Angra “divina”: festa popular resgata cultura portuguesa

Por Igor Lopes
De Angra para Mundo Lusíada

Angra Festa Portuguesa (2)

Em apenas dez dias de festa, a cidade de Angra dos Reis fez um autêntico passeio pela cultura portuguesa. Foram realizados, de 10 a 19 de maio, eventos religiosos, folclóricos e houve espaço ainda para uma “pitada” de fado, além das manifestações culturais da região. Essa receita tradicional acabou encantando o público, que pôde participar em um evento promovido pela prefeitura, com o apoio da Fundação Cultural Cultuar. A proposta da prefeita Conceição Rabha passa pelo resgate da tradição da festa do Divino Espírito Santo, que pretende devolver à cidade características originais que estavam “esquecidas”.

Angra, que fica a cerca de 150 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, é conhecida por receber turistas nacionais e estrangeiros o ano inteiro, que procuram a paz das águas e das suas 365 ilhas. A festa do Divino é uma das mais populares na região. Sua origem é portuguesa, tendo chegado a Angra dos Reis no século XVII. Já no Brasil, a tradição manda que um menino, escolhido entre as famílias da região, represente a realeza do imperador do Divino Espírito Santo. Este ano, essa função recaiu sobre Vitor Paulino Ferreira, de 11 anos de idade.

A par de toda essa movimentação que acabou integrando a população, a festa ficou marcada pela representação da cultura lusitana, com ênfase para a dança e o fado. O cenário não poderia ter sido outro. O governo local montou um palco no Largo do Carmo, na zona central da cidade, tendo como pano de fundo o secular Convento do Carmo.

Em cena, muito folclore e música portuguesa, o que manteve os olhares atentos da plateia, que contemplava também as tradições locais, como a dança dos Velhos e dos Marujos. Para marcar essa que é uma das maiores celebrações religiosas da cidade, Angra dos Reis se enfeitou para receber os visitantes e os protagonistas da festa, que, entre uma atração e outra, aprovaram o intuito de se manter viva a chama da cultura local.

O verdadeiro bailarico

Como a festa é de origem lusitana, a música portuguesa não poderia ficar de fora. Em solo angrense, o conjunto carioca “Amigos do Alto Minho” abriu passagem para a música portuguesa, numa apresentação que agradou ao público, no dia 12 de maio. Nos dias seguintes, foi a vez do folclore luso ganhar vida através de casas regionais do Rio. Os trajes típicos, as danças e a forma de ser dos portugueses foi representada pela Associação Grupo Etnográfico de Cantares e Dançares “João Ramalho de Lafões”, da Igreja de São Tomé Apóstolo, no dia 17, além dos ranchos “Guerra Junqueiro”, da Casa Trás-os-Montes e Alto Douro, no dia 18, e do grupo “Fausto Neves”, da Casa de Espinho, no dia 19. Ainda no dia 18, a fadista Çiça Marinho e o Trio Ricardo Araújo exibiram a alma do fado e o som da guitarra portuguesa, um estilo típico que traduz a diversidade musical do povo de Portugal.

Antes do show, Ciça Marinho conversou com o Mundo Lusíada e disse que estar em eventos que valorizam a música portuguesa é uma forma de se promover a cultura lusitana.

“Estou com vontade de passar um pouco das nossas raízes, do que tem de novo. O importante é que estão abrindo um pouco mais de espaço para a música portuguesa. No início teve o auge, mas depois ficou apagado e, agora, estão pelo menos homenageando, pois essa festa aqui é uma homenagem”, comentou a fadista, que cantou em Angra pela primeira vez.

Como a apresentação foi a céu a aberto, diferente do habitual local fechado e à luz de velas, a fadista precisou fazer alguns ajustes na forma de cantar, numa tentativa de evitar o vento e a variação do som. No entanto, e apesar dessa experiência, nada impediu que ela se aproximasse do público, conquistando aplausos.

“Dá medo (atuar em praça pública). É um desafio. O mais importante, principalmente no Brasil, é interagir com as pessoas. Temos que chamar a atenção para a música portuguesa e devemos incentivar o povo para que ele possa responder”, sublinhou.

A presença do folclore português, que também teve o seu espaço, foi motivo de alegria para os componentes dos grupos. Atuar longe das casas regionais, ainda mais para uma plateia nova, pode ser algo positivo.

