Escritor João Morgado: livro sobre Fernão de Magalhães marca fim da trilogia sobre navegadores portugueses

Por Igor Lopes

No próximo dia 10 de setembro, João Morgado vai lançar, em Lisboa, a sua mais nova obra: “Magalhães e a Ave-do-Paraíso”, trabalho que pretende humanizar e contextualizar a vida desse navegador. A obra encerra a “Trilogia dos Navegantes”, depois de “Vera Cruz” (2015), que aborda a vida desconhecida de Pedro Álvares Cabral; e “Índias” (2016), polêmico romance biográfico de Vasco da Gama. “Três personalidades fundamentais da nossa história marítima, a quem procurei dar uma face humana, com virtudes e defeitos. Três obras de ficção controlada, respeitadora dos factos conhecidos e que, neste último livro, teve mesmo a consultoria científica do historiador José Manuel Garcia”, comentou Morgado, que, recentemente, apresentou os seus livros no Brasil.

Natural da Covilhã, João Morgado é poeta e romancista, doutorando em Comunicação na Universidade da Beira Interior. Tem mestrado em Estudos Europeus na Universidade de Salamanca, Espanha, e pós-graduação em Marketing Político pela Universidade Independente / Universidade de Madrid. É membro do Centro de Investigação Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão. Foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cívico e Cultural, oficializada pela República Federativa do Brasil, pelo seu trabalho de investigação sobre Pedro Álvares Cabral. Recebeu ainda o Troféu “Cristo Redentor” pelo seu trabalho em prol da cultura luso-brasileira, entregue pela Academia de Letras e Artes Paranapuã, do Rio de Janeiro. Atuou como jornalista e, mais tarde, especializou-se em marketing político. Na literatura, João Morgado afirmou-se com dois romances: “Diário dos Infiéis” e “Diário dos Imperfeitos” (Casa das Letras). Estas duas obras foram adaptadas ao teatro pela Associação de Teatro e outras Artes (ASTA).

À nossa reportagem, João Morgado falou sobre a trilogia que desvenda a vida de grandes personagens da história de Portugal e sublinhou o seu empenho, por meio da literatura, em divulgar as verdadeiras nuances do passado de Portugal.

Quando se comemoram os 500 anos da circunavegação, irá publicar um romance sobre Fernão de Magalhães. Há novidades históricas?

Sim, irei publicar “Magalhães e a ave-do-paraíso” – uma informação que dou aqui em primeira mão. Esta obra vai fechar a “Trilogia dos Navegantes”, pois já escrevi os romances biográficos de Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Tal como nos romances anteriores espero humanizar o grande navegador, para que, para além das datas e dos locais, as pessoas possam compreender o seu feitio retorcido, mas também o seu pulso firme, o saber, a sua coragem e intrepidez. Uma obra que foi escrita a meias com o grande historiador José Manuel Garcia, grande especialista em Magalhães. Procuramos esclarecer alguns episódios menos conhecidos e interpretar algumas das decisões mais controversas de Magalhães. Agora que se comemoram os 500 anos da sua viagem, espero que se possa honrar o seu nome, a sua portugalidade… independentemente de, na fase derradeira, ele ter estado ao serviço do imperador Carlos V. Por isso foi visto como traidor.

Qual é a sua importância histórica para Portugal?

Fernão de Magalhães foi primeiro homem a assumir a forma global do nosso planeta e a circundá-lo, primeiro pelo oriente – ainda ao serviço dos portugueses – e depois pelo ocidente – então, já ao serviço de Castela. Provou experimentalmente que a terra era redonda – apesar da noção teórica da sua esfericidade já existir desde os tempos antigos e alcançou com êxito o objetivo sonhado por Cristóvão Colombo: chegar à Ásia rumando a ocidente. Não é um feito de somenos. Concluiu assim, no essencial, o grande ciclo dos Descobrimentos marítimos, iniciado um século antes, em Portugal. Foi o primeiro europeu a navegar no mar do Sul, a que chamou Oceano Pacífico. Foi o grande responsável por levar a fé católica às Filipinas, a primeira nação cristã no Oriente. Polêmico e arrojado, Fernão de Magalhães é uma figura fundamental na história, não só de Portugal, mas de todo o Ocidente.

Que protagonismo Fernão de Magalhães assume no Brasil?

Na famosa viagem, aportou no Rio de Janeiro – que ele chegou a baptizar de “baía de Santa Luzia”, por lá ter chegado a 13 de dezembro, dia da referida santa. Foi uma paragem (não autorizada por Portugal) para abastecimentos e interação com o povo indígena, e que teve alguns episódios pitorescos. Aqui aconteceu o primeiro julgamento a bordo da frota e a primeira execução. Antonio Salomón, que fora apanhado com as bragas arreadas, acabou condenado à morte por atos de sodomia. Mas, sabiam que levou um jovem carioca a bordo? Pode bem ter sido o primeiro natural do Brasil a dar a volta ao mundo…

Nessa trilogia, para já, destaca-se o romance “Índias”. Como explica o sucesso desse livro? Que pontos são mais marcantes e surpreendentes?

