Todos os elementos da guarnição chegaram bem, disse comandante do Sagres no retorno a Portugal

Sagres cancelou a “Grande Viagem de Volta ao Mundo”. Confira entrevista com o comandante.

 

Por Igor Lopes

Já está em solo português a tripulação do Navio-Escola (NRP) Sagres, que iniciou, no dia 5 de janeiro, a “Grande Viagem de Volta ao Mundo”. A embarcação histórica chegou a Lisboa no passado dia 10, após ter recebido ordens da Marinha portuguesa para interromper a missão devido à pandemia de covid-19. Desembarcaram em Lisboa 142 militares. O navio iniciou a viagem de regresso a Portugal no final de março.

A viagem deste ano previa ter duração de 371 dias e tencionava assinalar os 500 anos da circum-navegação de Fernão de Magalhães. O navio deveria ter passado por 22 portos de 19 países e ser a Casa de Portugal durante os Jogos Olímpicos, em Tóquio, no Japão, evento que foi cancelado, também por causa do coronavírus. Porém, o navio-escola passou apenas pelos portos de Tenerife, Praia, Rio de Janeiro, Montevideo, Buenos Aires e Cidade do Cabo, onde abasteceu para iniciar o regresso a Lisboa. Foi feita também uma escala técnica na cidade do Mindelo, em Cabo Verde. O NRP Sagres percorreu 15.869 milhas náuticas, cerca de 30 mil quilômetros, realizou 2.358 horas de navegação e foi visitado por mais de 11 mil pessoas.

A nossa reportagem acompanhou a passagem do navio pelo Rio de Janeiro, no mês de fevereiro. Nessa altura, perguntamos ao comandante António Manuel Maurício Camilo se o avanço dos problemas ocasionados pelo coronavírus poderia atrapalhar a missão. Esse responsável disse que havia recebido orientações para seguir viagem e que as autoridades em Portugal estavam atentas ao desenrolar dos fatos.

No último dia 9, voltamos a contatar esse comandante, que estava ainda em alto-mar, antes de chegar a Lisboa, para saber detalhes da viagem de regresso. Em entrevista, esse Capitão-de-fragata falou sobre o momento em que recebeu ordens para abandonar o roteiro inicial e voltar a Portugal, destacou a forma como os membros embarcados reagiram às notícias sobre o covid-19, realçou os cuidados necessários para atracar na África do Sul e sublinhou o sentimento de ter de interromper essa viagem emblemática, que contou com muito tempo de preparação.

Depois que conversamos no Rio de Janeiro, em fevereiro, o navio seguiu viagem para outros locais da América do Sul, e, em seguida, rumou à África. Como foi essa viagem?

Largamos de Buenos Aires no dia 3 de março. A tirada teria, inicialmente, uma duração de 24 dias até a Cidade do Cabo, na África do Sul, sem paragens. A navegação pelo Atlântico Sul foi tranquila, com grandes períodos de navegação à vela que permitiram uma chegada antecipada à Cidade do Cabo, onde acabamos por atracar no dia 25 de março, dois dias antes do planeado. Foi durante a navegação até à Cidade do Cabo que recebemos novas ordens e a indicação de que a viagem seria suspensa. Após uma paragem logística de cerca de oito horas, iniciou-se o trânsito para Lisboa.

Ainda no Rio, falamos rapidamente sobre a questão do coronavírus. Naquele momento, não existia o cenário que há hoje. Em que momento foram alertados dos problemas da pandemia?

À bordo, sempre tivemos acesso às notícias e sempre mantivemos um acompanhamento dos desenvolvimentos do vírus pelo mundo, cientes do impacto para a viagem e seus objetivos. Após o cancelamento dos Jogos Olímpicos, no Japão, foi também tomada a decisão final de suspensão da 4ª Viagem de Circum-navegação do NRP Sagres pelo ministro da Defesa Nacional, em colaboração com o Almirante Chefe de Estado-Maior da Armada, no dia 24 de março.

Onde estavam quando souberam que deveriam retornar?

Quando o regresso a Lisboa foi comunicado (…), o navio ainda se encontrava a navegar rumo à Cidade do Cabo, que seria o nosso próximo porto depois de Buenos Aires.

