desde os mais pobres aos mais jovens.

“Portugueses de todas as idades sentem que o sistema lhes está a falhar. Têm razão. Ninguém é responsabilizado por atos de incompetência, negligência ou compadrio, enquanto a justiça é lenta e parece estar sempre ao lado dos poderosos”, condenou.

Chega
O deputado único André Ventura considerou que, 47 anos depois da Revolução dos Cravos, Portugal é um “país de contradições” e defendeu que deveria ser celebrado “o luto da democracia”.

“Hoje, os cravos vermelhos deviam ser substituídos por cravos pretos porque é o luto da nossa democracia que hoje devíamos estar a celebrar”, afirmou, na sua intervenção, assinalando que “daqui a duas horas o país fechará todo”, numa referência às medidas de combate à pandemia.

“De norte a sul, restaurantes, cafés, bares e tudo o que tivermos aberto encerrará naquele que é o dia da liberdade”, criticou, considerando que Portugal foi o “país que menos apoiou negócios, empresários famílias”, mesmo havendo “dinheiro para tudo, até para pagar a políticos que estão presos subvenções vitalícias”.

Na sua intervenção, André Ventura afirmou que a democracia “se deteriora, que vai perdendo qualidade de tal maneira que um jornal esta semana dizia que só 10% acredita em plena democracia”.

“Grande Abril que nos deram, grande revolução que nos transmitiram ao fim de 47 anos de um país que já não acredita e de um país que já quer muito mais do que aquela manhã de abril”, atirou, apontando que “metade do país acha hoje que está pior do que antes de 25 e Abril”.

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