Medidas de outros séculos para combater epidemias são replicadas no presente

Da Redação

Segundo a arqueóloga portuguesa Joana Freitas, existem semelhanças no combate ao alastramento das doenças em séculos passados com as medidas tomadas nos dias de hoje, diante do covid-19.

“Ao analisarmos dados e documentos que se referem a outros surtos epidêmicos ao longo da história verificamos que algumas medidas que tomamos hoje eram as usadas à data para reprimir o avanço das doenças. Em diversas alturas, o isolamento, a quarentena e o estabelecimento de cordões sanitários foram uso recorrente.”

Estas medidas eram aplicadas e replicadas em muitos países do mundo. A realidade de hoje em dia não é novidade diante de pandemia. ” Havia cuidados, as pessoas tinham consciência de que se não travassem um surto no seu início seria muito difícil evitar uma catástrofe”.

Segundo ela, entre os exemplos está Portugal. “Já no século 15 existia um controle sanitário das embarcações. Embora incipiente, demonstrava a clara noção dos pontos que podiam ser rastilhos de uma epidemia. Mais tarde, os barcos teriam mesmo de ficar em quarentena para que houvesse certeza que tanto marinheiros como mercadorias não seriam um veículo de transporte para convidados indesejados”, explica Joana Freitas.

Ainda segundo a arqueóloga, “as próprias linhas que delimitavam cidades, uma muralha ou estrutura semelhante funcionavam como cerco sanitário. Há inclusive documentos que atestam que em algumas cidades era exigido que apresentassem uma declaração da sua boa saúde, garantindo que não estivera em nenhum lugar exposto a alguma doença nos 30 dias anteriores antes de ser autorizado a entrar”.

A realidade é nova para nós mas não é nova para o mundo, diz a arqueóloga. “A história é boa professora. As medidas de hoje foram as medidas de ontem. Mesmo algumas como o fecho de fronteiras entre países ou o esforço para diminuir as pessoas que circulavam. Não é nova a noção de que quanto mais pessoas estiverem em contato umas com as outras maior será a dimensão do surto”, explica.

Ainda segundo Freitas, no combate a outras pestes, houve um esforço de deixar circular apenas quem era indispensável. “Trabalhadores agrícolas, forças de segurança como exército ou marinha, padres e madres que muitas vezes auxiliavam nas práticas da medicina, padeiros e vendedores de alimentos. Como vemos embora com séculos de diferença a realidade é bastante semelhante”, conclui Joana Freitas, formada em arqueologia pela Universidade do Porto e pela Universidade Autónoma de Barcelona, e tem por áreas de estudo a pré-história e a evolução da espécie humana.

Nada será como antes

A pandemia do coronavírus trouxe profundas transformações em curtíssimo prazo ao modo de vida e costumes. Para o filósofo e psicanalista Fabiano de Abreu, seja qual for o caminho que a Humanidade decida seguir, a estrada não será a mesma.

“A caminhada da nossa espécie faz-se por estradas que nos colocam constantemente à prova. Todos os grandes eventos do mundo têm a capacidade de nos mudar. Cada guerra, cada pandemia, cada episódio climático, são frutos que produzimos para uma evolução necessária. Num dia tudo está normal, no outro tudo desaparece. E, quando abrimos a porta, o mundo que nos espera já não é mais o mesmo. É a força da impermanência nos mostrando que somos mortais.”

Segundo ele, o Covid-19 provavelmente será a “maior mudança presenciada por esta geração”. E que a humanidade tem se dado conta de suas prioridades e de onde tem investido seu tempo.

“O mais assustador de tudo é que entendemos que nos falta tempo. Tempo para viver, para decidir, e estruturar. Vivemos numa sociedade imediatista, onde tudo deve ser decidido no agora, na emergência que a situação acarreta. A sociedade que reclama da falta de tempo, efetivamente não o tem agora. Nossas vidas estão estagnadas. O mundo que não dormia é agora obrigado a adormecer enquanto a batalha ocorre no silêncio das cidades vazias”.

Para Abreu, culturalmente, politicamente, economicamente e globalmente haverá um antes e um depois do covid-19: “O mundo conectado em rede, a era da informação, do acesso rápido aos conteúdos, o mundo global que quando posto à prova teve que se recolher. A ameaça criou novamente barreiras. As fronteiras voltam a reerguer-se e cada um se sente infinitamente mais seguro na diminuição da escala. Ora, temos a certeza de que não estamos divididos em países e distrito, a nossa cidade, a nossa freguesia, a nossa casa. Somos todos habitantes de um mesmo planeta. Mas para nos salvarmos e salvarmos os outros temos que reconhecer a nossa individualidade.”

Em sua reflexão, o filósofo aponta que podemos repensar formas mais libertadoras e mais rentáveis de trabalho e renda: “As empresas vão descobrir que o home office pode ser uma ótima opção para a nova era e para o momento atual da economia mundial. A distribuição do investimento terá que ser repensada. Afinal um sistema de saúde saudável é mais necessário do que equipamentos de guerra. Essa constatação já é um caminho a se seguir”.

O filósofo aponta para uma transformação irreversível em nível mundial como consequência desta pandemia. “Seja qual for o caminho que a Humanidade decida seguir, uma coisa é certa: a estrada não será a mesma.”

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