O Estado e a Economia

O Estado é sempre um mau empresário. A empresa estatal é, normalmente, um cabide de empregos para justificar salários mais elevados e acomodar aliados. Os burocratas e políticos do Executivo, via de regra, complementam seus vencimentos com cargos que ocupam em Conselhos criados para este fim e onde o que menos importa é a qualificação técnica dos que venham a ocupar as vagas de conselheiros.
Por esta razão, a empresa estatal raramente é eficiente e, quando o é, não poucas vezes, os detentores do poder de ocasião procuram retirar-lhe eficiência para projetos pessoais ou de política econômico-financeira, quando não como mera forma de conquistar aliados e alargar aspirações políticas.
A Petrobrás e a Eletrobrás são típicos exemplos de empresas que deixaram de lado seu objetivo empresarial, que sem ser brilhante, era razoavelmente administrado, para se tornarem instrumentos de política financeira de governo no intento de controlar a inflação pelo equivocado caminho do controle de preços.
Desde o Código de Hamurabi que a repressão de preços para conter a inflação é um fracasso. O Edito de Máximo, do Imperador Deocleciano em 301, ostentou monumental insucesso desta forma de inibir a deterioração do valor da moeda pelo controle de preços, alguns historiadores admitindo que tenha sido um dos fatores a levá-lo à renúncia.
Argentina e Venezuela pagam o preço pelo caminho errado do controle de preços como forma de combater a inflação. Por esta razão, amargam-na na casa dos 25% ao ano, pelo menos.
Uma das formas de se combater a inflação é pelo controle da demanda, com aumento dos juros. Na “teoria do juro” de Irving Fischer, dizia ele que a melhor forma de se conter a impaciência de gastar é gerar a oportunidade de investir. Juros negativos geram a impaciência de consumo. Guardar dinheiro que se nivela ou fica abaixo da inflação é a melhor alavanca para o gasto. Embora a inflação de demanda seja conseqüência, não poucas vezes, de um mercado comprador maior que o vendedor, dá-se também quando estão nivelados os dois pólos, mas a avalanche consumista está em alta.
A outra forma de combate a inflação é reduzir o custo da máquina administrativa. Stephen Webb, no livro “Inflation and Stabilization in Weimar Republic”, mostra que a pressão do Estado como gerador da inflação é que levou, mais do que os outros fatos, à hiperinflação alemã, estancada apenas pelo plano de marco forte, em 15/11/1923.
No Brasil, nenhum dos dois instrumentos tem sido utilizado, na era Dilma.
O relaxamento das contas públicas, com maquiagem naquelas de 2012, para ter-se a ilusão de que se atingira a meta fiscal, e a discussão, para 2013, de novas regras para flexibilizar o conjunto de metas que foram obtidas nos governos anteriores são elementos que sinalizam ao mercado que a inflação não está sob controle como apregoam os arautos do governo.
Acresce-se, na realidade brasileira, uma certa antipatia da presidente à palavra “lucro”, que a levou, nos dois primeiros anos, a limitar a rentabilidade das empresas nas licitações federais, com desistência das mais conceituadas em participar dos certames, e a simpatia inequívoca aos governos do pólo bolivariano, ao ponto de suportar, estoicamente, todas as ofensas e injurias econômicas, sem reação.
Em vez de o Brasil negociar com as grandes potências, no nível de potência que adquiriu, prefere continuar a sofrer os agravos de seus parceiros, que são tanto mais agressivos, quanto mais passivas sentem as autoridades brasileiras. É de se lembrar que, enquanto todos os países tentam, nos tratados bilateriais, implementar o comércio exterior, o Brasil, pela auto-punição que se impôs ao aderir o MERCOSUL – de resto não respeitado por seus parceiros -, firmou apenas três acordos insignificantes, estando a perder, vergonhosamente, a maratona da competitividade mundial, por escassez de vontade e competência e excesso de decisões equivocadas.
Não sem razão, os dois primeiros anos do governo Dilma têm se caracterizado por um baixíssimo PIB e por uma altíssima inflação, que, no mês de Março, superou o teto da meta estabelecida em 6,5% contra um ponto de equilíbrio de 4,5%.
Não deve ser esquecido, por outro lado, o lado negro do Império brasiliense, em que dos 32 partidos existentes no Brasil, necessita a presidente do apoio da maioria para governar, o que obriga a concessões políticas cada vez maiores, reduzindo a eficiência do Estado a um aparelhamento para acomodação dos aliados e seus apaniguados. Não encontrei em nenhum filósofo a existência de 32 modelos políticos distintos, na sua concepção global.
Deve-se lembrar, também, o custo Brasil provocado pelo caos tributário e pela demagogia trabalhista, que gera, nos superencargos às empresas, desestímulo à produção e a busca de outros mercados, para investidores nacionais e estrangeiros.
Diziam os jornais da época, quando Marx fixou-se em Londres, já conhecido pelo seu mau humor contra as empresas e pelas suas teses revolucionárias de liquidação dos capitalistas e do capital, que era “um bom cidadão para qualquer outro país que não aquele que no momento estivesse vivendo” (Galbraith, A era da incerteza).
Muitos desinteressam-se de aqui investir, pois seus interesses são preservados de melhor forma, em qualquer outro país que não no Brasil, apesar de toda nossa potencialidade.
O caos tributário está na superposição de tributos sob o mesmo ou semelhante fato gerador (circulação de bens), como IPI, ICMS, ISS, COFINS, PIS, CIDES, imposto de importação e exportação, muito embora os dois últimos sejam típicos tributos regulatórios de mercado e de alavancagem à proteção da produção nacional.
