Entrevista: D. João não supunha rápida independência do Brasil

Embaixador português no Brasil interveio nas comemorações dos 200 anos da abertura dos portos, falando sobre a inevitável independência do Brasil e a figura “mal-amada” de D. João.

Da RedaçãoMundo Lusíada

Durante a comemoração do bicentenário da abertura dos portos brasileiros, em 28 de janeiro na Associação Comercial da Bahia, em Salvador, o embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, interveio na sessão, que teve presença do Governador do Estado, Jacques Wagner, do ministro brasileiro da Cultura, Gilberto Gil, e do ministro dos Portos, Pedro Brito. O presidente Lula não pôde comparecer.

Na sua alocução, o diplomata português começou por destacar que a cidade de Salvador, que há 200 anos recebeu o Príncipe regente e a sua corte, "é, porventura, a cidade do mundo onde melhor estão retratados os cruzamentos das gentes que foram convocadas pela aventura colonial portuguesa". Para os habitantes locais de então, segundo o embaixador, "deve ter sido também um grande espanto ver desembarcar, no seio da sua simplicidade, o fausto bizarro da aristocracia lusitana e os ademanes da vida palaciana européia".

Comentando sobre a visão de brasileiros sobre Portugal, Seixas da Costa notou que “muito daquilo que, no imaginário brasileiro, sobrevive historicamente como caricatura da Corte, o sublinhar cruel de alguns dos seus sinais físicos e comportamentais, tidos por risíveis, foi, e parece ser ainda em alguns setores brasileiros contemporâneos, o produto de uma mecânica rejeição anti-colonial, da necessidade de compensar pela crítica o imperativo de reconhecer os efeitos altamente positivos que, para o Brasil, resultaram desse mesmo tempo”.

Pronunciando-se sobre a abertura dos portos e das alfândegas brasileiros, decidida pelo príncipe D. João em 1808, o embaixador português disse que, para além de um gesto de gratidão para com os ingleses, terá sido "um gesto de realismo e pragmatismo", fruto das pressões dos comerciantes da Bahia e também destinado à "viabilização econômica do império português, nas condições difíceis em que o país operava", dado que "Lisboa estava, por tempo indeterminável, perdida para a chefia do império, como eixo de comunicações, de navegações e de comércio". Segundo disse, “D. João estava longe de supor que o Brasil iria caminhar rapidamente para a independência, 14 anos depois. Com toda a certeza, acreditava que o gesto que então fazia, embora mudasse radicalmente o estatuto funcional da colônia, não ia pôr em causa a integridade do império. Antes pelo contrário, pensava mesmo que iria reforçá-la”.

Questionando a decisão da abertura dos portos positiva para Portugal, o embaixador diz que tal abertura “só poderia ter continuado a ser favorável aos interesses de Portugal, como um todo, se a sede do império tivesse permanecido no Brasil ou se, regressando a Corte a Lisboa, Portugal tivesse conseguido prolongar, por qualquer forma, a sua tutela sobre o Brasil”. De acordo com ele, a perda do Brasil inviabilizou o projeto do império. “É que o Brasil – convém que se perceba – era então a única verdadeira colônia de Portugal. As possessões africanas eram meros entrepostos costeiros, cuja rentabilidade assentava em pouco mais do que o tráfico de escravos”. Por esse motivo, o embaixador concluiu que “a criação das instituições portuguesas em terra brasileira, que temporariamente havia salvo a Corte e a soberania do país, acabou por impulsionar, de forma decisiva, o desejo de libertação. A independência do Brasil era já inevitável”.

Figura de D. JoãoSeixas da Costa referiu-se ainda ao fato de D. João VI não estar entre figuras “mais apreciadas na memória popular portuguesa”. “Talvez a nossa historiografia não tenha sabido valorizar como estratégico o gesto que a saída de Lisboa significou para a salvaguarda da soberania portuguesa, poupando à Corte a humilhação a que a França napoleônica submeteu grande parte da Europa. Talvez D. João VI acabe por ser associado, subliminarmente, ao início de um período de algum declínio de Portugal, a um tempo nostálgico de ‘finis patriae’, que se agravou ao longo de todo o século XIX e que, no fundo, criou o caldo de revolta que permitiu a implantação da República. Talvez a circunstância de D. João VI, no seu regresso a Portugal, ter sido mais do que equívoco na sua posição face às idéias liberais, então já prevalecentes, tenha contribuído também para firmar o juízo maioritariamente negativo que o país sobre ele veio a fazer”.

De forma irônica, o embaixador Seixas da Costa referiu-se ao fato de ser o “Brasil a sublinhar as virtualidades da ação política, econômica, social e cultural de uma das figuras mais mal-amadas da história portuguesa”, o que para ele diz o que são as contradições que o “período colonial ainda prolonga nos nossos dias".

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