Vice-primeiro-ministro cabo-verdiano propõe regulamentação da emigração no espaço CPLP.
Mundo Lusíada com Lusa
O antigo embaixador de Portugal no Brasil Francisco Seixas da Costa considerou nesta sexta-feira que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) “não funciona” e salientou que o Brasil não se empenha na organização.
“Recentemente apresentei 23 razões pelas quais a CPLP não funciona, mas essencialmente a questão é haver países muito diversos e lógicas de desenvolvimento diferentes”, disse Seixas da Costa na sua intervenção no segundo fórum de Economistas da Associação Lusófona de Economia (ALECON), que decorreu hoje em Lisboa.
No painel sobre ‘O papel da CPLP na economia global’, Seixas da Costa defendeu que a CPLP, ao contrário de outras organizações baseadas na partilha da língua, “é centrada à volta do país colonizador”, e acrescentou que “o Brasil tem um dinâmica própria no quadro internacional que coloca dificuldade ao controlo da máquina” da organização dos países lusófonos.
“Nunca vi no Brasil grande empenho do Brasil na CPLP, porque nunca precisou da CPLP para a sua afirmação internacional”, salientou.
Isso, argumentou o diplomata, “foi um fator negativo para a CPLP ao longo dos anos, e continua a sê-lo, porque o Brasil não investe na CPLP como ponto central da sua atuação externa, e isso limita a atuação da CPLP” nos grandes fóruns internacionais.
Para Seixas da Costa, é preciso garantir um sentimento de pertença e de união dentro dos países da CPLP: “A incerteza global e a possibilidade de, no futuro, não estarmos todos no mesmo barco é cada vez maior; a capacidade de intervir na economia global e a eventualidade de se separar na forma política e em dimensões diversas, como os BRIC [grupo que integra o Brasil, a Rússia, a China e a Índia, no formato inicial] ou a Europa [numa referência à União Europeia], cria um sentimento negativo no pano de fundo político no qual se projeta a CPLP, o que cria dificuldades à inserção internacional da CPLP”.
Para Seixas da Costa, para que a CPLP ganhe mais importância internacional, é preciso garantir mais união e elementos agregadores: “Temos de garantir fatores de agregação para evitar que a diversidade e a dinâmica de divisão criem dificuldades ao prosseguirmos esta instituição”, concluiu.
A intervenção do antigo embaixador foi feita minutos antes da cerimônia de encerramento do segundo fórum dos economistas, que terminou com a atribuição do grau de economista emérito a Américo Ramos dos Santos, na qual participou e interveio o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
No discurso de agradecimento pelo reconhecimento dos pares, que precedeu a intervenção de elogio da primeira dama de Angola, Ana Dias Lourenço, o economista Ramos dos Santos “saiu do papel”, nas suas palavras, e apresentou dois fatores que podem unir a CPLP.
“Para termos uma CPLP mais lógica e mais coesa, o principal desafio é identificar quais são os vetores que podem constituir o cimento da CPLP, e penso que a língua e o mar são os mais importantes fatores de coesão entre nós”, apontou.
regulamentação da emigração
Já o vice-primeiro-ministro de Cabo Verde criticou a falta de mobilidade dentro do espaço da CPLP, ao mesmo tempo que propôs regulamentação da emigração dentro da comunidade, que caracterizou como uma “grande oportunidade” para todos os Estados-membros.
“Os acordos de Brasília [assinados em 2021] para facilitação da circulação entre os países da CPLP continuam, no essencial, não direi ‘letra morta’, mas de pouca utilidade; as dificuldades e restrições à circulação de bens, serviços e capitais mantêm-se e, em alguns casos, até ficaram agravadas”, criticou Olavo Correia, numa apresentação no Segundo Fórum de Economistas da ALECON, que decorreu na sede da UCCLA.
“Enquanto líder da CPLP e da lusofonia, quando vejo artistas, empresários, jovens talentosos que não conseguem obter um visto para circular no espaço da CPLP, quase que mendigam para obter um visto – e nós aqui a falar da CPLP como espaço de liberdade – há aqui uma grande contradição”, acrescentou o governante cabo-verdiano.
Enquanto político, disse ainda o vice-primeiro-ministro, arrancando palmas entre a audiência, “a coisa mais grave que existe na liderança é o hiato entre aquilo que nós prometemos entregar e aquilo que entregamos. Porque matamos a confiança. É melhor não prometer. Mas quando prometemos e não entregamos, matamos aquilo que de mais importante existe na política e na liderança: a confiança. Sem confiança não há liderança. Acabou tudo”, disse.
“[A mobilidade] é fundamental para que os talentos na CPLP possam movimentar-se, possam criar valor, para os nossos países em concreto e na comunidade em conjunto”, defendeu.
“O meu apelo é mobilidade, mobilidade, mobilidade. É a pedra angular para a construção de qualquer projeto conjunto ao nível da lusofonia e da CPLP. Queremos uma CPLP plena, sem limites nem fronteiras, uma CPLP sem truques legislativos”, afirmou.
Olavo Correia sublinhou que Cabo Verde, com 500 mil habitantes, recebe por ano hoje mais de um milhão de turistas europeus e quer chegar aos 2 milhões.
“Temos mais europeus em Cabo Verde do que cabo-verdianos em Cabo Verde. Então este país, que é Cabo Verde, não merece, no mínimo, a reciprocidade? Merece vivenciar aquilo que estamos a vivenciar?”, questionou.
A mobilidade constitui, por outro lado, uma oportunidade e não um problema, segundo o governante, e um dos instrumentos pode ser a criação de instituições de formação com dupla certificação no âmbito da CPLP “para se regular o problema da emigração”.
“Temos na CPLP uma grande oportunidade ao nível da emigração, que é formar jovens nos nossos países, que podem trabalhar na União Europeia, tendo em conta o perfil demográfico dos nossos países, mas olhamos para isso como um grande problema e um grande drama”, afirmou.
“Se isso for planeado, se for regulado, é uma oportunidade para os nossos países e também para Portugal e os demais países europeus”, reforçou.
“Porque é que não somos capazes de formar centros de excelência com dupla certificação para formar jovens para trabalharem nos nossos países e nas demais geografias a nível da UE e dos Estados Unidos?”, deixou no ar Olavo Correia.
Fundada em 1996, a CPLP integra atualmente nove países – Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.