“Acho muito legal essa divulgação do folclore. Está faltando um pouco essa questão de se divulgar o trabalho dos grupos regionais. Ficamos muito presos às casa regionais. Seria interessante se pudéssemos nos apresentar em locais onde o público não conhece o folclore, até mesmo para atrair novos espectadores, pois, dentro das casas, atraímos somente pessoas da comunidade, que já conhecem nosso trabalho. Além do mais, nas casas temos pessoas que entendem de folclore e, se houver qualquer falha, há críticas”, avaliou Luis Paulo da Fonseca, ensaiador do rancho Guerra Junqueiro, que comentou que a recepção do público em Angra foi “muito boa”.

Já na opinião de Benita da Fonseca, ensaiadora dos ranchos adulto e mirim da Casa de Espinho, dançar no reduto dos clubes portugueses tem a sua vantagem, uma vez que as pessoas conhecem o ritmo, danças e trajes do folclore. Por outro lado, quando a apresentação acontece distante dessas casas, o público pode estranhar, pois “não conhece os costumes” e podem achar “estranho o lenço na cabeça ou a faixa na cintura”.

“O folclore pode ser algo muito novo. Mostramos à população que não é só aquela coisa de shortinho curto ou folclore indígena. É algo a mais”, enfatizou Benita. Segundo a ensaiadora, “é interessante essa junção do folclore nacional com o internacional”.

Angra Festa Portuguesa (6)Prefeitura pretende continuar trabalho cultural

A realização da festa do Divino deste ano deixou clara a intenção da prefeitura de Angra dos Reis de resgatar a tradição local.

“A festa do Divino é tradicional aqui na cidade e foi resgatada depois de muitos anos e faz parte da nossa tradição cristã. Com a vinda do Zequinha (José Miguel filho) para a secretaria de Cultura, a cidade resgatou essa festa. Com isso, procuramos, a cada ano, manter essa tradição que não se pode perder. Ela tem que ser mantida em toda a sua originalidade e é isso o que estamos fazendo, com o intuito de fomentar e fortalecer a cultura”, afirmou Conceição Rabha, prefeita de Angra.

“Temos muitos portugueses que já viveram ou que ainda vivem por aqui. Essa integração do povo português com a cidade é forte e a festa do Divino resgata isso”, referiu a governante.

De acordo com José Miguel Filho, presidente da Cultuar, receber os grupos portugueses reforça os laços entre as duas nações.

“A festa do Divino é muito forte nos Açores e os nossos primeiros imigrantes aqui eram açorianos. Essa celebração vem dessa tradição. Houve uma grande miscigenação com a nossa cultura. As Jardineiras, por exemplo, são as vendedoras de flores dos Açores. Os Lanceiros eram os guardas do imperador. Já os Velhos eram escravos que se escondiam por detrás das máscaras para participar da festa. Sem falar nos Coquinhos, filhos dos escravos. A festa tem mais de três séculos e é de origem portuguesa com certeza”, comentou José Filho, que pretende que, em 2014, o evento aposte mais na gastronomia lusitana.

As comemorações terminaram à luz e som dos fogos de artifício e com o desejo de que, no próximo ano, a alegria dessa festividade volte a reinar na cidade. Os angrenses agradecem.

Menino vive dias de “imperador”

Vitor Paulino Ferreira tem apenas 11 anos, mas viveu um dia de rei, ou melhor, de imperador, na última festa do Divino, em Angra dos Reis. Ele foi escolhido por sorteio para ser o “menino-imperador” durante a festividade, sendo responsável por representar o Espírito Santo.

Cercado de “mimos”, o seu cotidiano foi diferente entre os dias 10 e 19 de maio. Sequer podia sair ou voltar para casa sem o seu séquito. A mordomia era tanta que ele tinha um trono na sala de casa, onde recebia amigos que sonhavam um dia protagonizar a festa.

Na sua opinião, a celebração atrai a atenção dos jovens para a cultura local. “Estou orgulhoso por fazer parte dessa festa. Espero que os meninos da catequese procurem participar da festividade, pois não a podemos deixar acabar”, afirma Vitor.

Logo_Galeria-de-ImagensPara Maria e Abidias, pais do menino-imperador, é um orgulho ver a alegria do filho. “Essa é a festa mais esperada do município, onde o ápice é o Espírito Santo”, diz Maria.

Já Abidias revela que é bom ver o filho como “autoridade” nesses dias. Vitor contou ainda com a atenção dos avós e da irmã.

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