Especial: Uma cidade aterrorizada assiste a partida da Família Real

A chegança da Corte Portuguesa no Brasil – Parte II

Por Eulália MorenoPara Mundo Lusíada

 

PARTIDA DA FAMÍLIA REAL >> "Dom João VI". / Óleo de Domingos Antonio Sequeira, Museu de Arte Antiga, Lisboa Portugal. AO LADO >> "Dona Carlota Joaquina", Óleo de Maela, Museu do Prado, Madrid, Espanha.

Dom João VI em decreto assinado em 26 de Novembro de 1807

Tenho procurado por todos os meios possíveis conservar a neutralidade de que até agora têm gozado os meus fiéis e amados vassalos e apesar de ter exaurido o meu Real Erário, e de todos os sacrifícios a que me tenho sujeitado, chegando ao excesso de fechar os portos dos meus reinos aos vassalos do meu antigo e leal aliado, o rei da Grã-Bretanha, expondo o comércio dos meus vassalos à total ruína, e a sofrer por este motivo grave prejuízo nos rendimentos de minha Coroa. Vejo que pelo interior do meu reino marcham tropas do Imperador dos franceses e querendo eu evitar as funestas conseqüências que se podem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, tenho resolvido, em benefício dos mesmos meus vassalos, passar com a Rainha minha senhora e mãe, e com toda a real família, para os Estados da América, e estabelecer-me na Cidade do Rio de Janeiro até a paz geral.

Foi um exército francês faminto, descalço e sem agasalho que a 4 de Novembro de 1807 entrou em território português. Desesperados pela fome e pelo frio, açoitados por uma chuva intermitente, os soldados invasores saquearam e profanaram as igrejas e até sepulturas das regiões que atravessavam. Pareciam mais uma horda de malfeitores do que um exército regular, arrastando-se na lama e lentamente progredindo na sua marcha rumo a Lisboa.A Corte do Príncipe Dom João só tomou conhecimento de que as forças francesas haviam ultrapassado a fronteira, três semanas após o fato. Cercado de cortesãos que lhe davam os mais contraditórios conselhos, Dom João não sabia o que fazer e desconhecia grande parte dos acontecimentos que agitavam o país.

A situação de indecisão transformar-se-ia totalmente, quando a 25 de Novembro, Dom João recebeu, através do Tenente-Coronel Lécor, a notícia da invasão. Junot estava com o seu exército em Abrantes, a 22 léguas de Lisboa. Com o Conselho de Estado reunido às pressas, ficou resolvido por unanimidade que no dia 27 a família real e a Corte embarcariam e que a 28 partiriam para o Brasil. O Príncipe Regente transferiu-se com a família do Palácio de Mafra para o da Ajuda, e todos começaram os preparativos para a viagem.

As notícias sobre a partida da família real e da aproximação do exército francês transformaram Lisboa. Milhares de pessoas, em pânico, aglomeravam-se às margens do Tejo com a esperança de conseguir um lugar na esquadra composta de oito naus, quatro fagatas, três brigues e 30 navios mercantes. Não faltaram cenas deploráveis, pois muitos queriam embarcar à força.

Aos que corriam de um lado para outro pelas ruas da cidade vieram juntar-se os foragidos do interior, que pensavam escapar aos invasores franceses na capital do Reino, aumentando ainda mais a aflição dos lisboetas. Lamentando-se e chorando, acotovelando-se pelas praias, e pelo cais, o povo lisboeta assistia ao embarque de seu Príncipe e sua Corte. Enormes volumes, carregando as riquezas da metrópole, obras de arte, relíquias históricas, raridades iam aos poucos sendo tragadas pelos porões dos navios.

O dia 27 de Novembro, data marcada para o embarque, nasceu claro e ensolarado, ao contrário dos chuvosos dias anteriores. A primeira carruagem real a chegar ao cais conduzia um emocionado D.João e o infante da Espanha, Dom Pedro Carlos, primo de Dona Carlota Joaquina que morava havia algum tempo em Lisboa. Ambos embarcaram no “ Príncipe Real” onde viajariam também sua mãe a Rainha Dona Maria I e seu filho, Dom Pedro. Estava já a bordo o Príncipe Regente quando chegaram ao cais a Princesa Dona Carlota Joaquina e os restantes filhos que embarcaram no “Afonso d ´Albuquerque”. Depois que a família real embarcou com a sua comitiva, toda a Corte deixou o cais em direção à esquadra. Ministros, altas personalidades do Reino , da nobreza e do clero, juntamente com muitos negociantes e proprietários fizeram com que o número de embarcados chegasse, segundo alguns historiadores, a cerca de 15 mil.

O terror que dominava os fugitivos, porém, ainda não chegara ao fim. A angustiante espera da partida demoraria 40 horas. O mar além da barra do Tejo estava bastante agitado para permitir a saída dos navios. Enquanto isso, as tropas de Junot avançavam sobre a capital e o general francês, conhecedor da região, enviara um destacamento para tomar o Forte de São Julião, com o objetivo de apontar os seus canhões para a foz do Tejo.

Às duas horas da madrugada de 29 de Novembro de 1807, um vento favorável permitiu que a esquadra portuguesa formasse sob a proteção dos navios de Sua Majestade Britânica.Às nove horas da manhã de 30 de Novembro , Junot entrava em Lisboa à frente de um exército de 26 mil homens e de um destacamento da cavalaria real portuguesa que encontrara a força francesa perto de Santarém e se pusera às suas ordens.Abandonado à própria sorte, Portugal viveria os piores anos de sua História.

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