Concessão de nacionalidade aos netos de portugueses: um atraso inaceitável

Por Eduardo Neves Moreira 

Uma adepta da seleção portuguesa assiste ao jogo das meias finais do Euro 2012, Portugal vs Espanha, na Avenida dos Aliados, no Porto, 27 de junho de 2012. ESTELA SILVA / LUSAA falta de atuação do poder executivo na expedição de normas regulamentares e complementares necessárias à lei que concedeu o direito à nacionalidade portuguesa aos netos de portugueses que a pretendem obter afigura-se como incompreensível e inaceitável por aqueles que lutaram para a sua aprovação e para os que desejam beneficiar da referida concessão legal.

Tendo sido aprovada pela Assembleia da República em 29 de Maio do ano passado, acabou por ser sancionada pelo Presidente da República e publicada no Diário da República de 29 de Julho de 2015, devendo, segundo disposto na própria lei, ser regulamentada até 29 de Agosto do mesmo ano, ou seja, 30 dias após.  Inexplicavelmente, depois de mais de um ano da sua aprovação, o Governo nada fez para que a mesma entrasse em vigor, fazendo com que os consulados de Portugal espalhados pelo mundo continuem a proibir o direito ao uso da nova lei, por falta dessa regulamentação e instruções complementares.

Eu fui o autor da primeira medida em favor dessa concessão, quando presidia o Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas, apresentei a Recomendação n.º 14/98, aprovada por unanimidade pelo referido órgão, e que visava a concessão do direito à nacionalidade portuguesa aos netos de cidadão ou cidadã portugueses.  Lamentavelmente, o Governo à época fez ouvidos de mercador ao pleito do CCP e nada foi obtido. Posteriormente, diante do silêncio do poder executivo e quando cumpria o mandato de deputado da Assembleia da República, apresentei o Projeto de Lei n.º 544/IX, em 2004, visando levar a iniciativa à decisão do Parlamento. Não tendo conseguido o andamento necessário à sua aprovação, o mesmo acabou por ser arquivado no final de 2005, em razão da interrupção do mandato governamental, por iniciativa do então Presidente da República, dr. Jorge Sampaio.  As queixas e as manifestações de desânimo, por parte de muitos milhares de cidadãos que já se estavam preparando para obterem os benefícios que a nova lei poderia lhes dar, foram tão expressivos que o Governo encaminhou uma iniciativa visando a referida concessão, mas pecou a Assembleia da República, ao aprovar que os beneficiários da nova lei apenas poderiam obter a nacionalidade portuguesa por naturalização. Ora, tal concessão, dessa forma, acabou por constituir uma discriminação chocante, considerando que um neto de portugueses, que adquiriu a nacionalidade através de seus progenitores tem o direito à nacionalidade de origem, ou seja, idêntica a um nato, enquanto o neto que a adquirisse diretamente, sem a interferência dos pais, apenas conseguiria a nacionalidade por naturalização, com todas as restrições previstas em lei.  A aberração jurídica fica caracterizada pelo facto de que o Estado português adopta o princípio do jus sanguinis para a concessão de nacionalidade e um neto de português que tenha adquirido a nacionalidade de seu pai ou de sua mãe e outro, que a tenha adquirido diretamente de um de seus avós, possui o mesmo vínculo sanguíneo, não sendo admitida tal discriminação.

A falta de agilidade e até desídia por parte das autoridades administrativas neste caso vem causando sérios prejuízos ao exercício da lei, já tendo, inclusive, falecido muitos dos que pretendiam beneficiar da mesma, como, por exemplo, no Brasil, o ex-senador António Ermírio de Moraes, ex-presidente do Grupo Votorantim, e que presidiu durante muitos anos à Beneficência Portuguesa de São Paulo, que era neto de portugueses e que desejava, ardorosamente, segundo suas próprias declarações, adquirir a nacionalidade portuguesa de acordo com a nova lei.

Pela ameaça do reenvio do instrumento legal à Assembleia da República, para proceder a alterações, devemos insurgir-nos, pois certamente será mais uma tentativa de restringir o direito já outorgado, criando embaraços sem justificação.  Já basta que o texto aprovado restringe a concessão da nacionalidade ao neto que não comprovar que sabe ler e escrever o português, que, em princípio, não deveria existir em razão do princípio do jus sanguinis, mas que, enfim, é aceitável como uma forma de ligação à pátria; e outras exigências, como ter visitado o país recentemente, o que é discriminatório, pois acaba por dificultar o exercício do direito àqueles que possuem poucos recursos.

Esperemos que o Governo reflita e recue de sua pretensão, fazendo disciplinar as normas bastantes e necessárias para que os nossos descendentes possam, finalmente, beneficiar do que, a tão duras penas, foi conseguido.

