Cinema português cheio de vigor surpreende na 36ª Mostra Internacional de São Paulo

Por Eulália Moreno

A Mostra trouxe 350 filmes de 60 países, exibidos em cinco sessões diárias em 28 locais de exibição. Como parte da iniciativa do “Ano de Portugal no Brasil”, 20 filmes portugueses foram exibidos (entre longas, curtas e curtíssima metragens) com os ingressos disputadíssimos por um público muito interessado na produção de além-mar. “Ainda consigo encontrar alguns filmes de Manoel de Oliveira em algumas locadoras mas há uma lacuna muito grande na oferta de cinema português. Frequentei algumas tardes de sessões de cinema nas tardes de sábado na Casa de Portugal mas, acabaram, infelizmente”, afirma Rui Costa, advogado, numa rápida conversa enquanto aguarda na fila a entrada para a sala 2 do Shopping Frei Caneca, uma das maiores do complexo Itaú Cinemas, que exibiria “Repare Bem” de Maria de Medeiros.

A “maratona” começou no passado dia 19 de Outubro, na mesma noite em que a maioria do público paulistano permanecia nas suas casas para assistir ao último capítulo da novela “Avenida Brasil”. Mesmo assim, um grande público compareceu a estreia, no Cinesesc, de Tabu do jovem cineasta português, Miguel Gomes, “Tabu” (2012) uma coprodução de Portugal, Brasil, Alemanha e França, vencedor de prêmios no Festival de Berlim.

“A crise piorou tudo em Portugal, a produção de filmes está paralisada, ou quase. O que vocês estão a assistir nesta Mostra é de antes da crise. Acho que agora, e por um bom tempo, vai haver escassez de filmes nos grandes festivais”, afirma Miguel na abertura do debate que se seguiu a exibição do filme ao lado dos atores Ana Moreira e Carloto Cota.

“Tabu”, filmado em branco e preto, é uma reflexão sobre o passado colonial de Portugal na história de uma velha senhora, Aurora, que às vésperas de morrer recorda uma história de amor vivida em África. Sua empregada caboverdiana e uma vizinha partem em busca desse homem. A primeira parte do filme passa-se em Portugal nos tempos atuais, e a segunda é sobre esse tempo perdido, esse paraíso perdido. “É um filme sobre um tempo de sonhos perdidos no rolo da História, alheio ao romantismo de um ultrapassado conceito de África colonial. É sobre uma África, dirá portuguesa, que se um dia o foi, com certeza não é mais”, responde Miguel a um dos presentes no debate.

Miguel Gomes é um dos homenageados nesta Mostra com a exibição de oito de seus filmes, três deles longas metragens: “A Cara que Mereces” (2004), “Aquele Querido Mês de Agosto” (2008) e “Tabu” (2012) seis curtas: “Entretanto” (1999), “Inventário de Natal” (2000), “Trinta e Um” (2002), “Kalkitos” (2002), “O Cântico das Criaturas” (2006) e um curtíssimo de um minuto apenas, “Pre Evolution soccer´s on-minute dance after a golden goal in the Master League” (2004).

Maria de Medeiros e os anos de chumbo

O documentário com 95 minutos “Repare Bem” gravado no Brasil, Itália e Holanda entre Janeiro e Outubro de 2011, resgata a vida da família de Denise Crispim, seu ex-companheiro Eduardo “Bacuri” Leite, torturado durante 109 dias e assassinado pelos militares brasileiros e a filha de ambos, Eduarda, nascida num hospital militar, rodeada de policiais. Os relatos revelam aspectos muito cruéis daqueles anos 70 no período da ditadura militar no Brasil. Com a criança recém-nascida nos braços, Denise consegue asilo político na embaixada chilena em Brasília e de lá viaja para Santiago do Chile onde, pouco depois, acontece o golpe de Estado de Augusto Pinochet e elas acabam por fugir para a Itália onde Eduarda cresce como uma jovem italiana. Hoje ambas foram anistiadas pela Comissão de Anistia e Reparação.

“Por que filmar uma história brasileira”? A cineasta, atriz e cantora portuguesa Maria de Medeiros é reconhecida por participar de clássicos como “Henry & June” (1990) e “Pulp Fiction” (1994), além dirigir o premiado “Capitâes de Abril” (2000) e outros quatro filmes.

“Quando acenderam a luzes eu pensei que as pessoas sairiam a correr para não participarem do debate. Mas naquela sala de cinema do Shopping Frei Caneca, ficaram todos sentados, sem se mexer, quase em choque. A história humana adquiriu uma dimensão política fortíssima, ela está ali na tela, não há como fugir. E essa não é uma história brasileira, é uma história de todos nós”, diz emocionada.

A Musa de Oliveira

O “Gebo e a Sombra” é o 19° filme em que Leonor Silveira é dirigida por Manoel de Oliveira e tem a produção de Luis Urbano que acompanhou a atriz a São Paulo. O filme passa-se no século XIX e relata a rotina de Gebo (Michael Lonsdale) que, embora com avançada idade continua a trabalhar como contador para manter a família. Vive com a mulher, Dorotéia (Claudia Cardinale) e a nora, Sofia (Leonor) mas é sobre a ausência do filho João (Ricardo Trepa, neto de Manoel de Oliveira) que gira a trama. O filme é inspirado numa peça escrita por Raul Brandão, uma reflexão sobre a condição humana e Gebo tem a sua honestidade constantemente testada já que guarda em sua casa altas somas de dinheiro ao mesmo tempo em que não consegue oferecer conforto material para a mulher e para a nora. O filme também conta a participação de Jeanne Moreau. “Os filmes portugueses participantes na Mostra destacam a modernidade e contemporaneidade da nossa identidade, da nossa arte, de forma especial. Apesar do cinema português não ter ampla presença comercial no Brasil, é objeto frequente de seminários, estudos, teses , festivais e a exibição de obras de novos realizadores significa um extraordinário cartão de visitas para Portugal”, afirma Leonor Silveira.

Ainda participaram da Mostra os seguintes filmes portugueses, alguns deles com coprodução brasileira, francesa, finlandesa e alemã: “A Casa”, de Julio Alves, “Meu Caro Amigo Chico” de Joana Barra Vaz, “O Frágil Som do Meu Motor” de Leonardo Antonio, “Estrada de Palha”, de Rodrigo Areias, “O Milagre de Santo Antonio”, de Sergei Loznitsa, “Amanhã” de Christiane Laurent, “Em Segunda Mão” de Catarina Ruivo, “Linhas de Wellington” de Valeria Sarmiento e “O Manuscrito Perdido” de José Barahona.

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