Os jogos de azar

Em 1982, defendi minha tese de doutoramento na Universidade Mackenzie. O livro, que dela resultou, recebeu, em 1983, o título de “Teoria da Imposição Tributária”.
Toda a linha de minha argumentação fora no sentido de utilização da tributação como forma de controlar determinadas atividades situadas nos limites da licitude.
Advoguei, então, o princípio de que seria preferível o Estado permitir e controlar os jogos de azar, visto que a proibição, sobre não eliminar a sua prática, faz com que parcela substancial de receita tributável permaneça na informalidade, gerando evasão de receitas.
Mais do que isto, salientei que o fato de os países limítrofes ao Brasil permitirem jogos desta natureza, à evidência, levava cidadãos brasileiros e os residentes no país, a dispenderem seus recursos no exterior, com prejuízos notórios à arrecadação do fisco brasileiro.
O Principado de Mônaco vive do jogo praticado em seu famoso Cassino, sendo a família “real” por ele sustentada.
Grande parte dos brasileiros que vão aos Estados Unidos passam pela Cidade de Las Vegas, em que o jogo não só a mantém como permite ao Poder Público usufruir de apreciável receita fiscal, além dos benefícios indiretos de gastos dos turistas estrangeiros que se transformam em divisas no país.
Sob controle, o jogo não é danoso. Sem controle, transforma-se em instrumento de lavagem de dinheiro, de suporte à criminalidade e evasão de divisas e negócios.
Não vislumbro, pois, nenhuma proibição expressa ao jogo na Carta Magna. Desta forma, a loteria esportiva, a quina, a sena, as corridas de cavalos –há uma justificativa teórica, de aprimoramento de raças, para este tipo de jogo— têm sido admitidas pela ordem jurídica nacional, sem contestação.
Mais do que isto, o constituinte, em matéria tributária, previu especialmente a possibilidade de se tributar a receita proveniente de concursos de prognósticos por contribuições sociais. O que vale dizer, hospedou a tese que defendi no meu livro e que apresentei, em audiência pública a que fui convidado a participar, na Constituinte, sobre o sistema tributário, como sugestão sobre a forma de melhor controle de tais atividades.
Com efeito, está o artigo 195, inciso III da C.F., assim redigido:““A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

III. sobre a receita de concursos de prognósticos”.
Qual o alcance da expressão “concursos de prognósticos”? De rigor, sua abrangência é absoluta. É mais do que o mero jogo de azar. Em verdade, por ela se admite que toda a espécie de jogos –em que ou só a sorte, ou a sorte e uma certa previsão de probabilidades, ou esta previsão como fator preponderante e a sorte em menor extensão determinam o resultado —seja criada e tributada pelo legislador.
Desta forma, não só não é proibido, como é claramente permitido o “jogo”, na Constituição brasileira.

 

Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected]  e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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