Apesar de divergências, nova ortografia será adotada rapidamente no Brasil

Do Jornal Mundo Lusíada Com Lusa e agencias

O Brasil é o primeiro país a adotar oficialmente as novas regras ortográficas, em vigor desde 1º de janeiro de 2009, com um prazo para adequação e reedição dos livros didáticos e dicionários até dezembro de 2012. Portugal apresentou um prazo de seis anos para a introdução das novas regras, embora o ministro português da Cultura tenha admitido que o Acordo poderá ser introduzido durante a presidência portuguesa da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que termina em meados de 2010.

O embaixador brasileiro Lauro Moreira acredita que o Acordo Ortográfico vai ser incorporado em pouco tempo no Brasil e contribuirá para que o português seja aceito como a língua oficial em entidades internacionais. "Isto é uma espécie bola de neve", disse à Agência Lusa o embaixador da missão brasileira junto à CPLP. "Estamos lutando para que o português possa realmente ocupar, de fato, o lugar que merece pela quantidade de falantes que tem no mundo", afirmou.

Para o lingüista Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), o acordo ortográfico dá margem a diversas interpretações dos especialistas. Mesmo assim, não haverá dificuldades para a construção de um vocabulário comum entre os países lusófonos. “São formas distintas de interpretar o acordo, a questão é chegarmos a um denominador comum", declara o gramático e filólogo, também membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.

Por iniciativa de Lauro Moreira, os documentos da Missão brasileira junto à CPLP já estão a ser redigidos de acordo com a nova reforma ortográfica. O Acordo Ortográfico já foi ratificado por Brasil, Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Nos dois últimos, ainda está sendo estipulado um prazo para adaptação. “Brevemente eu estarei em contato com Cabo Verde e Portugal para acertar os pontos” disse à Folha de S.Paulo o ministro da Educação e Cultura de São Tomé e Príncipe, Jorge Bom Jesus.

Nova ortografia Antes mesmo do Vocabulário da Língua Portuguesa (Volp) ser publicado pela ABL para servir de referência para os dicionários, muitos manuais com orientações sobre as novas regras já foram lançados. O Volp, documento com o registro oficial das palavras, elaborado sem intercâmbios com as instituições de Portugal deverá ser lançado no Brasil até início de março, e conterá 370 mil palavras. Segundo Bechara, ele será depois analisado e julgado por especialistas dos outros países lusófonos da CPLP. “Estamos levando em conta os princípios metodológicos para operacionalizar o repertório lexical da língua portuguesa. A ABL não formula nenhuma regra", diz o lingüista.

As novas regras ortográficas também deverão ser seguidas pelos cerca de 700 mil portugueses que residem no Brasil, mas essa adaptação não deverá apresentar dificuldades, afirmou o conselheiro das Comunidades Portuguesas no Rio de Janeiro, Ângelo Leite Horto, que chegou ao Brasil na década de 1960. No cotidiano, "as mudanças não vão alterar muito para os portugueses que não necessitam da escrita para se comunicar no trabalho" e "vão poder se adaptar aos poucos". Contudo, "todos aqueles que lidam com a escrita, como juristas e advogados, vão tomar a mesma iniciativa que eu tive", apontou, acrescentando que já comprou manuais para se orientar com a nova ortografia.

Em São Paulo, a Secretaria de Estado da Educação se prepara para que neste ano os 5 milhões de estudantes da rede estadual iniciem uma mudança gradual na aprendizagem, com seus professores capacitados. No final de 2008, a Secretaria havia capacitado cerca de 17 mil professores e coordenadores de oficinas pedagógicas (PCOPs), que têm atribuição de difundir conhecimento na rede. O intuito é disponibilizar um roteiro com as mudanças pela Secretaria a todos os seus 250 mil professores, através de download, via internet na Rede do Saber, de guias curriculares e cadernos do professor, entre outros.

"É uma mudança grande para uma rede com 5 milhões de alunos, a maior do Brasil. O prazo indicado pelo Ministério da Educação é de três anos, mas decidimos já iniciar as alterações. Desde 2008 o Estado vem agindo para que o processo ocorra normalmente", afirma Valéria Souza, coordenadora de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria.

