Contributo para a compreensão do que é Folclore

Diz a Sociedade de Língua Portuguesa que o estudo do Folclore começou na Alemanha em 1812 com trabalhos de muito valor. E como sabemos, não só a Alemanha se preocupou com tal estudo, mas outros países como por exemplo a Itália, a Espanha, os Países Baixos, etc. O mesmo estendeu-se depois a Portugal e a outros países.

Entre nós, foi Almeida Garrett (1799-1854) que no nosso país foi o introdutor do romantismo, que iniciou tal estudo pela investigação dos contos, dos adágios, dos provérbios e mais ainda como por exemplo das adivinhações, dos jogos, dos cancioneiros. O seu Romanceiro data de 1851.(1853?).
Entretanto não podemos esquecer outros nomes como José Leite de Vasconcelos, Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira. Sendo ainda de realçar o Cancioneiro Popular Português de M. Giacometti.
Ainda quanto a Portugal, não podemos esquecer que Gil Vicente (1435-1538 ) “já traçara um vastíssimo quadro da sociedade portuguesa” sendo a partir do romantismo que se verifica um amplo interesse por motivos folclóricos e aspetos etnográficos” por se considerar que neles se encontrava a verdadeira essência da alma nacional”

Mas a palavra Folclore aparece pela primeira vez, em forma de proposta para substitui a expressão “antiguidades populares” até então usada, numa carta enviada por W. S. Thomas em 22 de Agosto de 1846 à revista The Athenaeum. E aparece através dos vocábulos da língua inglesa folk e lore (povo e saber) que foram unidos (folklore) passando a ter o significado de saber tradicional de um povo. Este termo passou a ser utilizado então para se referir às tradições, costumes e superstições das classes populares. Posteriormente, o termo passa a designar toda a cultura nascida principalmente nessas classes, dando ao folclore o status de história não escrita de um povo. Em 1878 esta designação é reconhecida internacionalmente

Afinal, o que é Folclore?
FOLCLORE é a expressão da vivência das gentes de antigamente quando a sua maneira natural de ser e de estar não era ainda tão marcada por influências que lhes chegavam de fora.
Em que tais influências eram recebidas, adotadas e aculturadas. Tradicionalizadas, se quisermos.
Antes de um tempo em que as mesmas se tornaram tão intensas e numerosas que elas próprias passaram a aculturar as vivências locais comunitárias. A alterá-las e fazê-las desaparecer. Como acontece hoje.
Influência que não se fez sentir em todo o lado ao mesmo tempo. Dependendo isso da temporalidade e ritmo de mudança das diversas sociedades; naturalmente diferenciado.

Como sabemos então o que é Folclore?
Há quatro situações que quando em conjunto o determinam: ser popular, ser normalmente de autor desconhecido, ser tradicional e ser comunitário.
1) ser popular: ser usado pelo povo. A que o povo, pela dita usança, aculturativa ou não, adaptou, e conferiu características marcantes próprias.
2) ser normalmente de autor desconhecido: claro que tudo teve um autor, mas grande parte da criação popular é feita de sucessivas transformações: algumas tão ligeiras que nem se apercebem. Algumas involuntárias apenas dependendo das características do utilizador. Dando o exemplo de uma “moda”, alguém a fez, mas tocador após tocador, cantor após cantor, com as alterações que involuntariamente foram sendo introduzidas, acabou por a ir alterando até algumas vezes se transformar numa música muito diferente: que podemos até não considerar o mesmo padrão.
Contudo, muitas músicas são de origem urbana que o povo vai adotando e adaptando. Nestas, como aliás nalgumas de criação local, pode-se ás vezes identificar o autor. São, contudo, casos raros.
3) ser tradicional: ter passado de geração em geração, chegando-nos por via oral ou por imitação, fazendo-se como se via fazer ou ouvia; devendo ainda entender-se como tradicional os comportamentos, os usos, as vivências, os valores que qualquer grupo social, relevante culturalmente, utilizou durante o tempo suficiente para impor a marca local, independentemente da sua origem e natureza.
4) ser comunitário: pertencer a uma comunidade cultural significativa e não apenas a uma família ou pessoa. Ser usada pela totalidade da mesma ou por um grupo social de dimensão significativa.
Exemplo: um fato muito bonito mas que só uma pessoa usava, pois lhe tinha oferecido por um familiar de outra região e nunca se vulgarizou localmente, não é folclore.

