Entrevista: Emigrantes Brasileiros falam da terra natal

Por Lita MonizEm São Paulo

Quando me propus a fazer uma entrevista com este grupo de portugueses residentes no Brasil, pensava estar diante de homens de negócios, aqui e em Portugal. O que realmente são, porém no decorrer da entrevista deparei-me com os mais legítimos representantes dos emigrantes brasileiros. Espero que, assim como eu, sintam o que isto representa. Homens a quem o sucesso profissional não desvirtuou em nada o espírito emigrante.

Estamos em casa do Sr. Cardoso, assim como outros aqui, são da Freguesia de Teixeira, Concelho de Baião, distrito do Porto, uma aldeia por eles descrita como muito, muito bonita, aos pés da Serra do Marão, banhada pelo rio Teixeira, uma terra maravilhosa, rodeada de lindas serras, de onde brotam águas cristalinas.

A família Cardoso está em festa, com muita satisfação festejam um ano de vida do neto querido Augustus. Mais uma oportunidade para um convívio entre conterrâneos. Aqui estão reunidos velhos amigos do Sr. Cardoso. Entre eles o Sr. Antônio Abreu o escolhido para falar em nome de todos.

LM – O que representa para o Sr. Abreu revisitar Portugal quase todos os anos?Foi onde nasci, cheguei ao Brasil com 19 anos. Sinto imenso orgulho de ser português. Nascer e criar-se em Portugal é assimilar princípios éticos e morais que vão nortear a nossa vida em qualquer lugar do mundo.Somos um povo trabalhador, honesto, com muita dignidade e caráter.Portugal é um jardim plantado à beira-mar. Um país lindo que nos enche de orgulho. Os filhos da terra, quando voltam são recebidos de coração aberto, com carinho, como se recebe um irmão.Eu adoro Portugal, vou todo o ano para lá. Sou descendente de panificadores, aos 15 anos fui para Lisboa, trabalhei alguns anos no famoso café Nicola. Aos dezoito sentia-me um pássaro à solta livre para voar. Queria ir mais longe, conhecer outras terras. No Brasil já tínhamos família e imigrei como tantos outros para cá. Gostei, a profissão já vinha comigo, entrei no ramo de panificação. Casei, aqui constituí uma linda família, hoje já tenho uma neta médica veterinária, três netos terminando o curso de medicina. Portugal para nós é um país de sonhos, de madressilvas, de rosas, de noites enluaradas.Agora por que nos tornamos emigrantes?O português é emigrante por essência, quer conhecer outros mundos, outras realidades, está no sangue. Mas isto não quer dizer que deixamos de ser portugueses. Uma coisa é um turista qualquer visitar Portugal, achar tudo aquilo muito lindo, sentir-se bem ali. Outra, somos nós voltando. Cada volta representa um reencontro com tudo que temos de mais caro na vida: a nossa terra, a nossa gente. Quando vou a Fátima chego a sentir um arrepio, estar ali pisando um solo visitado por Nossa Senhora de Fátima, Nossa Mãe, Nossa Padroeira. Esta também é uma característica do português emigrante, não perde a fé, a religiosidade, assim como também não perde o caráter, e todos aqueles princípios que vêm do berço. Somos íntegros, bons filhos, bons pais, prezamos muito as amizades boas que vamos fazendo no percurso da vida. Portugal para nós fica sendo aquele país maravilhoso, sublime. O Brasil é o além-mar, um país que se não fosse o Oceano Atlântico seria um só Portugal.LM – Assim como no Brasil se Criou o “Poupa-tempo”, em Portugal, embora tardiamente, foram criadas as lojas do cidadão. Diz-se que ali se consegue, com relativa facilidade, tirar documentos que antes levavam meses e até anos para se conseguirem. Que com igual facilidade se consegue ali abrir um estabelecimento comercial: em poucas horas se consegue licença e toda a papelada necessária para se abrir qualquer negócio em Portugal. Como empresário também em Portugal, já sentiu alguma melhora neste aspecto? Esta realidade está motivando portugueses residentes em outros países de acolhimento a investir mais em Portugal? Ou não é bem assim? Ou seria necessário algo mais para Portugal se tornar um país mais atraente para possíveis investimentos?

