Coração Independente chega ao Brasil em 2010

Inaugurada em Lisboa exposição sobre Amália Rodrigues.

Por EuláliaMoreno
Para Mundo Lusíada

No dia 6 de outubro, para assinalar os dez anos da morte da Rainha do Fado, foi inaugurada em Portugal a exposição “Amália, Coração Independente” – a maior exposição até hoje sobre Amália Rodrigues. Mal estreou e a mostra já foi solicitada por vários países.
A partir de 31 de janeiro, quando termina a temporada lisboeta, a exposição percorrerá o mundo, e o Brasil certamente estará em seu caminho.

Produzida com apoio da Fundação Amália Rodrigues, do Museu Nacional do Teatro e da editora discográfica Valentim de Carvalho, a exposição é dividida em duas partes e está patente no Museu da Eletricidade – Fundação EDP (Avenida Brasília Central Tejo, em Belém, de terça-feira a domingo das 10h00 às 18h00) e no Museu Coleção Berardo (Centro Cultural de Belém – CCB – Praça do Império, Belém, de domingo à quinta-feira das 10h às 19h e sexta-feira e sábado, das 10h às 22h).

Não é obrigatório começar por nenhum deles, não há primeira nem segunda partes. São núcleos temáticos diferentes, mas paralelos: no Museu da Eletricidade – Fundação EDP, a Elegância e o Charme, e no Museu Coleção Berardo explora-se o Mito/Diva. As entradas para ambas as exposições são gratuitas.

Estranha Forma de Vida
Na Central Tejo, Museu da Eletricidade – Fundação EDP, o espaço escolhido para apresentar a mostra foi o mesmo que acolheu a exposição dedicada a Maria Callas. Aqui, vestidos de palco, jóias, capas de álbuns da fadista relembram a grande artista, através de alguns dos seus objetos mais emblemáticos, como os brincos de Viana do Castelo, xailes e vestidos pretos, que atualmente pertencem ao acervo da Fundação Amália Rodrigues.

Complementam este núcleo da exposição, três filmes a preto e branco, que mostram a fadista e a atriz. Essa primeira exposição é dedicada a elegância, o charme e o esplendor da vida de uma das maiores estrelas da canção nacional portuguesa.

No Museu Coleção Berardo a exposição pretende repensar a fadista através de documentos pinturas e filmes, entre outros objetos e suportes e retratar, através deles, o seu universo, numa perspectiva viva e contemporânea.

No total são cerca de 500 peças, entre fotografias, objetos pessoais da artista, vestidos de palco e de cinema, capas de álbuns, artigos de revistas e jornais, cartazes de concertos, obras plásticas de artistas contemporâneos e vídeos, dispostos ao longo de várias salas, de um piso do Centro Cultural de Belém, num projeto coordenado por Jean-François Chougnet, diretor do Museu Coleção Berardo.

Esta parte da exposição tem uma estrutura completamente diferente do núcleo instalado no Museu da Electricidade – Fundação EDP, com um cariz mais impessoal e contemporâneo. Aqui tenta-se mostrar a evolução da carreira de Amália e a sua construção como símbolo nacional, o Mito/Diva, com o devido distanciamento, sem sentimentalismos.

A primeira parte do percurso expositivo é dedicada à biografia da fadista, dividida em cinco momentos. O primeiro começa em 1920, com o seu nascimento em Lisboa, passa pela sua primeira atuação no Retiro da Severa, em 1939 e às participações nos filmes Capas Negras e Fados, História de uma Cantadeira, e termina em 1949. O capítulo tem o nome de Ai, Mouraria.

Barco Negro abrange o período entre 1950-1961, e foca-se no momento em que Amália começou a cantar alguns poetas portugueses, como David Mourão Ferreira e Pedro Homem de Mello. É neste período que Amália participa pela primeira vez numa peça, no papel de Severa, da autoria de Júlio Dantas.

De 1962 a 1970, o tema é Com que Voz, inspirado na sua relação com Alain Oulman, e a contínua aposta na poesia portuguesa, como na de Camões. O quarto momento é designado de Mariquinhas, e vai de 1971 a 1999, focando as atuações da artista no estrangeiro, e as suas interpretações de folclore. Encerra esta parte da exposição, Grito, com duas bailarinas interpretando o tema, enquanto no ecrã central várias bocas pronunciam o nome de Amália como um mantra. Em qualquer dos casos, o som é inaudível para o espectador. Silêncio, que se vai cantar o Fado.

A segunda parte do percurso expositivo é da responsabilidade de Emília Tavares, que escolheu inúmeras imagens, de diversos fotógrafos, de forma a representar a evolução da carreira e a construção da diva que foi Amália. “Os Fotógrafos sob o Signo de Amália”, assim se chama a apresentação.

O final do percurso é destinado aos artistas contemporâneos, como Joana Vasconcelos, Ana Rito, Adriana Molder, Leonel Moura e Francesco Vezzoli, que apresentam a sua visão de encanto da artista.

Destaque para Joana Vasconcelos, que apresenta pela primeira vez, no mesmo espaço, os três Corações Independentes, que estão espalhados por diferentes coleções. “Esta presença na exposição é muito importante para mim, pois estão aqui apresentados em conjunto os três Corações – Vermelho, do fado, do amor, dos sentimentos; o Dourado, que representa o ouro e a tradição portuguesa e o Preto, que simboliza a morte, a dor e o sofrimento”, afirma Joana.

Vídeos e filmes complementam a mostra dedicada à fadista lisboeta, a evolução de uma mulher, a estrela da canção e do cinema, a diva e finalmente o símbolo e ícone nacional, e que 10 anos após a sua morte ainda emociona muita gente com a sua voz e continua sempre recordada, chorada e homenageada.
Desconstruindo Amália
Coração Independente, Coração que não Comando

POR EULÁLIA MORENO

“Temos de mexer na Amália”. Esse é o mote da exposição que pretende dar início a uma nova relação entre o público e a fadista. Segundo alguns, o imaginário coletivo terá aprisionado Amália, tornando-a numa figura sem corpo, quase uma desconhecida.

Apesar da sua popularidade, Amália foi pouco estudada. A única biografia disponível, publicada em 1987, é de autoria do ex-crítico de teatro e antigo diretor do Museu Nacional do Teatro, Vitor Pavão dos Santos e reeditada em 2005. Refere o musicólogo Rui Vieira Nery que considera as entrevistas dadas por Amália para o autor como “tardias, ela relembrando a sua vida mas ao mesmo tempo reconstruindo a sua imagem. Amália como é um mito convida muito à repetição das fórmulas litúrgicas de veneração – a santa do fado e por aí afora”.

A historiadora e curadora de fotografia, Emília Tavares, declara em entrevista a revista Ipsilon: “temos com ela uma relação de fidelidade mórbida. Temos de mexer na Amália”. Segundo vários biógrafos, Amália é um tema que resiste à análise crítica pois há um obstáculo muito grande a partir da relação afetiva que estabelecemos com ela.

Desde a eterna dúvida sobre o nível de envolvimento político de Amália durante o Estado Novo, ao esquecimento de que nos anos 50 Amália cantou Sidónio Muralha, um exilado político anti-fascista perseguido pela PIDE, e Libertação de David Mourão Ferreira também chamado de “Fado Peniche” escrito em alusão à prisão de Álvaro Cunhal, a certeza é de que a sua casa, na rua de São Bento, 193 , sempre foi um espaço de liberdade onde conviviam intelectuais maioritariamente da oposição.

Como não há herdeiros legítimos de Amália, todos nós somos os seus herdeiros. E cada um de nós, tem uma Amália, que julga a verdadeira, a defender.

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