Como está a reagir a este momento?

O ambiente à bordo está bom. Existe, claro, um misto de sentimentos, divididos entre a tristeza da suspensão da viagem de circum-navegação, o entusiasmo do regresso à casa, e do reencontro com as famílias, e a natural preocupação com o estado do País e do mundo com o impacto do covid-19. Os próximos dias serão passados a navegar e, como tal, decorreram sem alteração ao que temos vindo a fazer até agora e trazer o NRP Sagres e a sua guarnição em segurança até Lisboa.

Como está a saúde dos tripulantes? Que rotinas mudaram à bordo em virtude do covid-19?

Todos os elementos da guarnição estão bem, nenhum elemento apresentou sintomas. A partir do momento em que largamos de Buenos Aires, no dia 3 de março, e cumprimos os 14 dias de quarentena, tivemos a garantia de que nenhum elemento da guarnição estava infetado com o vírus. À bordo, distribuiu-se um boletim informativo e foi, prontamente, preparada uma palestra sobre o vírus pela equipa da saúde para apresentar a toda a guarnição do navio. As rotinas do dia-a-dia dentro do navio não mudaram. Contudo, foi preparada uma organização para quando o navio atracasse, contando com a criação de equipas de desinfeção e limpeza, sempre em coordenação com o serviço de saúde. Nas paragens logísticas que realizamos na Cidade do Cabo e em Mindelo foi adotada a organização definida e adotadas todas as medidas de higiene e proteção individual para evitar ao máximo qualquer risco de contágio por parte dos elementos da guarnição. Além disso, em nenhum dos portos foram concedidas licenças de saída à guarnição, apenas saíram do navio os elementos que participaram nas fainas de reabastecimento de gêneros alimentares e de combustível.

Tiveram dificuldades para atracar em algum porto?

À chegada à Cidade do Cabo, tivemos dificuldade não para atracar, mas para reabastecer o navio. Uma vez que a África do Sul estava prestes a estabelecer o Estado de Emergência, com paragem total de todos os serviços. A principal dificuldade foi assegurar o reabastecimento de todos os bens necessários (gêneros alimentares e combustível), antes que tivéssemos de ficar retidos pelas medidas resultantes do Estado de Emergência no local, e largar para prosseguir viagem.

Quantas pessoas estão a bordo?

Temos 142 pessoas a bordo. A guarnição do NRP Sagres é constituída por 140 militares que se encontram nas suas funções normais, um oficial convidado da Armada Argentina e um investigador do Projeto SAIL do INESCTEC, da Universidade do Porto.

O comandante e a tripulação estarão sujeitos a alguma situação como quarentena?

A decisão ainda não foi tomada. À partida, não será necessário a realização de um período de quarentena. Após a chegada do navio a Lisboa, a guarnição já terá cumprido um período de isolamento exterior superior a dois meses (desde 3 de março, data em que saiu de Buenos Aires), muito superior ao habitual período de quarentena estipulado pelas autoridades de saúde. Todos os contatos efetuados com o exterior foram feitos com elevado rigor e aplicando medidas de higiene e proteção individual. Caso seja necessário, os militares cumprirão a quarentena nas suas residências.

O comandante e os membros da tripulação conseguiram contatar os vossos familiares?

Sim, apesar de momentâneas limitações nas comunicações, todos os elementos da guarnição têm vindo a manter contato com as famílias. Além disso, são publicados no nosso grupo da viagem, a página oficial do Facebook da Marinha Portuguesa, conteúdos do dia-a-dia à bordo para partilha com familiares, amigos e interessados pela viagem ou pelo navio.

Qual é o sentimento de estar a comandar uma embarcação imponente, que é o caso do Navio Escola Sagres, e, de repente, saber que será preciso interromper um roteiro histórico?

A sensação inicial é de pena. As expectativas eram muitas, foi investido muito tempo a preparar a viagem. Contudo, não existiam condições para continuar a viagem. A missão alterou-se e passou a ser regressar a Lisboa. Não deixa de ser uma viagem única.

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