Por Ives Gandra da Silva Martins
Há alguns meses, o jornal Folha de S. Pauto publicou pesquisa feita sobre os Poderes que poderiam colocar em risco a democracia. Preocupada com os poderes políticos (Executivo e Legislativo), não deu maior destaque ao STF, cujos resultados veiculados em coluna inferior, numa das páginas interiores, não foram realçados na manchete. O resultado, todavia, foi assustador: 63% da população entendeu que a Suprema Corte coloca em risco a democracia no Brasil.
Tenho me utilizado, em palestras e conversas, dessa pesquisa, pela preocupação que me causa ver a Instância Maior da justiça brasileira ser assim avaliada pelo povo brasileiro.
Em conversas que costumo ter com pessoas menos favorecidas da população, a percepção é de que a Suprema Corte está agindo politicamente, que decide de acordo com suas convicções políticas e não com o fazer justiça. Dizem que a Suprema Corte solta famosos narcotraficantes, condena o presidente Lula por corrupção e depois por “firulas jurídicas” – a expressão não é minha, mas de pessoas não versadas em Direito – absolve-o, não permitindo que as provas com base nas quais foi condenado em quatro instâncias possam ser utilizadas, a fim de que aqueles crimes reconhecidos por quatro Instâncias sejam esquecidos e ele possa ser, de novo, presidente. E, para isto, o STF, que possui sete ministros indicados pelo partido do ex-presidente Lula, só persegue as redes sociais, o presidente e os amigos deste, ou seja, os conservadores do país.
Nem falo da condenação do Deputado Daniel Silveira, que deveria ser punido pela Câmara por falta de decoro, e não pelo Pretório Excelso, hoje com polêmica aberta sobre o indulto presidencial concedido.
É difícil explicar para quem não conhece os infinitos recursos que o direito de defesa no Brasil possibilita a quem tiver condições de usá-los, que não há “firulas jurídicas”, mas apenas o uso de procedimentos judiciais, podendo os magistrados, se adotarem a corrente doutrinária do consequencialismo jurídico, pelo qual os fins justificam os meios, acrescentar à complexidade do processo judicial a sua pessoal interpretação, muitos reescrevendo textos constitucionais ou legais na convicção de que é o melhor que poderiam fazer naquele momento para a cidadania.
Embora nenhum deles tenha sido eleito pelo povo, muitos deles entendem, pelo neoconstitucionalismo dominante na Corte, que podem representar melhor a vontade popular do que aqueles a quem os eleitores outorgaram esta missão.
Trago essas considerações para a Revista da Aeronáutica, cujas páginas frequento, de tempos em tempos, há mais de 10 anos, pois, quando da condenação de Daniel Silveira, pela manhã, à saída da missa, fui novamente interpelado por algumas pessoas, dentre as quais um professor de karatê e um morador de rua, questionando a razão pela qual perigosos narcotraficantes e saqueadores do Tesouro estão soltos – sendo que houve a devolução pelos corruptores de bilhões de reais-, e o deputado, por uma manifestação política contra o STF, foi condenado a oito anos de prisão. “Quem lesou a pátria está solto e quem falou apenas contra o STF está preso”, disseram.
Outro dia, em palestra, durante os debates, um dos eminentes interlocutores perguntou-me se teria mais respeito que admiração pelos ministros, em face de sempre elogiar seus conhecimentos e idoneidade. Respondi-lhe que, ao contrário, tinha mais admiração, por conhecer seu valor doutrinário e escritos, do que respeito, por ver suas decisões que levaram àquela dantesca pesquisa da Folha, que considerava que 63% do povo crê que o STF está pondo em risco a democracia no Brasil.
Como podem ver os meus poucos leitores, se chegaram até aqui, o meu objetivo é apenas levar as autoridades dos três Poderes a refletirem sobre esta sensação que começa a invadir a população brasileira, de que o STF está agindo politicamente e interferindo no processo eleitoral a favor de um dos candidatos, que fora resgatado da improbidade administrativa que praticou – não obstante ter sido reconhecida por três tribunais e um magistrado – para derrotar o atual presidente.
Como sempre tive a melhor das impressões do nosso Tribunal Maior, nos 63 anos de advocacia em que convivi com brilhantes e cultos magistrados, perante os quais o próprio governo militar se curvava, impressão esta que sempre mantive pelos atuais julgadores, muito embora muito mais jovens do que eu, escrevo estas desconfortáveis linhas num apelo de velho professor e advogado: que procurem voltar a fazer do STF a instituição que sempre foi, a mais respeitada do Brasil, mesmo no tempo do regime de exceção, pela qualidade dos ministros que a compunham.
Se o STF voltar a ser o poder técnico, e não político, de fazer respeitar a Constituição, deixando aos poderes representativos do povo, que são, portanto, eleitos por vontade popular, a condução dos destinos do país, voltará a ter no coração dos brasileiros a mesma imagem que, no passado, o Pretório Excelso sempre teve.
Como alguém que apenas foi advogado e professor universitário de Direito em toda a sua vida, é o que ardentemente desejo.
Por Ives Gandra da Silva Martins
Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio/SP. Professor Emérito da Universidade Mackenzie e das Escolas do Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e Superior de Guerra (ESG). Catedrático da Universidade do Minho (PORTUGAL); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP).