Concussão e Tortura Mental

Desde que se iniciou a Operação Lava Jato, tenho, em artigos e conferências, elogiado o papel da Polícia Federal, do Ministério Público e principalmente do juiz Sérgio Moro, que corajosamente e com rapidez e firmeza, tem conduzido os principais processos referentes aos envolvidos, embora muito mais do setor privado do que do público, que foram os maiores beneficiados do assalto às burras estatais.
Não o conheço, pessoalmente, tendo apenas referências de que tenha auxiliado, como assessor, no início de sua atuação, no Supremo Tribunal Federal, a Ministra Rosa Weber, por quem nutro particular apreço intelectual e literário.
A admiração e as convergências no plano das ideias jurídicas, embora sejam imensas, comportam, todavia, alguns contrapontos com ares de divergência. São poucas, mas relevantes.
A primeira delas é que estou convencido de que toda a operação Lava Jato representa fantástico delito de concussão, em que agentes do governo exigiam de empresas que atuavam no setor público federal, que entrassem no “jogo das propinas”, sob pena de estarem simplesmente excluídas de atuação junto ao governo.
Ora, empresas com milhares de empregados simplesmente não tinham outra opção, senão participar do “clube”, pois, caso contrário, teriam que parar ou reduzir drasticamente suas atividades, com dispensa de milhares de trabalhadores.
Na concussão – ao contrário da corrupção, em que são os empresários que subornam – são os agentes públicos que impõem condições, as quais, se não forem aceitas, impedem as empresas de participar ou é eliminada a sua participação, nas licitações denominadas públicas.
A segunda divergência diz respeito às prisões preventivas mantidas com o propósito de obter delações premiadas, mesmo que os fundamentos reais (fuga, destruição de provas, risco maior) estejam afastados. A meu ver, nesta hipótese, ferem o artigo 5º inciso III da Lei Suprema, assim redigido: ”III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;..”.
Ora, a manutenção de cidadãos na prisão para debilitar sua resistência mental e acenar com os benefícios de uma delação premiada, parece-me ferir a disposição do inciso III do artigo 5º.
Sinto-me à vontade para falar sobre tortura mental, porque participei, no Brasil, da Anistia Internacional, enquanto ela teve filial no país. A Anistia foi fundada em 1961, na Inglaterra, com objetivo estatutário de ser dissolvida, quando não houvesse tortura no mundo.
Eu mesmo sofri tortura mental, nos anos de chumbo de 1969 a 1971, quando foi pedido pelo Ministro Delfim Netto ao Ministro Gama e Silva (Fazenda e Justiça) o confisco de meus bens e a abertura de um IPM (Inquérito Policial Militar) contra mim.
Embora arquivados pelo Ministro Gama e Silva os dois pedidos, durante alguns anos sofri o reflexo de ter meu nome sido veiculado pela imprensa.
O certo é que a ampla divulgação que se tem dado das prisões, através da mídia, constitui verdadeira tortura mental aos encarcerados, sendo, às vezes, a delação premiada obtida, exclusivamente, por quebra de sua resistência mental.
Entendo, pois, o manifesto de ilustres juristas que têm se oposto a tais métodos, pois atingindo o amplo direito de defesa assegurado pela Lei Suprema nos incisos XLIV (devido processo legal), LVC (ampla defesa) e LVII (presunção de inocência) do artigo 5º da CF.
Acresce-se que o direito à privacidade dos cidadãos encarcerados (incisos X, XI e XII, do mesmo artigo) pode estar sendo cerceado, na Operação Lava Jato, segundo a Carta Aberta de eminentes juristas.
Por fim, lembro, que os maiores beneficiários das propinas foram os agentes públicos.
As empresas prestaram o serviço que beneficiou a Nação, o qual, todavia, teve um “sobrepreço” exclusivamente destinado àqueles representantes do Governo Federal, nas administrações dos presidentes Lula e Dilma, que o recebiam para benefício próprio ou para financiar os partidos dos detentores do poder.
O prejuízo nacional reside, essencialmente, não na qualidade de serviço prestado, mas no preço superior exigido pelos governantes.
São relevantes, portanto, meus dois pontos de divergência, que, em nada comprometem a admiração, que reconheço tem crescido, pela atuação do magistrado paranaense, da Polícia Federal e do Ministério Público, permitindo ao Brasil conhecer a podridão imposta por agentes públicos à administração do país.
Estou convencido de que, após a Operação Lava Jato, haverá novos horizontes para a moralidade na administração pública, em Brasília e em o todo país.

 

Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected]  e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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