Decreto obriga descendentes de judeus sefarditas comprovarem real ligação a Portugal

Mundo Lusíada com Lusa

O Governo português aprovou em Conselho de Ministros um decreto-lei que reforça a regulamentação da lei da Nacionalidade relativa aos descendentes de judeus sefarditas, obrigando-os a comprovarem uma real ligação a Portugal para poderem adquirir a nacionalidade.

Promulgada em 09 de março por Marcelo Rebelo de Sousa, a Presidência da República só divulgou essa promulgação nesta quarta-feira, após a publicação da matéria no jornal português Público, contrariamente ao que costuma tradicionalmente fazer, com a divulgação no dia em que é feita a promulgação.

Aos jornalistas em Lisboa, o presidente Marcelo Rebelo explicou o atraso na divulgação da promulgação do decreto-lei que regula a Lei da Nacionalidade relativa aos descendentes de judeus sefarditas. “Eu promulguei no dia 09 [de março], depois foi para referenda ministerial e para publicação. Há sempre um certo tempo, daí só agora vir a ser divulgada”, afirmou o Presidente da República.

“Teve que se apurar se não havia ali nenhum problema com a competência da Assembleia da República – e não havia Assembleia da República para votar a lei – e chegou-se à conclusão de que não havia, que era possível ao Governo, mesmo sem a intervenção da Assembleia, fazer aquela aplicação numa lei muito sensível, que no fundo se traduz em exigir requisitos de ligação efetiva a Portugal”, afirmou.

Segundo o jornal, a nova medida não será retroativa, e vai passar a considerar, por exemplo, a herança de um imóvel em território português ou comprovação de visitas a Portugal, além dos documentos referentes a descendência judaica.

Idoneidade

A ministra portuguesa da Justiça afirmou nesta quarta-feira a sua confiança na idoneidade das comunidades israelitas que certificam a nacionalidade de judeus sefarditas, remeteu quaisquer alterações para uma próxima legislatura e disse que o IRN está legalmente impedido de questionar certificados.

Em Lisboa, Francisca Van Dunem disse não ter “nenhuma razão para questionar a idoneidade das comunidades”, remetendo para a investigação criminal o apurar de “existência ou não de irregularidades de natureza criminal na emissão dos certificados”.

“Neste momento, uma das questões que estará em causa no processo-crime é precisamente perceber que critérios são utilizados para se emitir aqueles certificados e se esses critérios são suficientemente consistentes para permitir a alguém atestar determinada origem”, disse.

Sobre a participação do Instituto de Registos e Notariado (IRN) no processo de certificação de nacionalidade e a conversão de um inquérito – aberto em janeiro e concluído em fevereiro, como previsto, disse Van Dunem – em processo disciplinar, a ministra não quis adiantar quantos funcionários são visados nem por que razões e disse que ao IRN pouco mais cabia do que validar a informação recebida, sem capacidade de questionar.

“Neste momento, o IRN, basicamente, o que faz ao abrigo desta lei é receber os certificados e não tem, de fato, forma de os pôr em causa, de os questionar”, disse a ministra.

Questionada sobre se isso não é uma falha no processo, a ministra respondeu ser “uma questão meramente legislativa”.

“A legislação que existia é que não previa que houvesse a obrigatoriedade de fazer a demonstração de qualquer outro vínculo, bastava o certificado e a partir daquele momento o IRN tinha muita dificuldade em encontrar forma de questionar”, disse a ministra.

Questionada sobre eventuais alterações ao processo de certificação da nacionalidade, para além das novas exigências contidas no decreto-lei de regulamentação da lei da nacionalidade, já promulgado pelo Presidente da República, Francisca Van Dunem remeteu para a próxima legislatura.

Recusou ainda qualquer revisão de processos já concluídos – nomeadamente os certificados emitidos pela Comunidade Israelita do Porto, sobre a qual recaem as suspeitas criminais e que atestou a grande maioria dos casos – afirmando que “o Governo não fará isso enquanto não tiver um fundamento para o fazer”.

A ministra da Justiça acrescentou que se no desfecho do processo-crime se comprovar “a falsidade intelectual” dos documentos apresentados para certificação, ou seja, “uma desconformidade entre aquilo que está declarado e a realidade, então nessa altura, sim”, poderá haver uma reavaliação de processos já concluídos.

Sobre o processo de naturalização do multimilionário russo Roman Abramovich, insistiu que uma eventual retirada de nacionalidade não pode decorrer diretamente de sanções e que só a prova de falsidades no processo a pode originar.

Francisca Van Dunem considerou ainda que o novo decreto-lei “melhora muito” a prevenção de falsidades e irregularidades, ao incluir exigências de ligação a Portugal, seja por via de uma herança, por exemplo, ou por visitas regulares ao país que atestem uma efetiva ligação.

A investigação no âmbito do processo de naturalização de Abramovich, que levou à detenção na quinta-feira do líder religioso da Comunidade Judaica do Porto (CJP), o rabino Daniel Litvak, implicou a realização de buscas e envolve suspeitas de vários crimes, nomeadamente tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documento, lavagem de dinheiro, fraude fiscal qualificada e associação criminosa, indicaram a Polícia Judiciária (PJ) e o Ministério Público (MP) em conjunto.

Suspeitas

Também o presidente da Rede de Judiarias de Portugal (RJP) defendeu que é preciso “averiguar o que aconteceu” em torno dos processos de atribuição de nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas e lamentou que haja suspeitas de irregularidades e crimes.

“Tem de se averiguar o que efetivamente aconteceu e, provavelmente, saber se as pessoas tinham mesmo direito a pedir a nacionalidade portuguesa ou não”, afirmou à agência Lusa, António Dias Rocha, que também é presidente da Câmara de Belmonte, localidade que tem uma das mais antigas comunidades judaicas do país.

Ressalvando que não conhece o processo que levantou suspeitas, Rocha também sublinhou que a Rede de Judiarias, que integra autarquias e comunidades judaicas, nunca esteve envolvida nos processos de atribuição de nacionalidade.

Ainda assim, lamenta “profundamente” que haja suspeitas que possam pôr em causa “uma ideia que era boa” e que possam prejudicar a imagem e o trabalho que tem sido feito para valorizar a herança judaica em Portugal.

Em causa estarão alegadas irregularidades cometidas em processos de atribuição da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas, que se encontram em investigação. Os judeus sefarditas são originários da Península Ibérica expulsos de Portugal no século XVI.

Entre 01 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021 foram aprovados 56.685 processos de naturalização para descendentes de judeus sefarditas num total de 137.087 pedidos que deram entrada nos serviços do Instituto de Registos e Notariado (IRN).

De acordo com dados enviados em fevereiro à Lusa pelo Ministério da Justiça, apenas 300 processos foram reprovados durante este período, restando, assim, segundo os dados registados no final do último ano, 80.102 pedidos pendentes.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: