O Discurso do ódio no Direito Internacional

Tecerei, neste artigo, considerações sobre a intolerância e o direito, à luz de dois temas atuais.
Meu bom e velho amigo Luís Carlos Bresser escreveu na Folha de São Paulo artigo em que tece considerações sobre a decisão da França de proibir a negação de existência de um genocídio dos armênios pelos turcos, algo que, no passado, a França fizera também com o Holocausto, visto que o reconhecimento do genocídio judeu foi seguido de legislação proibitiva de revisão histórica e de punição para os que não o reconhecessem.
Alguns anos atrás, examinando a tese de doutoramento de Samantha Pflug Meyer (Discurso do Ódio, PUC-SP), em que analisava a conformação de legislações inibidoras de pesquisas históricas e manifestações públicas, tendo eu arguido a candidata sobre se o reconhecimento de um fato deveria ser elemento suficiente para que houvesse vedação a pesquisas sobre o mesmo, pois que o fato histórico permite sempre novos estudos, que quase sempre terminam fortalecendo seu reconhecimento. A pesquisa não pode ser inibida nunca. A examinanda concordou com a observação e na edição de seu livro fez questão de realçar este aspecto.
Tenho para mim que, na primeira metade do século passado, os dois mais clamorosos casos de genocídio político foram o dos armênios pelos turcos e dos judeus por Hitler. Não há como negá-los. Ficarão como uma mácula na história da humanidade.
O que me parece, sem a necessidade que o caro amigo Bresser teve de atacar a França, que, como todas as nações teve e tem seus momentos de luzes e de sombras, é de que a livre manifestação de pensamento não pode ser inibida por leis que terminam condicionando a pesquisa histórica.
Em outras palavras, Turquia e Alemanha tiveram, no passado, em face dos seus governantes, trágico papel em dois holocaustos, ou seja, do povo armênio e do povo judaico. E a história demonstrou serem verdade tais fatos. O que, entretanto, não justifica, como argui, na defesa de tese da Professora Samantha, inibir pesquisas futuras e punição a quem possa ter uma visão diversa, risco de alimentar-se o denominado “Discurso do Ódio” que os juristas da atualidade buscam combater.
Para mim, todavia, o holocausto do povo armênio ficará como uma mancha permanente na história do povo turco.
Algo mais grave, entretanto, está ocorrendo nos países do oriente próximo.
Ayaan Hirsi Ali, publicou na revista Newsweek de 13 de fevereiro passado, artigo fartamente documentado sobre a guerra que os países islâmicos estão desencadeando contra os cristãos, atingindo sua liberdade de consciência, proibindo-os de manifestarem sua fé e assassinando quem a professa individualmente ou mediante atentados a Igrejas ou locais onde se reúnam.
Lembra que ao menos 24 cristãos foram mortos pelo exército egípcio, em 9 de outubro de 2011; que, no Cairo, no dia 5 de março do mesmo ano, uma Igreja foi incendiada, com inúmeros mortos; que, na Nigéria, no dia de Natal de 2011, dezenas de cristãos foram assassinados ou feridos e que no Paquistão, Índia e outros países de minoria cristã, a perseguição contra os que acreditam em Cristo tem crescido consideravelmente.
Declara a autora que “os ataques terroristas contra cristãos na África, oriente próximo e Ásia cresceram 309% de 2003 a 2010”. E conclui seu artigo afirmando que, no Ocidente, “em vez de criarem se histórias fantasiosas sobre uma pretensa “islamofobia”, deveriam tomar uma posição real contra a “Cristofobia”, que principia a se infestar, no mundo islâmico. “Tolerância é para todos, exceto para os intolerantes”.
Entre as sugestões que apresenta, está o Ocidente condicionar seu auxílio humanitário, social e econômico a que a tolerância para com os que professam a fé cristã seja também respeitada, como se respeita, na maioria dos países ocidentais, a fé islâmica.
Entendo ser o Brasil, neste particular, um país modelo. Respeitamos todos os credos, inclusive aqueles que negam todos os credos, pois a liberdade de expressão é cláusula pétrea na nossa Constituição.
Ocorre, todavia, que as notícias sobre esta “Cristofobia islâmica” são desconhecidas no país, com notas reduzidas sobre atentados contra os cristãos, nos principais jornais que aqui circulam.
Um homossexual agredido é manchete de qualquer jornal brasileiro. Já a morte de dezenas de cristãos, em virtude de atos de violência planejados, como expressão de anti-cristianismo, é solenemente ignorada pela imprensa.
Quando da Hégira, em 622, Maomé lançou o movimento islâmico, que levou a invasão da Europa em 711, com a intenção de eliminar todos os infiéis ao profeta de Alá. Até sua expulsão de Granada –creio que em 1492- os mulçumanos europeus foram se adaptando à convivência com os cristãos, sendo que a filosofia árabe e católica dos séculos XII e XIII convergiram, fascinantemente. Filósofos de expressão, como São Tomas de Aquino, Bernardo de Claraval, Abelardo, Avicena, Averróes, Alfa-rabi, demonstraram a possibilidade de convivência entre credos e culturas diferentes.
Infelizmente, aquilo que se considerava ultrapassado, reaparece em atos terroristas, que não dignificam a natureza humana e separam os homens, que deveriam unir-se na busca de um mundo melhor.
Creio que a solução apresentada por Ayaan Hirsi Ali é a melhor forma de combater preconceitos, perseguições e atentados terroristas, ou seja, condicionar ajuda, até mesmo humanitária, ao respeito a todos os credos religiosos (ou à falta deles), como forma de convivência pacífica entre os homens. É a melhor forma de não se incubarem ovos de serpentes, prodigalizando auxílios que possam se voltar contra os benfeitores.

 

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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