Ora veja, é uma verdade, as coisas vão se adequando aos novos tempos. Não há comparação com aquele Portugal de há cinqüenta anos atrás. Hoje Portugal é um país moderno, com muitas facilidades, aberto ao mundo, e com o decorrer dos anos, mais melhorias virão. Ainda nos deparamos com excessos de burocracia aqui e ali, mas realmente Portugal está melhorando muito e estamos muito orgulhosos de estarmos avançando em ritmo europeu, como estamos avançando. Hoje Portugal é um braço da Europa em todos os sentidos. Não bastava a localização geográfica, era necessário trazer para ali a modernidade vivida pela Europa em Geral, e Portugal está caminhando a passos largos para isso. Hoje Portugal é um país de turismo. Aos doze milhões de habitantes, no verão somam-se mais sete ou oito milhões de turistas vindos de toda a parte do mundo. Fica assim um Portugal com 18 milhões de habitantes. Isto nos deixa muito orgulhosos.A burocracia, lógico, também tem que ser entendida como um fator a impor certos limites. Não se pode abrir assim uma firma à toa. Tem que se fazer isso com muita consciência, muita, muita, muita cabeça, com os pés no chão, e naturalmente a burocracia tende sim a facilitar as coisas, mas é bom ir devagar. A modernidade vai ditando as normas. As facilidades virão, se Deus quiser as coisas vão melhorar cada vez mais.Em Portugal, como aqui temos facilidades e entraves, Portugal é uma pátria mãe, nem tudo é perfeito, mas sente-se no ar a boa vontade e o fato de Portugal ser membro da União Européia conta muito.

LM – Qual seria a sugestão do Sr. Antônio Abreu sobre o que precisaria mudar para que os portugueses residentes em países de acolhimento se sentissem mais seguros e interessados em investir em Portugal?

Olhar mais para a classe pobre, como um país de turismo é necessário cuidar para que a pobreza não se alastre. Junto com a pobreza vem a violência, roubos etc. Um país que pretende atrair turistas do mundo inteiro tem que zelar por seus pobres. Assim o turista se sente mais seguro. A modernidade não pode tirar de Portugal aquelas características tão caras a Portugal. É necessário que continue um país limpo, acolhedor, com ar puro, uma natureza despoluída, conservada. Ficamos muito tristes quando no verão ficamos sabendo que o flagelo do fogo, um problema mundial também acaba trazendo prejuízos incalculáveis para a nação portuguesa. Portugal precisa se cuidar mais, adquirir equipamentos modernos de combate ao fogo e criar uma política eficiente de prevenção. A distribuição de renda precisa também precisa acompanhar o progresso do país.

LM. – Sei que estou aqui junto a pessoas que gozam de prestígio junto às Comunidades Portuguesas de São Paulo, que em épocas eleitorais, quer seja para eleger membros das comunidades, quer seja em eleições em Portugal para eleger representantes da nação para os parlamentos, para a presidência de Portugal etc. O que esses representantes da nação poderiam fazer por estes seus eleitores? E aqui gostaria de incluir as práticas políticas do nosso Primeiro Ministro Dr. José Sócrates.

Todos os políticos em toda a parte do mundo têm falhas, sim. Nem Deus conseguiu agradar a todos. Conheço alguns que não têm falhas, são os que depois de eleitos cruzam os braços e não fazem nada.O nosso Primeiro Ministro Dr. José Sócrates, na nossa opinião, está cumprindo o papel dele, falhas, assim como os outros, tem sim, mas se não a todos, está satisfazendo uma boa maioria. E se Deus quiser ainda nos há de surpreender com boas atitudes. Vamos continuar a lhe oferecer o nosso voto de confiança e pedir a Deus que o ilumine, que lhe mostre o caminho para ir de encontro às melhores opções para que o nosso país seja cada vez melhor.

