Da Redação
Com Lusa
O procurador-geral da República (PGR) de Angola admitiu que a justiça angolana não teria podido investigar a empresária Isabel dos Santos durante a liderança do seu pai, o ex-Presidente José Eduardo dos Santos, por pressão do poder político.
Antigo vice-procurador-geral da República durante os últimos anos de mandato de José Eduardo dos Santos, substituído em 2017 por João Lourenço, Hélder Pitta Grós reconheceu que o sistema judicial mudou, com a nomeação de novos protagonistas que asseguram a independência da justiça em relação ao poder executivo.
Em entrevista à Lusa, questionado se seria possível uma investigação criminal a Isabel dos Santos como agora sucede, visando entre outras matérias a alegada má gestão da petrolífera estatal Sonangol, Hélder Pitta Grós foi taxativo: “Não acredito. Porque nunca aconteceu nada e estes factos foram cometidos antes de 2017”.
Para o PGR angolano, nomeado já por João Lourenço, o que mudou foi que “o poder político ficou mais aberto”.
“Porque se o poder político não estiver interessado em que a justiça funcione tem formas de fazê-lo”, já que é o executivo que “tem os meios financeiros, os meios materiais e humanos”, frisou Pitta Grós.
A ação judicial contra Isabel dos Santos, na sequência de uma auditoria da consultora KPMG à gestão na Sonangol e após os resultados de uma grande investigação de um consórcio internacional de jornalistas, que incluem o Expresso e a SIC, teve início porque a empresária se recusou a esclarecer as dúvidas levantadas pela administração que lhe sucedeu em novembro de 2017.
O inquérito que foi agora convertido em processo-crime “não foi instaurado no sentido do simbolismo” de luta contra a corrupção, admitiu o procurador-geral.
“Aconteceu em parte provocado por ela, porque se ela tem aparecido quando houve esse inquérito talvez ela pudesse justificar algumas coisas que agora estão no processo-crime”, afirmou Pitta Grós.
O procurador-geral reuniu-se com a sua homóloga portuguesa, Lucília Gago, na quinta-feira, em Lisboa, para entregar uma carta rogatória, onde pede a notificação de três arguidos portugueses (um deles já morreu), ligados a Isabel dos Santos na administração da petrolífera angolana.
Nessa carta, a justiça angolana pede o apoio noutras “diligências processuais”, que Hélder Pitta Grós não quis especificar na entrevista à Lusa.
A Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla inglesa) informou estar a acompanhar as revelações dos esquemas financeiros da empresária angolana Isabel dos Santos, tendo já contactado as “entidades competentes relevantes” sobre o caso que abrange países europeus.
Prisão
Grós também afirmou que a justiça quer esgotar todos os procedimentos para notificar a empresária angolana Isabel dos Santos antes de pedir um mandado internacional de captura.
“Primeiro vamos esgotar a possibilidade de notificá-la: se não for em Portugal será no Reino Unido [onde também tem residência]. Vamos esgotar essas possibilidades para depois podermos avaliar a aplicação de outra medida”, disse Pitta Grós, em entrevista à Lusa.
A empresária teria estado na quinta-feira em Lisboa e continua com total liberdade de circulação, algo que Pitta Grós considera normal, tendo em conta a fase do processo.
“Em relação aos seus movimentos nada podemos fazer, porque não há medidas de coação no âmbito do processo-crime. Só depois de ela ser interrogada é que lhe poderá ser ou não aplicada” uma medida de coação, afirmou.
Para já, a Interpol ainda não foi contactada por Luanda nem foi pedido um mandado internacional de captura.
“[Primeiro], temos de cumprir os pressupostos processuais. Ela ainda não foi notificada desse despacho”, explicou o procurador, acrescentando que só se não “comparecer nesse interrogatório” é que poderá “ter de seguir por essa via”.
Por enquanto, será pedida cooperação judiciária internacional para notificar a empresária que tem passaporte russo: “Teremos de ir a países onde haja interesses neste processo, interesse em notificar [Isabel dos Santos], interesse em possíveis investimentos ou dinheiros que, de forma ilícita, tenham ido para esses países”.
A empresária tem alegado que nunca foi notificada e queixa-se de que a justiça angolana está a ser seletiva nos alvos das investigações de corrupção, algo que Hélder Pitta Grós rejeita.
Isabel dos Santos “não foi notificada [em Luanda] porque ela não saiu de casa para atender o agente que a foi notificar” e mandou a “empregada doméstica atender” que “assinou” a nota judicial, disse o procurador, assegurando que as autoridades estão a atuar com imparcialidade neste caso.
“A justiça angolana é seletiva porque só vai agir contra aqueles que cometeram ilícitos”, avisou.