“Lisboa vista do Rio” faz ponte entre os dois países

Por Eulália Moreno
Para Mundo Lusíada

Para além das relações históricas, Portugal e Brasil estão ligados pela mesma língua e culturalmente pela literatura, cinema, música e pelas artes em geral.

Oficialmente a partir de 7 de Setembro até 10 de Junho de 2012, comemora-se o Ano de Portugal no Brasil e o Ano do Brasil em Portugal. Serão alguns meses para os dois países se reencontrarem no que diz respeito às suas expectativas e realidades. Do lado de cá do Atlântico, um Brasil próspero que contrasta com um Portugal em grave crise econômica.

Alguns dos maiores artistas brasileiros mantêm intacta a paixão por Lisboa e um dos projetos da Duvídeo Filmes de Portugal nos dá a oportunidade de constatar até que ponto Lisboa é amada pelo Rio de Janeiro. “É um visão de fora, mas de alguém próximo. É como se nos víssemos a nós próprios do outro lado do Tejo. Do outro lado do rio. Neste caso do Rio… de Janeiro”, explica o realizador Ivan Dias numa história conduzida por ele próprio e pelo espanhol Carlos Galilea, um apaixonado e especialista em música de ambos os países e que será exibida em dois episódios com 50 minutos cada um no próximo mês de Dezembro pela RTP (Rádio e Televisão de Portugal). Em co-produção com o Canal Brasil, Ivan Dias realizou neste mês de Agosto mais dois programas “A bola quadrada” e “Boteco”que serão igualmente exibidos nas emissoras portuguesa e brasileira.

Todos os convidados partilham histórias de amor por Lisboa. Ivan Lins tem em Carlos do Carmo um irmão e comprou um apartamento em Belém; Maria Gadú depois de uma noitada lisboeta encontrou o Fadista Marco Rodrigues e tornaram-se inseparáveis; Ruy Castro levou os portugueses a conhecerem a “sua” Carmen Miranda; Adriana Calcanhoto lançou o seu disco em Lisboa antes de o fazer no Brasil; Caetano Veloso era amigo da Amália e não dispensa o Arroz de Peixe da Argentina Santos na Parreirinha de Alfama; Chico Buarque obriga o Eusébio a fazer parte do seu time e a  jogar uma “pelada” sempre que delicia o público português com as suas canções. “Descobrir como é esta Lisboa Vista do Rio será certamente uma experiência revigorante”, afirma o realizador.

O dia em que a “bola quadrada” ficou redonda

Em 19 de Julho 1966 , durante as oitavas de final da Copa do Mundo de futebol em Londres e antes do jogo Portugal-Brasil um jornalista brasileiro referiu numa crônica que os portugueses ainda jogavam de tamancos e com bolas quadradas.

Logo depois do jogo, nas improvisadas salas de imprensa do Goodison Park, na cidade de Liverpool, o jornalista Carlos Pinhão do jornal A BOLA gritava alto e bom som, ao telefone para Lisboa, para que os seus colegas brasileiros ouvissem: “A manchete vai ser a terrível vingança da bola quadrada”. Assim foi e assim ficou para a história.

A narrativa é contada em duas histórias paralelas: o Portugal-Brasil da Copa de 1966 e 2010.

Tudo isto visto pela comunidade luso-brasileira do Rio de Janeiro, pelos jornalistas e famosos que viveram o jogo de 66. Foi um Pelé-Eusébio que deu 3-1 para os portugueses eliminando o Brasil dessa Copa com Eusébio a marcar 2 gols, um deles seria considerado o mais belo daquela Copa. Uma das curiosidades é que Portugal era treinado pelo brasileiro Otto Glória.

Com depoimentos do próprio Eusébio, Artur Agostinho, célebre jornalista da televisão portuguesa falecido em março de 2011, que narrou esse jogo, Duda Guennes, jornalista esportivo brasileiro radicado há mais de 20 anos em Portugal que escreve para “A Bola”, Nélson Motta, que escreveu também uma crônica sobre esse jogo que ele próprio assistiu em Liverpool na primeira vez que foi a uma Copa, Sérgio Cabral, pai do atual governador do Rio de Janeiro, João Máximo e ainda Rildo, que marcou o único gol brasileiro no jogo de 66.

“Nas histórias dos luso-brasileiros do Rio falamos do Vasco da Gama em São Januário com a Fernanda Abreu, o Presidente Roberto Dinamite e o jogador Carlos Alberto que foi campeão em Portugal e da Champions League Europeia com o FC do Porto de Mourinho. Fomos às Casas Portuguesas do Minho e de Trás-os-Montes, ao Cantinho das Concertinas na CADEG, falamos com o Fernando Horta, português do Alto Douro presidente da campeã do Carnaval carioca, a Unidos da Tijuca. Nos jogos de Portugal filmamos nestes espaços luso-brasileiros e nos do Brasil nas ruas próximas ao Alzirão e ao Fan Park de Copacabana. Tudo em tom cômico luso-carioca”, adianta Ivan, realizador e roteirista desta co-produção RTP e Canal Brasil.

Os “Botecos” de todos nós

Boteco, Buteco ou botequim são termos oriundos do português de Portugal Botica, e do espanhol bodega, que por sua vez derivam do grego apothéke, que significa depósito, casa de bebidas ou loja em que se vendiam gêneros a retalho.

No Brasil, o boteco (“buteco”), ou botequim, ficou tradicionalmente conhecido como um lugar onde se comercializam bebidas alcoólicas, servindo de encontro entre boêmios, que ali procuram uma boa bebida, petiscos baratos e uma conversa sem compromisso.

Foi essa a função, de donos de botecos, que a maioria da emigração portuguesa do início do Século XX decidiu desempenhar na sua chegada ao Rio de Janeiro. E foi também esse português de botequim que gerou a maior parte das piadas que os brasileiros foram inventando. Eram pessoas de muito trabalho, raramente alfabetizadas, agarradas a qualquer tostão e de cara fechada com medo de serem enganadas pela malandragem característica dos cariocas.

Passado quase um século do início dessa vaga ainda muitos portugueses resistem com os seus botecos tendo muitos deles virado restaurantes. São emigrantes de Viseu, Bragança, Chaves, Braga, Beja, Faro e Lisboa. Algumas dessas pessoas são já quase centenárias mas repetem o ritual de diariamente se deslocarem aos seus estabelecimentos mesmo que já sejam os filhos, os netos ou os bisnetos a tomar conta dos negócios.

A Dona Rosa do Varnhagem, o Sr. Joaquim do Bar da Urca, o Sr. Manuelsinho do Antiquarius, o Ferreira do Jobi. Espalhados por toda a geografia da cidade, do mais pequeno “pé sujo” até ao mais requintado restaurante, continuam a oferecer o melhor bolinho da bacalhau, o melhor chopp mas sobretudo a melhor conversa, razão maior da existência de um boteco quanto mais não foi fosse para que os fregueses possam ainda fazer a enésima piada com os seus donos.

“São relatos de um Portugal desaparecido e de um Brasil que os acolheu de braços abertos, histórias que eles têm para contar. Um retrato sociológico e bem humorado dos tempos de antes e de agora. Sim porque, como dizem os brasileiros quando confrontados com as piadas sobre os irmãos lusitanos, ‘a gente não brinca com quem não gosta!’”, conclui Ivan, antecipando um pouco do que é essa co-produção que forma uma trilogia sobre a cidade do Rio de Janeiro, tão amada pelos portugueses e para eles, sempre a Cidade Maravilhosa.

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