Diversidade e Ajustes Segundo Lauro Moreira, a reforma vai unificar a língua, mas dentro de uma diversidade, respeitando certas particularidades de cada país. "Esse acordo veio unificar o que sempre foi unido no passado. Até 1911, era uma só ortografia, depois da grande reforma portuguesa de Gonçalves Vianna de 1911 é que se bifurcou, porque o Brasil não foi consultado nesta história”, afirmou. "Criamos então duas ortografias, mas que língua moderna, que língua de cultura, que língua falada por mais de 200 milhões de pessoas pode dar-se ao luxo de ter duas ortografias oficiais e excludentes".

"Toda língua tem a sua gramática, as suas regras. Por outro lado a língua é um organismo vivo, que se vai adaptando às novas circunstâncias e às novas realidades. Nenhum acordo ortográfico é definitivo. Daqui a 20, 30 ou 40 anos podemos fazer um novo acordo", declarou o embaixador.

Evanildo Bechara afirma também que se o acordo não fizer alusão a uma regra específica a Academia adotará "a tradição ortográfica da língua portuguesa no Brasil", referindo-se às "diversas interpretações" que existem principalmente nas regras do uso do hífen ou de acentuação de paroxítonas com ditongos abertos. "O Vocabulário já está concluído, para nós não sobrou nenhuma dúvida, mas isso não significa que sejamos os donos da verdade, que nós tenhamos acertado em todas as medidas", ressalta. "Se recebermos críticas que nos convençam, vamos discutir e podemos alterar".

No Brasil, o período de adaptação à nova grafia termina em dezembro de 2012, mas Bechara admite a possibilidade da ABL fazer ajustes. O filólogo lembra que, na década de 1940, o Brasil fez uma reforma e após quase 30 anos fez um reajuste. "A língua está constantemente sendo reformulada. É bem possível que haja a necessidade de um reajuste. O vocabulário comum entre os países lusófonos está prometido desde 1931 e estamos quase em 2009 e ainda não há". Mas, segundo Bechara, não há uma divergência entre os acadêmicos, "é a diversidade dentro da unidade", destacou.

Outro Lado Como uma das vozes contrárias a mudança, a escritora portuguesa Inês Pedrosa considera o acordo ortográfico "inútil e prejudicial" e "cria muita confusão". Em entrevista à "Folha de S. Paulo", Inês Pedrosa diz que é contra porque "o acordo é um produto falso, um produto pirata". "Como vamos explicar a quem aprende a língua que certos ‘us’ se pronunciam?", acrescentou a escritora portuguesa, citando o trema.

Inês Pedrosa lamentou ainda o uso de recursos na campanha em torno do acordo ortográfico e a escassez de iniciativas de aproximação cultural entre os países lusófonos. "Gostaria que todo o dinheiro gasto em encontros, viagens e reuniões para se debater o acordo tivesse sido investido em iniciativas para promover uma ponte cultural entre os países de língua portuguesa", disse a escritora.

Mas para o filólogo brasileiro Evanildo Bechara, a adaptação da sociedade brasileira às novas regras ortográficas é “uma questão de mudança de hábito”, defende. “Quem critica, não leu o Acordo [Ortográfico] ou não gosta de mudança de hábito”, disse à Lusa o membro da Academia. De acordo com o especialista, o Brasil cedeu em seis pontos principais no acordo: o fim do hífen, do trema, do acento circunflexo nos verbos no plural, a mudança do acento em ditongos abertos e a inserção de letras k,y,w no analfabeto. “Portugal apenas cedeu em apenas um ponto, o de não escrever as consoantes mudas, em palavras como Egipto que passará a ser Egito”. acrescentou. Apesar das críticas, Bechara destaca que para a Academia “não resta dúvida nas regras" e que a instituição agiu "de acordo com o que estava estipulado”.

Divergências quanto a uma interpretação comum do acordo por lingüistas de Portugal e do Brasil podem retardar a implantação das novas regras comuns aos países lusófonos. O presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, Godofredo de Oliveira Neto, acredita que, se a convenção internacional não for adotada igualmente por todos os países, "o acordo fica desacordado".

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