A regionalização do ICMS, desde 1967, gerando uma guerra fraticida entre os Estados, que nem o próprio STF, ao considerá-la inconstitucional, conseguiu atalhar até agora, foi um desastre. A proposta que levei, nas diversas audiências públicas no Congresso Nacional para federalizá-lo, com partilha da receita entre as entidades federativas, compactação com o IPI e ISS, deixando a arrecadação por conta dos Estados para que a redistribua por ter melhor máquina de arrecadação, foi sempre rejeitada, pois aos Estado INTERESSA este caos fiscal, em que a fraqueza do STF, a inoperência da União em políticas regionais, permite que há 25 anos incentivos ilegais sejam concedidos, gerando uma fantástica descompetitividade entre as entidades federativas.
E as soluções apresentadas, mesmo aquelas que circulam no Parlamento, são insuficientes para equacionar o problema, sendo que as 12 propostas de emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias e resoluções que a nossa Comissão, nomeada pelo Senado, apresentou em 30/10/2012, continuam repousando, serenamente, nas gavetas do Senado!!! Foi completamente desperdiçado o trabalho dos treze – Nelson Jobim (presidente), Everardo Maciel (relator), Bernard Appy, Fernando Rezende, Ives Gandra Martins, João Paulo dos Reis Velloso, Luís Roberto Barroso, Manoel Felipe Rêgo Brandão, Marco Aurélio Marrafon, Michal Gartenkraut, Paulo Barros Carvalho e Sergio Roberto Rios do Prado- que, “pro Bono”, apresentaram vetores para uma solução.
Os encargos trabalhistas cada vez mais pesados impedem que ganhemos poder de concorrência, em relação aos países com encargos inferiores e, principalmente, perante os Bric’s (Rússia, China, África do Sul e Índia) em que são menores e, muitas vezes, bem menores.
Por fim, esta visão de que cabe ao Estado controlar a economia, e não apenas dar condições de expansão para quem sabe atuar, que é a sociedade, torna o engessamento de suas virtualidades uma realidade negativa, com o Poder atuando mal e prejudicando mais do que auxiliando a “performance” dos agentes econômicos.
Na Economia, quando o Estado não atrapalha já desempenha um excepcional papel. Quando atrapalha pouco, o país pode crescer. Quando atrapalha muito, o resultado são os 2 anos de baixo PIB e alta inflação.
Num país, em que a política do Ministro da Fazenda resume-se em baixar o IPI, COFINS e PIS para controlar a inflação e mexer no IOF para intervir na política cambial, sem, todavia, haver um planejamento a curto, médio e longo prazos para ganharmos competitividade empresarial, tecnológica e logística, a posição do Brasil é de retrocesso e de afastamento das demais nações, como alertou Lagarde, presidente do FMI.
Neste particular, o governo Lula, que seguiu rigorosamente a política do governo Fernando Henrique no que diz respeito a economia com o tríplice controle (metas de inflação, câmbio flexível e superávit primário), foi muito mais pragmático que o governo Dilma que, de rigor, sem o dizer expressamente, começa a abandonar os três fundamentos bem sucedidos da economia de 1994 a 2010.
Comparado ao pragmatismo de Lula, menos culto, mas mais sensível à realidade brasileira e mundial, o ideologismo de Dilma, mais culta, mas menos pragmática –e, neste particular, menos humilde que Lula -, tem estrangulado os caminhos que o Brasil seguiu e que outros países como México, Índia, China, Rússia, Chile e Colômbia têm seguido, apesar da crise mundial. Estamos assemelhando-nos aos modelos mal sucedidos da Venezuela e Argentina e perdendo terreno para os países retrocitados que, apesar de terem menos condições de desenvolvimento que o Brasil, dão saltos de qualidade e adaptação aos desafios da modernidade, que o estamento estatal brasileiro não permite dar, com as suas 3 fantásticas barreiras: 1) caos tributário e carga superior a de nossos concorrentes; 2) burocracia esclerosada e geradora de obrigações inúteis que entravam o desenvolvimento e 3) encargos trabalhistas maiores do que os de países emergentes que conosco concorrem.
Todas estas considerações objetivam mostrar que se não houver alteração do rumo da política governamental –parece haver alguma sinalização neste sentido, como aumento da margem de lucro nas licitações federais-, certamente asseguraremos mais um ano de baixo PIB e volta da inflação, com o inconveniente de que o modelo de estímulo ao consumo parece dar sinais de esgotamento.
Creio que uma reforma tributária simplificadora e uma desburocratização das exigências sobre o cidadão, com redução da máquina administrativa, seria um bom começo para recuperar o poder de competitividade das empresas brasileiras, de mais em mais sufocadas pela complexidade de uma legislação tributária tão caótica, que termina por gerar autos de infração fantasmagóricos, e uma assustadora insegurança jurídica para qualquer que seja a operação de fortalecimento das empresas com fusões, incorporações, cisões ou criação de novas tecnologias, empreendimentos ou produtos.
Se não começarmos por cortar, significativamente, os nós górdios da nossa insuficiência governamental, da nossa burocracia, do nosso confuso sistema tributário e do peso da nossa legislação trabalhista – mais ideológica do que voltada ao interesse dos trabalhadores -, certamente veremos outros países passando-nos à frente, pois estaremos caminhando, a passos largos, para avanço do retrocesso.

 

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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