 

Por Eduardo Neves Moreira
Ex-Deputado da Assembleia da República, ex-Presidente do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas

12 Comments

  1. Excelente manifestação Dr. Eduardo.
    Inaceitável está procrastinação e descaso com os descendentes de portugueses que desejam oficializar sua ligação com a pátria de seus familiares.

    1. Verdade. Minha esposa hoje é cidadã portuguesa, por nacionalidade e esse tipo de cidadania que refere-se a concessão ao neto, cujo pai já faleceu, “não dava direito a cidadania a minha filha de 21 anos”, por ser de maior de idade, mesmo que ela tenha nascido da barriga de uma portuguesa legalizada…

  2. Continuando…
    Difícil entender como uma filha de portuguesa, simplesmente não pode ser reconhecida como uma cidadã portuguesa… Era um erro grosseiro na legislação em vigor, mas pelo que foi aprovado, corrigiam tal erro e com isso, minha filha tem enfim o direito de “voltar as origens de seu sangue português”.

  3. Continuando…
    Mas por motivos alheios e estranhos, novamente minha filha tem seus direitos negados neste momento, devido a demora sem razão, na regulamentação da referida lei… Absurdo oque estão fazendo com os parentes de portugueses, que querem retornar a pertencer ao seu amado Portugal, pátria amada e que tem tido seu direto a cidadania negado.

  4. Continuando…
    Os parentes sanguíneos de Português, estão impedidas de obter seu direito legitimado pela lei por falta de regulamentação… Minha filha com 17 anos e minha esposa já com a cidadania portuguesa, negaram a cidadania a minha filha: Alegação: Falta de “efetividade” com o povo português… Como um menor de idade pode comprovar efetividade?

    1. Prezado Sr. Marco Cesar:
      Assim que a nova lei for regulamentada (só Deus sabe quando), a sua filha poderá obter a nacionalidade sem maiores problemas.
      Na situação atual ela precisa demonstrar uma efetiva ligação a Portugal, o que é uma manifestação subjetiva, dificultando a sua aplicação com uniformidade. No entanto, se ela demonstrar que participa, na cidade onde reside, que é sócia ou participa habitualmente de atividades sociais ligadas à cultura ou meios portugueses, é um fato importante. Sugiro, ainda, que vá a Portugal antes de dar entrada no processo e que abra uma conta corrente bancária (preferencialmente na Caixa) e obtenha uma inscrição de contribuinte (Ministério das Finanças).
      Com tal documentação, certamente, lhe será reconhecida a “efetiva ligação a Portugal”.
      Se ela conhecer alguém importante na Comunidade Portuguesa onde reside, uma declaração dessa pessoa dizendo que a conhece e que a mesma frequenta meios da comunidade portuguesa local, ajuda muito.
      Cumprimentos e sucesso,
      Eduardo Neves Moreira

  5. Continuando e encerrando.
    que estaria por trás disso? Qual o interesse em adiar essa regulamentação? Que prazer tem o Estado Português em tirar o sonho das pessoas, por mera falta de esmero com sua responsabilidade em cumprir as leis, que o congresso aprova? Congresso esse eleito pelo povo para defender os interesses desse mesmo povo que o elegeu… Sendo assim, encerro…

  6. Essa demora deve-se, a meu ver, pela tentativa do atual governo, do Partido Socialista, não desejar dar valor a uma lei cujo projeto partiu do Partido Social Democrata e tentar depreciá-la.
    É lamentável esse procedimento de trazer questiúnculas políticas para a vida quotidiana dos cidadãos, que ficam prejudicados pela impossibilidade do exercício de uma lei, que já está em vigor.
    Estamos pressionando, inclusive solicitando a interferência do Presidente da República.
    Eduardo Neves Moreira

    1. Bom dia,Sr. Neves Moreira,
      Os interessados na cidadania portuguesa ,que estão a esperar a alteração de lei,souberam no início de fevereiro que a previsão para a regulamentação seria até fim de março. A seu ver, considerando as discussões atuais que o senhor tenha conhecimento, pode-se cumprir esse prazo?
      Att
      Fernanda

  7. Prezado sr. Eduardo,

    A pergunta que nao quer calar-se:

    Existe algum risco de os ja portugueses por meio da aquisicao coforme artigo 6 n. 4 nao terem acesso ao direito de requererem a averbacao da nacionalidade originaria apos a regulamentacao da alteracao desta material?

  8. Gostaria de informação junto ao grupo para tentar conseguir minha nacionalidade e de meus filhos. Meu pai é neto português e já juntei toda a documentação necessária para tentar ir ao consulado em busca de nossa nacionalidade. Alguém que já passou por este processo pode me dar alguma dica e quem sabe um caminho mais fácil para conseguirmos a documentação?
    Aguardo e agradeço

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