LM – Voltando ao papel dos portugueses residentes em países de acolhimento e à sua importância para o desenvolvimento da nação, há assim alguma sugestão que gostaria de deixar registrada nesta entrevista para que se sentissem mais estimulados a investir em Portugal?

Isso é muito difícil, muito complexo, porque olhe, por exemplo vejo por mim, resido no Brasil há cinqüenta anos. Sim, tenho alguns investimentos em Portugal. Sempre começamos por arrumar as nossas casas, ampliamos o patrimônio e alguns se aventuram a investir em cidades maiores. Mas ao mesmo tempo que investem aí, investem aqui também. O emigrante é assim mesmo. Uma andorinha que vai e vem, é uma pessoa que Deus determinou para que tivesse este espírito de aventura, está no sangue. Vai e vem, aí estão as suas raízes, os entes queridos, a terra onde se criou, isto não se esquece nunca. Mas foi aqui que fincou os pés, que cresceu, progrediu.Aquele que tem condições de investir em Portugal não se arrepende. É a nossa terra além de ser uma terra maravilhosa. Mas tem que fazer isso com muita cautela. Investir em Portugal custa muito dinheiro. Uma moeda forte, o câmbio oscilando muito. Agora como país promissor, claro que é. Portugal hoje faz parte da União Européia e tem que acompanhar os avanços sociais, políticos e econômicos dos demais. A tendência é crescer a passos largos. Podemos dizer que o progresso chegou ali e não vai parar nunca. Estradas maravilhosas, restauros em todos os cantos e recantos. Acredito que todos os que puderem têm Portugal como um lugar de investimento seguro, embora caro.Todo o português tem a ambição de visitar o seu torrão natal e se sentir parte dele, criar raízes novas e isso é muito bom, traz uma sensação boa de paz e felicidade. Só é feliz quem feliz se julga. Todo aquele que não se julgar feliz, não é feliz. Agora se eu sou feliz no Brasil tenho que continuar aqui. Se não, tenho que continuar procurando. Sou feliz indo a Portugal todos os anos. Como Deus me deu condições para fazer isso. Faço-o com muito prazer. Investir em Portugal, para nós é uma recompensa, levanta a auto-estima. Ao mesmo tempo que ajudamos no progresso da Nação, nos orgulhamos muito disso.

LM – Agora vamos inverter as posições. O Sr. diria para alguém de Portugal que lhe pedisse uma sugestão sobre investir no Brasil de hoje?

O Brasil continua sendo um país de oportunidades. Temos a TELECON e a GALP investindo alto no Brasil. Atraídos pelas paisagens de rara beleza do Nordeste Brasileiro, muitos portugueses estão investindo em áreas relacionadas ao turismo. O Brasil é um país maravilhoso, não tardará muito para que se torne um dos países maiores do mundo. Faltam investimentos na educação, na segurança, falta vontade política para resolver os problemas que atrasam o progresso do país. Se Deus quiser este país logo, logo será uma grande nação. É um país promissor, maravilhoso. Só vivendo aqui é que se conhece o que é o Brasil: um país fascinante, imenso, um povo que por sua origem, uma mistura de raças, é mais aberto a novidades, acolhe sem preconceito quem para aqui vem trabalhar e crescer.

LM – Para finalizar esta entrevista, fale-nos um pouco do modo de ser e de viver destes emigrantes brasileiros dos quais o Sr. Antônio Abreu é um legítimo representante.

Com muito trabalho, honestidade, dedicação e aquela formação que vem do berço, graças a Deus fui vendo pouco a pouco o meu trabalho sendo coroado, agradeço a Deus por ter tido saúde para chegar onde cheguei. Procuro seguir em frente sempre. A Portugal volto, como os meus amigos aqui voltam também, seguimos a cantiga:“Vivo além do meu casebreOnde eu vivia lá.Onde há cheiro a rosmaninho.Onde nasceram meus pais, e osRouxinóis fazem ninho.Foi lá que aprendi a rir, a trabalhar, a sonhar.Saio sempre entre cantigas, e volto sempre a cantar.Dizem que no meu casebre tudo Aparenta pobreza. Que me importa o Que eles dizem, se para mim tudo é Nobreza.

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