Poderemos assim e numa diferente linguagem que “o padrão tradicional (leia-se folclórico) é todo o tipo de elemento cultural que as populações rurais criaram ou adotaram e que se popularizou pela sua adequação às funções e/ou gostos locais ou regionais, vulgarizando-se o seu uso nem todos ou num qualquer grupo social, qualitativa e quantitativamente representativo, durante um espaço de tempo quantitativo”. ”Folclore é, pois, memória de um tempo que já passou e não volta”

Mas o folclore parando ali, sendo simplesmente uma referência no tempo, não impede a evolução, embora agora já na forma de património popular não tradicional, tampouco interfere no aparecimento de novos fenómenos culturais, que devidamente estudados ocuparão o seu lugar.
Como se verifica, uma das condições para ser folclore é ser tradicional, situação que ainda hoje se mantém dado que o mesmo (folclore) não evoluiu, pois diferentes passaram a ser as nossas vivências. Do tempo em que mesmo as influências que chegavam às nossas comunidades eram adaptadas local e comunitariamente, passou-se ao tempo “em qua a realidade local é submersa pelos enormes fluxos de influências que aí chegam é por estes moldada e universalmente uniformizada”. As formas de viver são cada vez mais iguais, não são semelhantes, não são representativas das respectivas épocas.
E assim, sendo cultura tradicional,é também o guardião da nossa identidade cultural. É certo que esta é evolutiva, mas digamos que num sentido negativo pois quanto mais evolui mais iguais nos tornamos. Pelo que lá temos que ir ao tal ponto de referência no tempo, à procura da identidade cultural “tradicional”

Falamos do Folclore género cultural, ciência auxiliar da Antropologia Cultural, que naturalmente não alterou a definição no tempo do Estado Novo, pois que aquilo que os grupos (alguns grupos) apresentavam não era folclore.

Fica-se entretanto surpreendido, quando constatamos que há quem considere “que a definição inicial do folclore corresponde, grosso modo, ao conceito catual de Património Cultural Imaterial, que foi regulado, acrescentamos, pela Convenção de 2003 da UNESCO. Isto quando se pode dizer “que cada um é aquilo que o outro não é”.

Em PATRIMÓNIO.PT de 23 de Maio de 2013,a Dr.ª Clara Bertrand de Carvalho, responsável pela Cultura na Comissão Nacional da UNESCO no nosso País, publicou um artigo intitulado PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL,UM PATRIMÓNIO INCLUSIVO, que clarifica a definição do mesmo.

“Sendo um património fundado nos conhecimentos e práticas, não se caracteriza pela autenticidade mas sim pela constante transformação e recriação, não se funda no tempo e na história mas antes na prática recorrente e na transmissão intergeracional, não visa preservar coisas mas salvaguardar saberes e conhecimentos. O olhar do sujeito desvia-se do objeto patrimonializável para se centrar no criador do património, que é chamado a ter um papel ativo em todo o processo”

Um Património, afinal, que em nada beliscou o Estatuto do Folclore, o que a própria autora me confirmou.

Colóquio tradição, cultura e folclore
Montargil, 23 de Janeiro de 2016
– Conclusões –
DAS COMUNICAÇÕES E DEBATES HAVIDOS, DECORREM COMO SÍNTESES CONCLUSIVAS:
– Que Folclore pode ser visto como sinónimo de cultura tradicional.
Apesar do folclore atual ser visto em termos retrospetivos. Apesar das componentes culturais que os agrupamentos, ditos de folclore, normalmente utilizam constituírem, apenas, uma parte de um todo cultural e tradicional maior.
– Que a Tradição (que, naturalmente, ainda hoje existe), era nas sociedades ditas tradicionais, o veículo essencial de continuidade de práticas e ideias.
– Que Folclore é património tangível e intangível (ou material e imaterial, se quisermos) embora o património constitua, naturalmente, um conceito mais abrangente.
(Engloba, por exemplo, o património não tradicional, o património monumental, o paisagístico, o artístico, etc.,…)
– Deste modo, o Folclore tal como hoje o entendemos, corresponde assim à ancestral cultura local tradicional: entenda-se, a maneira local de fazer as coisas, que a tradição enformava e a usualidade comunitária moldava à medida das aculturações populares.
Texto de Núcleo de Estudos de Folclore /Cultura Tradicional que foi enviado à Direcção-Geral do Património Cultural, para fundamentar a solicitação de que o Folclore seja reconhecido oficialmente como Cultura Tradicional

 

Por Lino Mendes
De Portugal, Conselheiro Técnico Regional

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