Esse é um romance biográfico de Vasco da Gama, o homem que dizem ter descoberto o caminho marítimo para a Índia – o que é mentira. É a história das suas três viagens às Índias. Só se fala da primeira por quê? Porque não é politicamente correto contar a verdadeira história deste herói imperfeito, inimigo de Pedro Álvares Cabral (e mais tarde de Magalhães). É um romance polêmico, pois revela que Gama foi a “besta negra” dos descobrimentos, um homem de má catadura, odiado por todos, menos pelo rei, e senhor de um currículo de atrocidades, ainda que tivesse ficado nos anais da história com a cara de santo de um grande navegador… mas como referi, apesar de ser “usado” por Camões, nem o poeta gostava dele, e não o achava digno de Calíope, deusa da poesia. Ou seja, ao contrário do que sempre se ensina, não o achava digno de ser cantado!

“Vera Cruz” é outro dos três livros. Como caracteriza esse trabalho e qual é a sua importância para os contornos históricos que ligam Brasil e Portugal?

Toda a gente conhece Pedro Álvares Cabral mas, na verdade, para além de um nome, uma data e um local, que conhecem verdadeiramente do homem? Sabem que não era sequer navegador? Que combateu em África? Que era um homem culto para a época, um humanista? Que tinha uma rivalidade enorme com Vasco da Gama? Que após uma traição dizimou uma cidade inteira na Índia? Que casou com uma mulher que era neta dos reis de Portugal e de Castela? Que morreu em Santarém desiludido com o reino? Para além da figura, o romance traz uma nova luz sobre o que levou Cabral a desviar-se da sua rota e a oficializar as terras do novo mundo para Portugal. Vão ficar surpreendidos. Depois de tão grandioso êxito, porque é que Cabral foi afastado pelo rei de Portugal? Não é curioso? E por que é que D. Manuel I usava o título de “Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, mas nunca colocou no seu título que era… rei do Brasil? Há muito que contar…

É autor também do “O Livro do Império”? Quais as suas motivações e objetivos?

Esta obra é um revisitar d’Os Lusíadas que – me atrevo a dizer -, é uma obra desconhecida. Toda a gente tem um exemplar em casa, mas, na verdade, ninguém lê este grande poema. E a escola anda absorta num programa que ensina figuras de estilo, divisão de sílabas, e estafadas análises – algumas erradas. Este livro leva o leitor à escrita e reescrita do poema, às suas motivações, às suas mensagens… à exploração de factos menos conhecidos (ou esquecidos) da obra. Os Lusíadas não são um poema que nasceu escorreito e ao correr da pena, fruto da inspiração de um poeta valdevinos. É um trabalho árduo, com que Camões pretendeu redimir a sua vida e redimir Portugal, que vivia em declínio, com um rei destemido, mas influenciado por uma nobreza e um clero corruptos. Também explora os meandros que levaram à sua edição, a anuência do rei (quando criticava a falta de valores da nobreza) e a autorização do Santo Ofício (apesar da carnalidade do Canto IX e a crítica à igreja). Também relata a edição física do livro, as dificuldades da sua composição, a falta de papel na oficina de impressão…

Que pontos podem surpreender o leitor nessa obra? Que passagens podem encantar e “chocar” os leitores?

A primeira surpresa será o descobrir que, mais que uma epopeia, Os Lusíadas são um livro político, um poema de intervenção. Depois perceber que no jogo de poderes que dominava o reino, o poema acaba por ser salvo pela Santa Inquisição, o que não deixa de ser curioso, e vai ao arrepio do que seria expectável. Isto não belisca em nada o seu notável brilho poético. Mesmo com falhas e passagens menos bem conseguidas, é a grande epopeia portuguesa. Antes de Camões morrer na miséria em Lisboa, curiosamente, a sua obra foi traduzida e publicada em Castela, sendo referido como o “príncipe dos poetas de Espanha”… Quando Filipe I entrou em Lisboa terá perguntado por ele e, informado da sua triste e miserável morte, mandou que pagassem à mãe do poeta o dinheiro que lhe era devido pela coroa portuguesa, assim como uma pensão até ao fim dos seus dias. De Espanha não vieram só maus ventos…

Por que afirma que “O Livro do Império” narra a vida de um poeta “arrependido”?

Porque a obra não apresenta o poeta glorioso com folhas de louro na cabeça, nem tampouco o trota-mundo, namoradeiro espadachim, que salvou Os Lusíadas no mar, tão ao jeito dos heróis da Marvel. Este romance histórico apresenta-nos um homem que passou metade da sua vida embarcado ou em prisões, e que regressa a Lisboa já envelhecido e doente… dizendo de si próprio, que errou “todo o discurso dos seus anos”. Contudo, é no meio desta fraqueza que desponta toda a sua genialidade. A sua memória sublime, a espantosa bagagem cultural, a genialidade da escrita… também a sua acutilância política, a sua capacidade crítica. Ao cantar os grandes feitos e grandes homens, por comparação, pôs a nu um reino que na época tinha perdido os valores e a grandeza dos seus, um império que estava mergulhado na corrupção e prestes a cair nas mãos dos espanhóis, o que veio a acontecer… Foi um poema de glória para o povo português, para os reis que tinham dilatado a fé e o reino, mas também um manifesto crítico ao Portugal do seu tempo… uma crítica à nobreza, aos jesuítas, aos poderes que rodeavam o jovem D. Sebastião, e até (pasme-se) a Vasco da Gama, seu primo afastado, por parte da mãe.

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