Escritora brasileira revela contornos da “Festa do Divino” em Santa Catarina

Por Igor Lopes

Tereza Santos da Silva é professora e se dedica à pesquisa em torno das manifestações da cultura popular de base açoriana no estado de Santa Catarina, no Sul do Brasil, região que conta com a presença de muitos açorianos e açor-descendentes. Em novembro de 2017, essa especialista brasileira, que também é escritora, lançou o livro “Camboriú, cidade do Espírito Santo: A revitalização da sua festa do Divino”, pela editora Divino Oleiro, na Paróquia do Divino Espírito Santo, em Camboriú. A nossa reportagem conversou com Tereza da Silva sobre a obra e sobre a importância da cultura do Divino Espírito Santo no Brasil.

O que pretende com o livro?

O livro é uma tentativa de deixar um legado, ainda que singelo, para a referida comunidade que, há aproximados 150 anos, celebra o seu Padroeiro. Levei em conta que até a presente data a Paróquia do Divino Espírito Santo de Camboriú, situada no litoral centro-norte do Estado de Santa Catarina, não dispunha de documentação alusiva à tradição e fé dos devotos de festejar, e com muito júbilo, no dia de Pentecostes, o Espírito Santo de Deus. Entretanto, não considerei apenas aspectos meramente históricos. Procurei também discutir o que se constituíra fruto de uma longa observação empírica. E toda discussão contida nessa obra, portanto, teve como mote o sentido da e da tradição de celebrarmos o Divino Espírito Santo.

Na obra, refere que houve “arrefecimento” da festa do Divino em Camboriú de 1950 a 1980. Por que isso aconteceu e que consequências ocorreram na comunidade e nas tradições locais?

Procuramos dar à obra um tom acadêmico ao torná-la mais propriamente um estudo de caso.  E a pergunta de pesquisa que se perseguiu foi esta: Que fatores contribuíram para que as Festas do Divino Espírito Santo, em Camboriú, tivessem perdido força a partir da segunda metade do século XX? As hipóteses iniciais para tal investigação apontaram estas variáveis: o surgimento da TV no Brasil em 1950; e o estabelecimento de novas confissões evangélicas em Camboriú nessa mesma década. A TV, assim como as novas confissões religiosas, possivelmente influenciou nas manifestações de fé e na tradição de muitos devotos que outrora se faziam presentes e, aparentemente, em maior número, nas festas do Divino Espírito Santo. As razões pareciam óbvias: muitas pessoas agora preferiam se recolher em seus lares, atraídos pela espetacularização da TV; outras tantas deixaram-se arrebanhar diante do apelo de certas confissões religiosas, estas contrárias às simbologias, evocativas da fé dos católicos, resultando num certo apagamento das manifestações de fé e no arrefecimento das tradições socioculturais das referidas festas nessa comunidade.

Que ações foram realizadas para revitalizar essa tradição em Camboriú?

Muitas foram as ações que, a partir dos anos 1970, passaram a ocorrer na comunidade católica de Camboriú. Entre elas, a principal, seguramente foi a evangelização renovada de certos párocos, e a que melhor fez ressurgir as aparentes manifestações de fé, aliadas a ações concretas para recuperação de antigas tradições que antes estavam se perdendo. Os então devotos, sustentados pela fé que foi sendo despertada pelos novos evangelizadores, e apoiados na tradição presente em seu imaginário, recuperaram uma festa que aos poucos foi vislumbrando a sua atual revitalização.

No caso de Camboriú, que curiosidades pode avançar sobre a festa do Divino, atualmente?

Podemos destacar que Camboriú, especialmente nas últimas décadas, tem continuamente recebido grandes contingentes de pessoas, tanto do interior catarinense como de outros Estados brasileiros, as quais vêm em busca de melhores condições de vida, cada qual ostentando a sua raiz cultural. Entretanto, revelam o seu despojamento ao se inserirem no nosso contexto sociocultural. E a maior curiosidade é que essas pessoas se reconhecem devotas do Espírito Santo, de modo particular quando manifestam a sua fé, tendo como base a tradição, e também com muito júbilo, como o fazem os camboriuenses nativos, celebram o seu então Divino Padroeiro.

Acredita que essa tradição pode, num futuro próximo, se perder?

Vivemos em tempos de globalização e, como tal, tudo pode se perder, inclusive a fé que sustenta espiritualmente as pessoas. Todavia, se depender da evangelização que ora estamos recebendo, jamais vamos descurar da nossa devoção ao Santo Espírito. Sabemos que, mesmo diante das tradições que sustentam a nossa fé, muitas vezes descuramos das nossas convicções e nos deixamos abalar pelas influências desse mundo que nos oferece massiva espetacularização. Contudo, o próprio Deus nos fortalecerá com os dons do Seu Espírito para que possamos, através de novas gerações, seguir por muitos séculos nessa devoção, superando tudo aquilo que possa nos afastar da nossa maior marca identitária, a religiosidade, traduzida nas nossas mais puras manifestações de fé e tradição de celebrar o Divino Espírito Santo.

Como avalia hoje as manifestações da cultura açoriana em Santa Catarina? Que traços são mais visíveis e que tendências podem desaparecer com o tempo?

