Legislativas: Conselho das Comunidades pede “profunda alteração” das leis eleitorais

Mundo Lusíada com Lusa

O Conselho das Comunidades Portuguesas recomendou uma “profunda alteração” das leis que regulam as eleições em Portugal para “evitar que se repita a autêntica ‘balbúrdia’” que se registrou nas legislativas de janeiro.

“O rescaldo destas eleições tem que evitar que se repita a autêntica ‘balbúrdia’ a que se assistiu – e que colocou em causa a credibilidade e a seriedade de um processo democrático em Portugal, algo totalmente inaceitável”, escreve a Comissão para os Assuntos Consulares, Participação Cívica e Política do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), em comunicado.

Na nota, intitulada “A Eleição Do Nosso Descontentamento” e emitida na sequência de uma reunião da comissão na quarta-feira à noite, após serem conhecidos os resultados da repetição das eleições no círculo da Europa, a comissão pede que se constitua “um código eleitoral que uniformize e modernize os diversos processos eleitorais”.

“Quando já estamos a celebrar os 50 anos do 25 de Abril, continua-se ainda a constatar a evidente menorização e sobranceria perante os portugueses residentes no estrangeiro, como se fôssemos cidadãos de segunda classe”, lamentam os conselheiros.

No comunicado, a comissão refere-se ainda ao processo que levou à repetição das eleições de 30 de janeiro no círculo da Europa.

Em causa esteve o fato de, após uma reunião em 18 de janeiro que juntou os vários partidos, ter sido acordado que, na contagem dos votos dos emigrantes enviados por correio, seriam validados os boletins que não viessem acompanhados de cópia do Cartão de Cidadão, ao contrário do que prevê a lei.

Após ouvir o seu departamento jurídico, o PSD mudou de posição e, no dia da contagem dos votos, contestou a validação de boletins não acompanhados de cópia do cartão de cidadão (CC).

Como muitos desses boletins foram validados e misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.

No total, foram anulados 157 mil votos, 80% do total no círculo da Europa.

Chamado a pronunciar-se sobre a anulação desses votos, o Tribunal Constitucional (TC) declarou a nulidade das eleições nestas assembleias e a Comissão Nacional de Eleições (CNE) deliberou depois a repetição da votação naquele círculo.

“Consideramos inqualificável a decisão dos partidos políticos, a 18 de janeiro, de unilateralmente ignorar a lei eleitoral em vigor. Portugal é, afinal de contas, um Estado de direito”, escreveu a comissão do CCP.

“Se as leis estão desadequadas da realidade, então cabe ao legislador assegurar a atualização das mesmas, em tempo útil e não já com uma eleição a decorrer”, acrescentou.

Os conselheiros reivindicam por isso a “alteração das inúmeras leis eleitorais, e que esta alteração seja feita de uma forma abrangente e inclusiva, com uma consulta alargada e que reflita verdadeiramente as propostas das Comunidades”.

A comissão recorda ainda que, logo após as legislativas de 30 de janeiro, questionou por que motivo em 2022 se repetem problemas ocorridos nas legislativas de 2019, nomeadamente o fato de alguns eleitores não receberem o boletim de voto; de alguns países não aceitarem o porte pago ou de uns eleitores receberam o boletim de voto como correio registrado e outros como correio normal.

Nessa nota, de 02 de fevereiro, a comissão apresentava algumas propostas relativas às eleições, nomeadamente a uniformização das formas de votação no estrangeiro em todas as eleições – atualmente cada eleição tem formas diferentes de votação; a Implementação sistemática do voto eletrónico presencial em todos os consulados, a possibilidade de envio eletrónico do boletim de voto para quem preferir votar pela via postal ou a implementação urgente do voto eletrónico descentralizado.

Na nota agora divulgada, os conselheiros manifestam ainda “grande preocupação com a evidente desarticulação entre os vários atores que intervêm na organização e realização” das eleições em Portugal.

Participação

Para o pesquisador Jorge Malheiros, a elevada abstenção dos portugueses na Europa (88,1%) deve-se à distância do país de origem, embora existam medidas que podem aumentar a participação dos emigrantes, como demonstrar que o seu voto é importante.

O investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa disse que não ficou surpreendido com a elevada abstenção. “Não me surpreende. Já era alta, mas admitia que pudesse manter-se na mesma”, disse.

Em 2009, a percentagem de eleitores que optaram por não escolher os seus representantes eleitorais foi de 76,87. Em 2011, esse valor foi de 76,10% e, em 2015, 82,57%. Em 2019, a abstenção dos portugueses na Europa foi de 87,95%.

Na votação das legislativas de 30 de janeiro, que acabou por ser anulada na Europa, a abstenção tinha sido de 79,33%. A repetição deste ato resultou num aumento de 8,7 pontos percentuais da abstenção, situando-se nos 88,10%.

Em 2018 foram introduzidos o recenseamento automático, que elevou de cerca de 300 mil para 1,4 milhões o número de cidadãos recenseados no estrangeiro, e a possibilidade de opção pelo voto presencial ou postal, sem que esta última opção representasse custos para o eleitor. Para as eleições legislativas de 2022 estavam inscritos 1.521.947 eleitores no estrangeiro.

“Todas as eleições a partir do exterior têm taxas de abstenção superiores às do país de origem”, afirmou, explicando que, “o eleitorado dentro do próprio país junta a territorialidade com as pessoas, o país mobiliza-se para isso, há campanha”.

Por seu lado, “as pessoas que estão no exterior vão votar num contexto específico delas, pois as condições estruturais do país onde residem não se alteram”.

É ainda muito mais fácil votar no próprio país onde decorrem as eleições, existindo mais locais para o voto presencial, enquanto os emigrantes e lusodescendentes têm poucos espaços para votar presencialmente e o voto postal implica um conjunto de passos que podem ser “desmobilizadores”.

No caso dos votos dos portugueses fora de Portugal, Jorge Malheiros considera que “é preciso mostrar às pessoas que vale a pena votar e que estas podem contribuir para a escolha de quem decide sobre as diversas matérias que estão relacionadas com o seu país”.

Outra medida que pode contribuir para a diminuição da abstenção é, segundo o investigador, a possibilidade do voto eletrônico, salvaguardadas as questões de segurança.

E acrescentou: “Já que alargámos o universo de eleitores, temos de pensar numa revisão do número de eleitos a partir do exterior”.

Segundo os dados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), votaram 110.182 eleitores (11,90% dos inscritos), o que representa uma abstenção de 88,10%.

Foram considerados nulos 33.565 votos, o que continua a ser um número bastante elevado e que suscita preocupações para a CNE.

Os resultados agora conhecidos dão uma vitória ao PS, com 36.086 votos e dois deputados eleitos, e o PSD com 16.086, o que representa a perda de um deputado neste círculo eleitoral. O Chega foi o terceiro partido mais votado – 7.756 votos.

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