Crise econômica contém salários em Portugal e governo dicute demissão de funcionários

Da Redação
Com agencias

Milhares marcham em Lisboa em frente ao Parlamento. MIGUEL A. LOPES/LUSAPelo segundo ano consecutivo, os salários pagos pelas empresas em Portugal diminuíram. A queda é “devido ao efeito da substituição de colaboradores [empregados] contratados com níveis salariais mais baixos para as mesmas funções”, aponta pesquisa de mercado feita pela consultora norte-americana Mercer, com sede em diversos países de todos os continentes, inclusive Brasil e Portugal.

A redução real dos salários em Portugal ocorre “em todos os grupos funcionais”, especialmente em atividades como direção-geral e administração (-4,94%) e nos postos comerciais e de vendas (-1,48%). De acordo com Tiago Borges, responsável pelos estudos de mercado da Mercer em Portugal, assiste-se no país “uma política muito conservadora relativamente aos incrementos salariais em toda a estrutura das empresas”.

A pesquisa – relativa a 114.526 postos de trabalho em 300 empresas sediadas no país, revela que quase um terço das companhias congelaram o salário nos últimos anos. Com o salário inalterado e os preços subindo, o poder de compra do trabalhador caiu. Dados do Banco de Portugal revelam que no ano passado, a taxa de inflação retirou 2,8% do poder aquisitivo; e em 2011, 3,6%.

Além da ligeira inflação, a contenção dos salários se dá em contexto de recessão e de desemprego. Ao final de junho, conforme números oficiais revelam, havia mais de 886 mil pessoas desempregadas, taxa de 16,9% da população economicamente ativa (quase 20% na região metropolitana de Lisboa).

A maioria das empresas (65%) ouvidas pela pesquisa da Mercer pretende manter o número atual de empregados até o final do ano. “Ainda assim, uma percentagem relevante de organizações (18%) manifestou intenção de reduzir o seu quadro de pessoal”, assinala o estudo. Para 2014, a estimativa é de que 13% das empresas reduzam seu quadro de pessoal.

Nos dois últimos anos, a recessão sobre o Produto Interno Bruto foi -1,6% e -3,2%, o que contribuiu para a paralisação de um quarto da capacidade produtiva das indústrias e reforçou a insolvência de empresas (5,4 mil até março) e das famílias (687 mil até junho), conforme dados compilados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Para aumentar o poder aquisitivo das famílias, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) anunciou em 4 de setembro que vai iniciar uma campanha por aumento salarial de 3% no próximo ano e que o salário mínimo em Portugal suba para 515 euros (cerca de R$ 1,6 mil), 30 euros a mais do que os atuais 485 euros, valor congelado há dois anos.

O Fórum Econômico Mundial também divulgou que Portugal caiu duas posições no ranking mundial de competitividade e ficou em 51º lugar, cinco posições à frente do Brasil, em um universo de 148 países.

Segundo o especialista Tiago Borges, os sindicatos portugueses têm visão oposta à dos credores do programa de ajustamento econômico. Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, que formam a Troika, são contrários a aumento de salários por temer diminuição de competitividade e aumento de custos e do desemprego. Por outro lado, a CGTP assinala que o país já tem um dos níveis salariais mais baixos da Europa. “São visões distintas que precisam ser contrabalanceadas”, assinalou Tiago Borges.

Divergências sobre demissão de funcionários públicos
O governo português e o Tribunal Constitucional (TC) voltam a divergir sobre a legalidade das medidas adotadas para reduzir o déficit público. O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho tem criticado sistematicamente a Corte, que equivale ao Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil.

Em 1º de setembro, ao encerrar um encontro partidário, Passos Coelho criticou o TC que considerou inconstitucional uma nova lei (aprovada em julho) que permitia a rescisão contratual de funcionários públicos colocados em inatividade durante um ano.

O chamado programa de mobilidade especial era uma das formas do Executivo português para cortar despesas – a meta anunciada pelo primeiro-ministro é demitir 30 mil funcionários públicos, em torno dos 5% do total de pessoas contratadas pelo Estado (menos de 600 mil).

A decisão de demitir servidores públicos foi anunciada por Passos Coelho em maio, após o TC ter vetado quatro medidas de austeridade do Orçamento do Estado 2013. “Nenhum dos acórdãos do Tribunal Constitucional que chumbou [reprovou] medidas importantes para a reforma do Estado encontrou na Constituição um óbice [impedimento]”, disse o primeiro-ministro aos seus correligionários.

Passos Coelho critica a Corte por retirar do governo instrumentos do programa de ajustamento econômico e ajuda financeira acertado com a Troika – o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Central Europeu (BCE) e a Comissão Europeia. “Precisamos reformar o Estado para poder concluir com sucesso nosso programa de ajustamento. Não é a Constituição que nos impede de fazer isso”, disse ao lembrar que os credores voltam a Portugal em meados do mês para nova avaliação das contas públicas.“Parto para essa conversa com mais dificuldades”, assinalou.

Na semana passada, Passos Coelho chegou a sugerir que a interpretação legal do tribunal inviabiliza a reforma do Estado e que o país poderá, assim, ter que pedir novos empréstimos.

Os partidos de oposição acusam o governo de “criticar asperamente” a Justiça, e de, no “desespero”, “odiar a Constituição”. Apesar de Passos Coelho afirmar que a interpretação do Tribunal Constitucional sinaliza instabilidade aos credores no mercado financeiro, os efeitos da decisão da Corte sobre os juros pagos pelos títulos portugueses foram menores do que quando houve ameaça em julho de rompimento da coligação governamental.

Segundo o analista Luís Salgado de Matos, do blog O Economista Português, os Credit Default Swaps (CDS) pagos pela dívida pública tiveram pico (de mais 9 pontos percentuais) quando Paulo Portas, atualmente vice-primeiro-ministro, ameaçou deixar o governo.

As críticas de Passos Coelho ao Tribunal Constitucional marcam a retomada da agenda política após as férias de verão (agosto) em Portugal. Enquanto não consegue demitir servidores públicos, o governo enxuga os contratos temporários. Segundo a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), 2.166 docentes estão sendo desligados neste momento da educação publica, o setor com mais funcionários no Estado.

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