Santa Catarina ainda vem preservando muitas das manifestações da cultura açoriana, especialmente no litoral catarinense onde outrora foram assentados, no século XVIII, os milhares de açorianos que esperavam encontrar no litoral brasileiro a sua “terra prometida”. Apesar das dificuldades que tiveram de enfrentar, viveram aqui com muita dignidade. Eles nos legaram especialmente a religiosidade, sendo esta a manifestação mais visível até os dias atuais. Também legamos o valor do trabalho (seguramente não com a mesma resiliência que eles tiveram de enfrentar certas agruras e forma com que as suportaram nessas terras de Além-Mar). Estamos ainda preservando saberes e fazeres os quais com o tempo podem desaparecer, tais como, as cantorias do Divino, os reisados, as cantigas de roda, as danças típicas, o uso de certas ervas medicinais, usadas para curar determinadas enfermidades; assim como estão também se perdendo os antigos benzimentos (antes praticados pelas bruxas boas). Também perdemos o modo rudimentar de cultivar a terra, as habilidades peculiares de se produzir trabalhos manuais (tais como os bordados e até certas rendas), a forma de se praticar a pesca artesanal (além de pouco se preservar a confecção de redes).  Além disso, estamos perdendo costumes à mesa, tais como a forma de produzir e consumir certos alimentos e bebidas, estes ainda preservados nos Açores.

Por que as festas do Divino são tão importantes na cultura açoriana e no calendário catarinense?

Como já destaquei, a nossa maior herança é a religiosidade. Festejar o Santo Espírito torna-se um ato de fé para qualquer devoto, portanto, a sublimação do seu pertencimento a Ele, o Divino. Na cultura em que estamos imersos, todas a formas de louvor, reforçadas pelas simbologias pertinentes ao Espírito Santo, põe em relevo o que revelamos de mais identitário: fé e tradição. Santa Catarina, especialmente no litoral, vem revelando as marcas da sua açorianidade, presentes de modo particular na vida daqueles que sentem orgulho em revelar o seu pertencimento não só ao seu lócus como também a sua pertença ao “Seu” Divino Espírito Santo. E essas manifestações são constitutivas do nosso calendário cultural porque, antes de sermos brasileiros e catarinenses, “somos de origem”, origem açoriana.

Que fatos marcantes você pode sublinhar como fruto da sua pesquisa e estudo em torno da cultura açoriana no Sul do Brasil?

Da minha pesquisa destaco a importância de se investigar a nossa maior herança: a religiosidade, presente na vida das pessoas descendentes dos açorianos. Tanto as nossas festas populares (ditas profanas) quanto as festas religiosas, especialmente as celebrações ao Divino Espírito Santo, merecem estudos antropológicos e até mesmo teológicos. Este valor espiritual há que se destacar, pois celebramos, de muitas formas, a festa do Divino Espírito Santo, tendo como base as nossas tradições socioculturais que, apesar de já bastante modificadas, revelam que ainda existem componentes socioculturais que põe em evidência o nosso valor humano. E isso pude constatar quando estive em loco no Pico e na Terceira, a fim de buscar elementos que pudessem enriquecer o meu trabalho por meio de breve comparativo entre as festas nesses redutos açorianos em contraste com Camboriú. Porém, posso destacar ainda que uma investigação importante também poderia se circunscrever em torno do que nos ficou legado em termos da linguagem verbal, tais como os nossos topônimos e expressões idiomáticas que ainda revelam certa proximidade com a linguagem, isto é, com os falares dos Açores.

Por fim, fale um pouco sobre o seu percurso profissional…

Graduei-me em Letras pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em 1979. Especializei-me em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e em Educação à Distância pelo SENAC – SC. Tornei-me Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde também atuei como docente em Língua Portuguesa no Ensino Médio e Tecnológico, e nesta instituição me aposentei.

Trabalhei como docente no Centro de Educação à Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), lecionando Alfabetização e Letramento, Metodologia da Linguagem, Literatura Infanto-Juvenil e Metodologia da Linguagem. Lecionei ainda na UNIVALI as disciplinas Linguagem Jurídica e Comunicação Empresarial.

Sou pesquisadora e palestrante das Manifestações da Cultura Popular de base açoriana em Santa Catarina. Produzi três histórias infanto-juvenis: O patinho Joca, Gatinho Nicolau e Cãozinho sapeca; publiquei um caderno cultural sobre as Manifestações da cultura popular no litoral catarinense; além disso, produzi vários contos ainda não publicados.

Em 2007, iniciei pesquisa sobre “A Revitalização das Festas do Divino Espírito Santo em Camboriú/SC”, que resultou no livro “Camboriú, cidade do Espírito Santo: A Revitalização da sua Festa do Divino”. Essa obra foi lançada na Paróquia do Divino Espírito Santo, em Camboriú, no dia 26 de novembro de 2017.

Nasci a 05 de outubro de 1951, em Navegantes, Santa Catarina, na localidade de Machados. Sou filha de João Evaristo dos Santos e Olga Cordeiro dos Santos e casada com Pedro Sabino da Silva. Tenho dois filhos: Fabiane e Fernando Santos da Silva, além de três netos: Eduardo, Guilherme e Pedrinho.

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